Grau de umidade soja: adequação e suas implicações na conservação, logística e competitividade
As discussões recentes sobre a revisão do padrão de classificação da soja, coordenada pelo Ministério da Agricultura, motivaram polêmicas importantes quanto à proposta de redução do grau de umidade de 14% para 13%. No contexto da norma essa recomendação é referencial e não se inclui dentre os parâmetros determinantes da qualidade do produto, mas é uma análise obrigatória nas inspeções oficiais e fundamental nas transações comerciais.
A manutenção da qualidade de qualquer produto agrícola armazenado, depende, inicialmente, da sua condição física, atestada pela aparência, integridade, coloração, formato e especialmente grau de umidade, parâmetros facilmente identificados, previamente ao descarregamento.
Devido à sazonalidade da safra e a necessidade de oferta, o armazenamento é uma etapa fundamental e imprescindível à cadeia produtiva da soja, sendo que o tempo de estocagem praticado, embora variável de acordo com a oferta e demanda, tem sido de, no mínimo, seis meses, o que aumenta a necessidade de um maior cuidado com a secagem para armazenamento seguro e com menores níveis de perdas quantitativas e qualitativas.
A etapa de armazenagem, fundamental à manutenção do fluxo contínuo de processamento na cadeia da soja, para manter estável a demanda de matéria-prima, devendo ser gerenciada de forma permitir a adequada conservação dos grãos. Devido ao alto teor de óleo e às condições climáticas desfavoráveis ao armazenamento, a soja requere atenção e cuidados redobrados.
Dentre os diversos fatores que afetam a qualidade da soja durante o transporte ou armazenamento, não restam dúvidas que o grau de umidade é o fator mais crítico. A disponibilidade de água na massa de grãos irá favorecer a atividade metabólica por meio do processo de respiração, com a produção de calor, ataque de fungos e de outras pragas, resultando na deterioração do produto, o aumento da acidificação do óleo, da perda de massa, acelerando a evolução dos defeitos, além de interferir diretamente na eficiência da cadeia logística.
Pesquisas no Brasil e no mundo demonstram que o grau de umidade seguro para o armazenamento de soja por períodos superiores a 117 dias é de no máximo 12% a 24oC. Quando a temperatura se eleva, este tempo diminui. Quando os grãos são armazenados com 14% de umidade, o período seguro máximo é de 63 dias a 24oC e de até 27 dias, à 32oC. Estes dados evidenciam que o armazenamento com 14% de umidade, nas condições brasileiras, é bastante arriscado e não recomendado, sendo que a redução em 1% de umidade dobra o tempo de armazenamento seguro dos grãos de soja.
São inerentes ao processo produtivo da soja, a ocorrência de danos causados por adversidades climáticas, pragas e outros fatores, os quais compõem o grupo de defeitos avariados e cuja evolução é favorecida pelo inadequado grau de umidade do produto, em função do tempo de armazenamento. Grãos estes que possuem naturalmente menor estabilidade ao armazenamento e por isso apresentam a necessidade de manejo diferenciado e secagem mais intensa, para que se conservem da mesma forma.
Assim, a redução do teor de umidade na soja, logo depois da colheita, é crucial para garantir a adequação do produto, uma vez que, níveis mais baixos de umidade ajudam a prevenir a deterioração durante o armazenamento, mantendo a qualidade da soja e reduzindo o risco de contaminação em todas as etapas.
A soja com menor grau de umidade é menos propensa a danos, preservando o valor nutricional, sabor e textura dos grãos, assegurando a qualidade exigida pelos processadores e consumidores, além de favorecer a eficiência dos processos industriais aplicados à moagem, laminação ou extração.
Em relação a qualidade do óleo, estudos mostram que em um período de armazenamento de soja por 180 dias a 30oC, o óleo acidifica em torno de cinco vezes mais quando a soja é armazenada à 14%, quando comparado ao armazenamento com 13% de umidade.
Devido à natureza higroscópica da soja, os processos de dessorção (perda) e adsorção (ganho) de água, irão afetar o grau de umidade do produto durante o armazenamento, que, em função das condições do meio, sofrerá alterações até que seja atingida a umidade de equilíbrio do grão. Este grau de umidade de equilíbrio constitui-se fator determinante na conservação do produto, uma vez que a disponibilidade de água mostra uma correlação direta com os processos de deterioração, agravados pela composição química dos grãos com alto conteúdo de lipídeos.
A partir da utilização da soja como matéria-prima são obtidos produtos destinados aos diferentes usos, incluindo a alimentação humana e animal, cujas exigências priorizam a segurança do alimento, amparadas em dados e informações disponibilizados pela pesquisa, as quais indicam uma correlação direta entre a qualidade da matéria-prima disponível para o processamento e eficiência do processo industrial. À medida que a qualidade dos grãos de soja diminui, a velocidade de processamento também é reduzida e o custo do “tempo” se eleva, visto que o aproveitamento máximo dos equipamentos só acontece quando se tem disponível, na linha de produção, matéria-prima de qualidade.
Dentre os principais impactos na cadeia logística, relacionados ao gerenciamento do grau de umidade da soja, temos que a redução do teor de água implica no aumento da densidade dos grãos, melhorando a eficiência do uso do espaço em unidades armazenadoras e no transporte de grãos. A redução do grau de umidade da soja de 14% para 13% permite um incremento de 2% na capacidade estática de um silo, sendo que tal percentual também ser reflete na capacidade estática monetária da estrutura de armazenagem.
Além da maior eficiência logística, à medida que um grão tem sua umidade reduzida, os dois principais nutrientes ou compostos de interesse comercial, a proteína e o óleo são concentrados permitindo que a média nacional de teor proteico de 36,69% passe para 37,13%.
No quesito emissão de CO2, processo oriundo da reação respiratória a que estão sujeitos grãos e organismos associados, a redução do teor de umidade significa uma redução na emissão de CO2 de 2,7 vezes, mostrando que o armazenamento de grãos em níveis mais seguros permite diminuir perdas e tornar o processo mais sustentável, reduzindo a pegada de carbono.
O manejo do grau de umidade ao longo de toda a cadeia produtiva possibilita a adequada conservação do produto e o correto gerenciamento dos fatores de risco, incluindo aqueles relacionados à segurança do alimento e à competitividade do mercado.
Por isso, quando olhamos apenas para a redução da massa provocada pela secagem dos grãos, de 14% para 13% por exemplo, estamos deixando de olhar para as perdas provocadas pela quebra técnica, que acabam sendo muito maiores. Em termos de redução de perdas e manutenção de qualidade não existe outro caminho a não ser secar bem e, para a soja, isso significa trabalhar com patamares de 12% a 13%.
Autores:
Fátima Parizzi – Consultora Técnica da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE)
Maurício de Oliveira - Professor de Ciência e Tecnologia Agroindustrial da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel (FAEM) e da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
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