A CPR Verde no âmbito da Agricultura Multifuncional
A Cédula de Produto Rural foi instituída pela Lei 8.929/1994 e, hoje, é um dos principais instrumentos de financiamento privado do agronegócio brasileiro, à exemplo da incidência nas operações de barter. Trata-se de uma promessa de entrega de produto (CPR física) ou de pagamento de quantia (CPR financeira), por meio da qual o emitente, recebendo o adiantamento de certa quantia/insumos/implementos (ou tão somente no bojo de uma operação de hedge para se proteger contra os riscos de preço do mercado futuro), vincula suas restituições à obtenção de produtos originados do desenvolvimento de suas atividades agrárias. A CPR é, portanto, título representativo de promessa de entrega de produtos, com ou sem garantias (art. 1º, caput).
Com a emissão da CPR, há a garantia da existência de uma obrigação por parte do produtor rural e a garantia de disponibilidade de capital àqueles que adiantaram o insumo/implemento, com a possibilidade de negociação antes do vencimento, como por exemplo no repasse a companhias securitizadoras para emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio – CRA.
Hodiernamente são reconhecidos novos contornos àquilo que se entende por agricultura. Fala-se, hoje, em agricultura multifuncional. Esse conceito amplo de agricultura decorre da necessidade de se reconhecer o caráter econômico à preservação do meio ambiente, inclusive como instrumento de fomento à manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Dessa junção do moderno conceito de agricultura com a necessidade de se compensar o produtor/empresário a cumprir da melhor forma as funções de sua empresa e propriedade, a Lei 13.986/2020 e, posteriormente, a Lei 14.421/2022, instituindo a Cédula de Produto Rural Verde (CPR-V), incluiu no conceito de produto rural, os produtos obtidos em atividades “relacionadas à conservação, à recuperação e ao manejo sustentável de florestas nativas e dos respectivos biomas, à recuperação de áreas degradadas, à prestação de serviços ambientais na propriedade rural ou que vierem a ser definidas pelo Poder Executivo como ambientalmente sustentáveis” (art. 1º, §2º, II, da Lei 8.929/94).
Ou seja, reconheceu (ainda que indireta e tacitamente) o conceito de agricultura multifuncional e incluiu a preservação/recuperação ambiental como produto das atividades agrárias, reforçando a necessidade de lhe conferir valor econômico, tal qual os demais produtos da agricultura (soja, milho, arroz, algodão, etc.).
Com isso, o produtor/cooperativas/agroindústrias monetizam suas áreas verdes, tornando-as economicamente atrativas, ao passo em que empresas com passivo ambiental podem equilibrar a balança, regularizando sua situação. A CPR-V, nesse caso, será instrumento de garantia de tal negócio, estabelecendo o valor a ser pago/adiantado pelo investidor, bem como o produto ambiental a ser entregue, com todas as circunstâncias a serem observadas, inclusive a certificação. Eis, aí, a multifuncionalidade da CPR Verde: proteção ambiental, rentabilidade ao produtor e adequação ambiental às empresas com passivo ambiental.
Vale destacar que o mercado da CPR-V está em plena ascensão, na medida em que, além do atrativo econômico, está engajado com a questão atinente à preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado e a adequação das empresas às políticas ESG, tema de ampla discussão e fiscalização social, com forte reflexo no mercado.
Nessa linha, a adequação ambiental de empresas, inclusive estrangeiras, é premente, de modo que o governo federal estima que, em 04 (quatro) anos, o mercado potencial da CPR-V (por possibilitar serviços ambientais como seu objeto) poderá envolver mais de 30 bilhões de reais em operações.
Tanto isso é verdade que os grandes bancos e fundos de investimentos já vêm operacionalizando tal instituto, criando mecanismos de incentivo à sua utilização. O Banco do Brasil, Santander e a BTG Pactual, por exemplo, já têm concedido crédito a projetos dessa natureza, lastreada em CPR-V. A B3 registrou, em 2022, a primeira CPR-V (estruturada pelo Grupo BMW).
Dessa forma, exsurge o caráter multifuncional da CPR-V, instrumento que, a um só tempo, incentiva à preservação ambiental e traz benefícios para ambos os sujeitos da relação, já que é economicamente benéfica àquele que preserva/recupera áreas verdes e, ainda, possibilita que empresas com passivo ambiental possam se consolidar como empresas ambientalmente adequadas e, como isso, agregar valor à sua marca, ser beneficiada com créditos mais vantajosos, ser objeto de interesse de investidores, entre muitos outros benefícios.
0 comentário
CCAS: Riscos da política ambiental como barreira comercial: a polêmica da reciprocidade no comércio internacional, por
Milho segunda safra tem potencial para dobrar a produtividade no Brasil
Intervenções do Bacen no câmbio funcionam? Por Roberto Dumas Damas
Abacaxi no Maranhão: Principais pragas, manejo integrado e uso correto e seguro de pesticidas agrícolas
Smart farming: como a IoT pode destravar o problema de conexão rural no Brasil?
Artigo/Cepea: Produtividade e renda dos trabalhadores no Brasil: uma análise intersetorial