Câmbio pode não ajudar, por Roberto Padovani

Publicado em 27/05/2021 09:13
A apreciação cambial seria um aliado importante para uma alta parcial da taxa de juros. O cenário de 2022, no entanto, pode dificultar a convergência da moeda. - Roberto Padovani é economista-chefe do Banco BV

Com a forte retomada da economia internacional, desorganização das cadeias produtivas e alta expressiva nos preços de commodities, a inflação se transformou no principal tema econômico global.

Este movimento também se observa no Brasil, mas com um agravante. A taxa de câmbio, ao contrário do que se poderia esperar em um cenário de fim de recessão e alta de preços de commodities, oscila em um patamar descolado dos fundamentos há um bom tempo. Neste contexto, entender a dinâmica cambial passou a ser central para avaliar o risco inflacionário e as estratégias de normalização da política monetária.

A experiência de mais de duas décadas de câmbio flutuante mostra que o diferencial de juros, o risco soberano, os preços de commodities e o dólar global são variáveis relevantes para explicar o comportamento da moeda brasileira.

O curioso, no entanto, é que considerando o movimento destas variáveis entre abril de 2020 e abril de 2021, a moeda brasileira deveria ter oscilado ao redor do patamar de 4,70 e não em torno de 5,40, como observado.

Este suposto descolamento não se observa apenas em relação aos chamados fundamentos, mas também em relação a outras moedas emergentes. Comparando o desempenho da moeda brasileira com a de seus pares a partir de janeiro de 2020, o câmbio no Brasil tem operado, em média, cerca de 20% mais desvalorizado.

Os fluxos reforçam a leitura quase consensual de que o câmbio está fora do lugar. A saída líquida de capitais, que chegou a acumular US$ 61 bilhões nos doze meses encerrados em março de 2020, foi revertida a partir do final do ano e reflete a melhoria no cenário internacional, mesmo com todas as incertezas domésticas. Os resultados das contas externas são, de modo geral, bastante positivos.

Explicar este descolamento está longe de ser óbvio. Mesmo os ruídos fiscais e políticos, candidatos naturais para justificar o desempenho cambial local, deveriam, supostamente, já ter sido capturados por termômetros de risco como o CDS, o Embi e a bolsa de valores. Foi o que se viu, por exemplo, em 2015. Uma hipótese é que fatores atípicos, essencialmente domésticos e não econômicos, afetaram a moeda, como as questões sanitária e ambiental.

Sem uma explicação plausível para o descolamento da moeda brasileira, o bom senso indica que a superação da crise poderia fazer com que a moeda voltasse a seus fundamentos. Com uma moeda mais apreciada, o risco inflacionário se reduziria e a taxa de juros poderia voltar para seu nível neutro de modo gradual.

O problema desta lógica, no entanto, está no contexto em que o Brasil e o mundo vivem. A dívida pública brasileira expõe o País a choques em um ambiente propenso a acidentes. E dois temas deverão ser inevitavelmente enfrentados nos próximos meses, a saber, a redução dos estímulos monetários nos Estados Unidos e a eleição presidencial no Brasil em 2022.

Embora a questão política doméstica não esteja na agenda de analistas e investidores, a alta de juros de 10 anos nos Estados Unidos já é uma realidade. E tudo indica que o ciclo monetário e de negócios nos Estados Unidos mantenha a pressão do rendimento das treasuries. A curva de juros norte-americana, no entanto, afeta outras variáveis relevantes para a moeda brasileira, como o dólar global, o preço das commodities e o risco soberano. Historicamente, o dólar se fortalece em momentos de alta de juros e influencia os preços de matérias primas.

Vale notar que o simples aumento da volatilidade global em maio já foi suficiente para estabilizar os preços de commodities e interromper a trajetória de apreciação cambial observada em abril. O humor tem mudado intensamente e com muita frequência, o que não deixa de ser um sinal de fragilidade.

Isso significa que o aumento do diferencial de juros a favor do Brasil pode não compensar os efeitos negativos sobre a moeda gerados pela condução da política monetária norte-americana. E quanto mais se avançar no tempo, maior a probabilidade de a imprevisibilidade política local entrar no radar do mercado, reforçando a piora nos prêmios de risco soberano.

O resultado é que embora haja espaço para a convergência da moeda, a janela pode ser curta demais e afetar a própria dinâmica cambial. Se não houve convergência até agora, parece pouco provável que ela ocorra às vésperas de mudanças importantes no cenário global e local.

Neste caso, uma boa referência para a moeda para os próximos 12 meses deve continuar sendo a média de 5,40, podendo oscilar abaixo deste patamar no curto prazo e acima em 2022. Mais que a projeção em si, a ideia é que apostar em uma apreciação cambial relevante para a construção de cenários mais favoráveis de inflação e juros pode ser uma estratégia arriscada.

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Roberto Padovani

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