Quanto mais simples melhor, por Roberto Padovani
O Banco Central (BC) tem promovido várias inovações nos últimos meses. O problema é que estes avanços, embora válidos, ocorrem em um cenário de muitas incertezas e acabam gerando mais ruídos que benefícios.
Dentre as principais novidades estão os níveis historicamente baixos de juros nominais e reais, o nosso “effective lower bound”, o instrumento do “forward guidance” (FG), a ampliação do horizonte relevante de política e a adoção de uma estratégia de médio prazo, com a inédita comunicação de um ciclo monetário não contínuo.
Todos estes movimentos fazem sentido. Diante da ociosidade elevada, responsabilidade na gestão econômica, autonomia do BC e avanço de reformas, os novos experimentos não devem ser vistos como um abandono do compromisso em se manter a inflação na meta. Não por outro motivo, as expectativas a partir de 2022 seguem ancoradas.
O problema, no entanto, é o contexto em que estas inovações estão sendo feitas. O ambiente de pandemia é amplamente desconhecido no mundo. Além do ineditismo da contração global, as intensas respostas de políticas levaram a uma rápida recuperação e a um inesperado choque inflacionário.
Há uma combinação de normalização de preços, pressão nos mercados de commodities e recuperação do consumo em um momento de paralisia e desorganização das cadeias produtivas. Os novos regimes de política fiscal e monetário nos Estados Unidos apenas reforçam a insegurança em relação ao comportamento dos preços 1.
Este quadro é reforçado localmente por um histórico de elevada instabilidade econômica e política. Mesmo nos últimos 20 anos, período de maior estabilidade nas regras econômicas, os choques foram frequentes. Neste momento, as estratégias de confronto político geram ruídos excessivos em um cenário de fragilidade fiscal, levando a um choque cambial persistente.
As mudanças têm sido extremas. Até meados do ano passado havia a leitura consensual de que a ociosidade exigiria estímulos monetários maiores e mais duradouros. Mas o IPCA acumulado em 12 meses saltou de um patamar de 2,0% no terceiro trimestre de 2020 para prováveis 7,5% em maio deste ano. Com isso, a mediana das expetativas de inflação para 2021 saiu neste início de ano de 3,3% para 4,8% em menos de um trimestre, valores muito abaixo e muito acima da meta de 3,75%.
Estas mudanças radicais no cenário implicaram alterações também importantes na condução de política monetária, fazendo com que o FG fosse rapidamente abandonado e se antecipasse o processo de normalização da taxa de juros para combater a perda de ancoragem em um horizonte mais curto de política.
Com um retrospecto tão ruim, a dúvida agora é saber se será possível manter a estratégia de médio prazo de normalização parcial dos juros, conseguindo ancorar as expectativas de 2021 ao mesmo tempo em que se respeita a ociosidade da economia.
Para que o desenho de uma correção gradual possa funcionar, muita coisa tem que dar certo em um ambiente atipicamente incerto. Será preciso que o avanço da vacinação reduza o risco político e fiscal e produza impactos favoráveis sobre câmbio, ajudando a manter as projeções do IPCA para 2022 estacionadas no centro da meta.
Por outro lado, a falta de confiança na agenda ambiental, sanitária e econômica torna o cenário propenso a acidentes e dificulta a construção de consensos, elevando a dispersão das projeções e retirando a ancoragem dos preços de ativos. Mais importante, parte das incertezas locais e globais devem ser duradouras.
A instabilidade aguda dificulta a antecipação dos próximos passos de política, em particular se será possível fazer uma pausa e por quanto tempo. Sem consensos em relação aos cenários e com um plano de voo dependente dos dados de curto prazo, o desvio padrão das projeções continua alto. Chama atenção o fato de os mercados de juros futuros e câmbio seguirem pressionados mesmo com a forte reação de política monetária.
Em um contexto de elevada imprevisibilidade, portanto, novos instrumentos e estratégias complexas podem mais confundir que ajudar, aumentando o nível de ruídos já bastante alto.
Talvez o melhor fosse fazer tudo de modo mais simples.
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1 Volpon, Tony. “A irrelevância econométrica no debate sobre a inflação global”, Agência Estado, 24/março/2021.
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