Introdução da tecnologia Clearfield em cultivares de trigo no Brasil, por Giliardi Dalazen
Um dos principais entraves para o seu cultivo é a ocorrência de plantas daninhas, que competem com a cultura por elementos essenciais para que se atinjam grandes produtividades, como água, luz, nutrientes, CO 2 e espaço físico. Na região sul, onde o trigo é amplamente cultivado, as espécies de plantas daninhas que se destacam são o azevém (Lolium multiflorum), aveia preta (Avena strigosa), aveia branca (Avena sativa), nabiça (Raphanus raphanistrum) e nabo (Raphanus sativus).
O controle químico dessas plantas daninhas é realizado, na grande maioria das vezes, com herbicidas ariloxifenoxipropanoatos (FOPs), que inibem a enzima ACCase, no caso das espécies poáceas (folhas estreitas). Nesse grupo estão os herbicidas diclofop-methyl e clodinafop-propargyl. Também são amplamente utilizadas as sulfonilureias (SU), que inibem a enzima ALS. Nesse caso, incluem-se o metsulfuron-methyl, para o controle de folhas largas, e o iodosulfuron-methyl, que apresenta controle sobre espécies de folhas largas e de folhas estreitas (Rodrigues; Almeida, 2011).
No entanto, em algumas regiões já foram constatados casos de resistência de algumas espécies de plantas daninhas citadas anteriormente aos herbicidas inibidores da ACCase ou da ALS. São exemplos a resistência de azevém aos inibidores da ACCase, e às SU (ALS), com casos de resistência múltipla ao glyphosate (EPSPS), além da resistência cruzada de nabo e nabiça aos inibidores da ALS (sulfunilureias e imidazolinonas) (Heap, 2019; Cechin et al., 2017).
Para contribuir no controle dessas espécies de plantas daninhas, a partir de 2020 estará disponível aos produtores a tecnologia Clearfield (CL) em cultivares de trigo, resultante de uma parceria entre Biotrigo e Basf. A tecnologia Clearfield, presente na cultivar TBIO Capricho CL, confere tolerância dessa cultivar de trigo aos herbicidas imizadolinonas (IMI), mais precisamente ao ingrediente ativo imazamoxi. Não se trata de um evento de transgenia, mas sim de uma mutação induzida no gene ALS, que proporciona seletividade do herbicida imazamoxi nessas cultivares. Essa tecnologia já é utilizada em países produtores de trigo, como Canadá e Austrália.
Essa tecnologia auxiliará o produtor no manejo de algumas plantas daninhas importantes no trigo, como azevém, aveia e nabiça. No caso do azevém, a qual pode ser considerada a principal planta daninha da cultura do trigo, essa tecnologia poderá trazer grandes benefícios ao agricultor, uma vez que será possível realizar o controle de biótipos de azevém resistentes ao glifosato, aos inibidores da ACCase (graminicidas) e inibidores da ALS.
Mas se o azevém é resistente aos inibidores da ALS, como que o herbicida imazamoxi, um inibidor da ALS, poderá contribuir para o controle dessa espécie? A resposta para essa pergunta está no padrão de resistência dessa espécie aos inibidores da ALS. Os inibidores da ALS são divididos em cinco grupos químicos, e entre eles estão as sulfonilureias (SU) e as imidazolinonas (IMI). A resistência de azevém ocorre para o herbicida iodosulfuron-methyl, que pertence ao grupo químico das SU. Contudo, a mutação no gene ALS que resulta em resistência ao iodosulfuron-methyl, nem sempre resulta em resistência às IMI, como é o caso do imazamoxi.
Em azevém e em nabiça, as populações com o mecanismo de resistência conhecido mostram que a mutação ocorre na posição Prolina 197 do gene ALS. Esse aminoácido é importante para a ligação das SU na enzima ALS, e menos importante para a ligação dos herbicidas IMI (Powles; Yu, 2010; Heap, 2019). Dessa forma, em plantas em que a resistência às SU é em decorrência dessa mutação, os herbicidas IMI funcionam de forma eficiente e podem ser utilizados no controle e manejo da resistência. O mesmo não pode ser dito para o nabo, em que a mutação identificada nos biótipos resistentes (Triptofano 574) confere resistência tanto às SU quanto às IMI (Cechin et al., 2017).
Essa mesma mutação já foi identificada em nabiça em outros países (Yu et al., 2012) e, portanto, o conhecimento do mecanismo de resistência é essencial para se saber se o imazamoxi será ou não eficiente no controle dos biótipos presentes em cada área ou região.
Portanto, a tecnologia Clearfield em cultivares de trigo no Brasil será mais uma aliada no controle de plantas daninhas na cultura do trigo, incluindo plantas daninhas resistentes. No entanto, cabe ressaltar que essa tecnologia deve ser adotada com cautela, e ser considerada mais uma ferramenta, e não a solução de todos os problemas. É importante que essa cultivar seja introduzida num cronograma de rotação de cultivares, utilizando-a em 25 ou 33% da área cultivada com trigo a cada ano, sem repeti-la na mesma área nos anos seguintes. Assim, se dificultará a seleção de biótipos de plantas daninhas resistentes ao herbicida utilizado, prolongando a vida útil da tecnologia.
Giliardi Dalazen, Dr. em fitotecnia e professor na Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Referências
Yu, Q., Han, H., Li, M., Purba, E., Walsh, M. J., & Powles, S. B. (2012). Resistance evaluation for herbicide resistance-endowing acetolactate synthase (ALS) gene mutations using Raphanus raphanistrum populations homozygous for specific ALS mutations. Weed Research, 52(2), 178-186.
Cechin, J., Vargas, L., Agostinetto, D., Lamego, F. P., Mariani, F., Magro, T. D. (2017). Mutation of Trp-574-Leu ALS gene confers resistance of radish biotypes to iodosulfuron and imazethapyr herbicides. Acta Scientiarum. Agronomy, 39(3), 299-306. Heap I.M. 2019. International Survey of Herbicide Resistant Weeds. Weed Science Society of America; [assessed on: sep 20 2019]. Available on: <https://www.weedscience.org/>.
Powles, S. B., Yu, Q. (2010). Evolution in action: Plants resistant to herbicides. Annual Review of Plant Biology, 61(4), 317-347.
Rodrigues, b. N.; almeida, f. S. de. Guia de herbicidas. 6. ed. Londrina: Ed. dos Autores, 2011. 697 p.
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