No agro, atividade canavieira tem o maior índice de formalização e o menor de trabalho infantil

Publicado em 11/06/2018 10:43
Por Mirian Rumenos Piedade Bacchi, Professora da Esalq/USP e Pesquisadora do Cepea

Diversos estudos que tratam da ocupação na agricultura e na pecuária brasileira mostram que o cultivo da cana-de-açúcar é, entre todas as atividades agropecuárias, a que tem o maior grau de formalização (aproximadamente 80%, considerando-se dados da PNAD), superando, em muito, a segunda colocada, que é a de criação de aves. Os cultivos de mandioca e de milho, por exemplo, têm taxas de formalização inferiores a 5% e 10%, respectivamente. Em São Paulo, a formalização na atividade canavieira supera os 90%.

Esse cenário é resultado dos esforços feitos por órgãos governamentais, instituições de classe, organismos internacionais e empresários do setor sucroenergético nos últimos anos, que têm contribuído, direta ou indiretamente, para melhorar as condições dos trabalhadores desse segmento do agronegócio brasileiro, que foi por muitos anos alvo de severas críticas.

Dentre os inúmeros indicadores que são utilizados para avaliar responsabilidades socioeconômicas e a consequente sustentabilidade de uma cadeia produtiva, aqui foram considerados os que tratam a erradicação da mão de obra infantil e a formalização no mercado de trabalho na atividade canavieira. Isso porque esses aspectos da área social recebem atenção especial tanto da sociedade brasileira quanto de potenciais importadores, cada vez mais exigentes.

A meta estabelecida pela ONU, expressa em documento que trata de Desenvolvimento Sustentável, é eliminar todas as formas de trabalho infantil até 2025 e somente com os esforços agregados é que se poderá alcançar esse objetivo. Para tanto, programas do governo e de Organizações Não Governamentais são necessários; das empresas empregadoras, espera-se transparência e o compromisso social de cumprir minimamente os aspectos legais no que diz respeito ao emprego de adolescentes, buscando, quando possível, complementar os serviços relacionados à saúde, treinamento e educação oferecidos pelos órgãos governamentais ou entidades.

Na literatura sobre trabalho infantil, reconhece-se que ele vem diminuindo ao longo do tempo, o que é atribuindo às leis vigentes, existência de comissões que têm como objetivo o combate ao trabalho infantil, maior fiscalização, implementação de programas sociais, políticas de fortalecimento da educação de crianças e jovens e atuação de organismos internacionais. No entanto, tem-se, ainda, quase dois milhões de crianças e adolescentes trabalhando no território nacional.

Quando individualizada a análise, considerando-se os setores agrícolas e da pecuária brasileiros, verifica-se que a atividade canavieira, segundo dados da PNAD apresentados pela Abrinq, é uma das que têm as menores representatividades em termos de trabalho infantil e adolescente (faixa de 10 a 17 anos), apenas 0,7%, sendo precedida apenas pelas de cultivo de frutas cítrica, cultivo de uva, apicultura e criação de animais de grande porte, exceto bovinos. O cultivo do milho, criação de bovinos e criação de aves são aquelas que têm as maiores representatividades, sendo elas de 13,4%, 12,9% e 16,4%, respectivamente. Segundo essa mesma fonte, trabalham em atividades agrárias cerca de 800 mil crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos, sendo que destes, aproximadamente 300 mil estão na faixa de 10 a 14 anos.

Entende-se por formalização na agricultura e pecuária o registro em carteira de trabalho das diferentes categorias de empregados rurais, cuja figura pode ser definida como toda pessoa física que, em propriedade rural, presta serviços de natureza não eventual ao empregador rural, mediante salário. O empregador rural, de outro lado, é a pessoa física ou jurídica, proprietário ou não, que explore atividade agroeconômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos e com auxílio de empregados.

O trabalho rural passou a receber mais atenção no Brasil somente após 1988, quando foi promulgada Constituição Federal; até então, as atividades rurais eram exercidas em caráter informal. Atualmente, os direitos dos trabalhadores rurais são definidos em legislação específica – Lei n. 5.889/73 (Lei do Trabalho Rural), regulamentada pelo Decreto n. 73.626/74. Essa legislação foi estabelecida de forma a não ferir o artigo 7º. da Constituição Federal. Através dessa legislação, o trabalhador rural foi equiparado ao urbano, pois ele teve seus direitos ampliados, incluindo o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Poucas são atualmente as diferenças entre a legislação trabalhista para o setor urbano e rural.

Várias são as iniciativas que buscam acelerar os processos que assegurem sustentabilidade às cadeias produtivas da agropecuária brasileira. No caso especial da atividade canavieira, cita-se o Pacto dos Bandeirantes assinado em abril de 1996 pela Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), com o objetivo de erradicação do trabalho infantil.

Ainda no que diz respeito ao amparo aos trabalhadores, em 2009 foi firmado o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar, em que participam empresários, empregados e governo federal. Nesse compromisso foi reconhecida a necessidade de melhores práticas trabalhistas (complementares às exigências legais), como a adoção de um amplo conjunto de melhores práticas de gestão da saúde e da segurança (ginástica laboral, pausas, acesso à água e atendimento de emergência); alfabetização e qualificação dos trabalhadores, a divulgação e orientação das melhores práticas junto aos fornecedores de cana; o atendimento a migrantes contratados em outras localidades; o transporte de trabalhadores e a valorização das ações de responsabilidade corporativa das empresas nas comunidades canavieiras. Cita-se também o Projeto Elo, parceria do Imaflora e a Fundação Solidaridad, que trata de incentivos para os agricultores e busca contínua melhoria nas práticas de produtores de cana-de-açúcar que fornecem matéria-prima para a Raízen. 

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Cepea

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