A eficiência do agro no uso da água, por Marcos da Rosa
A semana em que se comemora o Dia Mundial da Água, em 22 de março, é uma excelente oportunidade para discutir o uso responsável dos recursos hídricos no país e o papel da agricultura neste contexto. O setor agrícola tem sido apontado como suposto consumidor de 70% das reservas globais de água doce. Esse percentual, porém, não encontra sustentação na realidade brasileira, cuja agricultura não é totalmente dependente da irrigação.
A análise dos dados do Atlas da Irrigação, publicado pela Agência Nacional de Águas (ANA), comprova a eficiência e responsabilidade do setor. De acordo com o levantamento, a retirada de água para a produção de alimentos correspondeu a 46% do total consumido no país em 2017. Deste total, 67% foram efetivamente utilizados e 33% voltaram aos reservatórios. A título de comparação, dos 23% captados ao consumo humano, apenas 8% foram realmente consumidos, o que representa um desperdício de mais de 90%.
A metodologia utilizada para extrair os dados do Atlas da Irrigação apresenta números diferentes dos apresentados pela própria Agência, em 2005, segundo os quais a irrigação respondia por 69% dos usos, seguido do uso urbano (11%), abastecimento animal (11%), industrial (7%) e abastecimento rural (2%).
Ou seja, ao levar em consideração apenas as vazões efetivamente consumidas e não os totais captados nos reservatórios, o levantamento anterior não contabiliza o desperdício e, por consequência, ignora a eficiência dos irrigantes na produção de alimentos. É preciso considerar que a água utilizada para a agricultura é transferida para o consumo humano através de seus produtos. A composição líquida do tomate, por exemplo, chega 94% e a do alface a 95%.
De acordo com o Atlas, as áreas com agricultura irrigada compreendem quase 7 milhões de hectares. Projeções feitas pela ANA indicam que o Brasil tem potencial de ampliar estas áreas para pouco mais de 10 milhões de hectares, um aumento de 47%.
Dados levantados pela Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) apontam que o Brasil utiliza apenas 2,6% de sua vazão para fins de irrigação, já desconsiderada a contribuição das bacias hidrográficas. Aliás, diversas técnicas já têm sido adotadas para reduzir o consumo no campo e garantir o abastecimento de alimentos cada vez mais acessíveis à população, como o plantio direto e a irrigação por gotejamento.
A Embrapa, junto com outras instituições públicas e privadas, tem desenvolvido pesquisas para a utilização de plantas mais eficientes e resistentes ao estresse hídrico, além de práticas de conservação que protejam o solo e reduzam a evaporação, como os sistemas que integrem lavoura-pecuária e lavoura-pecuária-florestas. Por meio da manipulação genética, pesquisadores desenvolveram uma soja que é mais resistente à seca. Outras pesquisas também alcançam as culturas do café, milho, trigo, cana de açúcar, arroz, algodão.
A agricultura brasileira se especializou, elevou sua produtividade e produz mais em uma área muito menor do que a que seria utilizada se não aproveitasse suas tecnologias. Isso se deve e muito ao uso sustentável e racional da água. A irrigação traz benefícios, como maior produtividade sem a necessidade de aumentar a área plantada, além de ampliar a oferta de alimentos. Importante não perder de vista que, sem ela, não há produção de alimentos.
No caso da soja, por exemplo, que é a maior cadeia produtiva do país, a produção não depende de sistemas de irrigação porque o calendário de plantio coincide, na maior parte das regiões do país, ao período chuvoso, o que configura a chamada agricultura de sequeiro.
Não há dúvidas de que a agricultura moderna levou desenvolvimento a muitas regiões do país. Em Correntina, município do oeste baiano, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) cresceu 115% entre 1991 e 2010 graças ao desenvolvimento do agronegócio na região. O município, sede da Fazenda Igarashi, que foi depredada em 2017 por falsa acusação de exaurir os recursos hídricos na região, também reduziu a mortalidade infantil neste período.
É um equívoco alimentar a ideia de que a agricultura compete com o consumo humano e é responsável pela crise hídrica nos centros urbanos. Os produtores brasileiros estão submetidos ao Código Florestal, uma legislação aprovada pelo Congresso Nacional após mais de dez anos de debates e que obriga os proprietários de terras a preservar as nascentes e margens de cursos de água, além de um percentual de vegetação nativa em cada propriedade que pode variar de 20% a 80% dependendo da região do país. Estas regras, aliadas à tecnologia e eficiência, estão transformando o agricultor brasileiro em produtor de água.
Convém lembrar que o único consumidor de água no Brasil a produzir riqueza é o agronegócio. A indústria não cresce há três anos e o setor de serviços teve um crescimento tímido de 0,3% em 2017. Enquanto isso, o campo foi responsável por 70% do crescimento do PIB no ano passado. Para o setor agropecuário, levar esclarecimento é a melhor forma de discutir o assunto e definir estratégias para a preservação deste bem que pertence a todos.
Por Marcos da Rosa - Presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja – Aprosoja Brasil
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