Nossa independência profissional requer a construção bases sólidas, por Guilherme Lamb
Ano após ano nos discutimos o problema da falta de lucratividade e endividamento dos produtores rurais Brasileiros. É um assunto que nos remete a diversos pontos que são agentes causadores dos nossos problemas, sendo a principal causa o Custo Brasil (burocracia, sistema tributário, corrupção, juros, instabilidade cambial, etc.) e seus efeitos que são a descapitalização do produtor, a falta de lucratividade e o endividamento.
Diante desta “eterna” crise, muitas vezes nos dedicamos a analisar como podemos lidar com esses problemas enquanto não se chega a uma solução concreta para os mesmos. Teoricamente existem várias ideias viáveis que se bem aplicadas trariam resultados para os produtores a curto prazo e consequentemente dando poder ao produtor econômico para conseguir posterior enfrentar a causa do problema, que é o Estado Brasileiro que gera o Custo Brasil.
Hoje durante uma conversa com amigos extremamente capacitados, citarei aqui os nomes Eduardo Lima Porto e Eloiza Zuconelli, foi mencionado pelo nobre amigo Eduardo a necessidade de os produtores se tornarem operadores de mercado, dar mais atenção a estratégias de comercialização futura, usando as palavras “formar um exército de produtores-operadores no mercado futuro”.
Sem dúvida alguma, melhorar nossas habilidades na comercialização seria uma solução concreta que amenizaria muito dos nossos problemas, em especial a bola de neve que se tornou a questão do endividamento, protegendo-nos das crises e instabilidades cambiais que na minha experiência é um dos principais causadores do endividamento, quando compramos insumos e plantamos uma safra com dólar em um patamar elevado e na colheita este se desvaloriza por alguma razão político econômica. Porem o foco aqui e agora não é discutir esses pontos e sim falar de uma questão pertinente que em geral é negligenciada.
A cara amiga Eloíza, respondeu prontamente à questão com a seguinte frase “Mas para isso precisamos formar o “exército da boa gestão””.
Irretocável, a base de qualquer atividade profissional lucrativa é a boa gestão do negócio e este aspecto tem sido relegado pela maioria.
Logicamente, para obtermos sucesso operando no mercado futuro, primeiro precisamos de bases solidas, no caso a gestão profissional da propriedade cabendo aqui a analogia com a construção de uma casa, onde precisamos começar pelo alicerce e seguir as etapas até concluir o telhado. Para chegarmos ao “exército de operadores de mercado” precisamos primeiro de um solido treinamento “militar” em gestão (aproveitando a analogia).
Para Chiavenato (2004), a Gestão é a "maneira de governar Organizações ou parte delas. É o processo de planejar, organizar, dirigir e controlar o uso de recursos organizacionais para alcançar determinados objetivos de maneira eficiente e eficaz."
Um dos fundamentos básicos para conseguir uma boa gestão é analisar informações confiáveis para tomar decisões bem fundamentadas e essas informações são geradas através de dados coletados.
Uma pesquisa mostrou que 80% dos Brasileiros não controlam suas finanças e 70% dos consumidores que têm pouco conhecimento sobre suas contas termina o mês sem dinheiro na conta corrente. “Os representantes políticos nada mais são que o fiel retrato da grande maioria do povo”, sendo essa pesquisa é uma grande prova dessa máxima, demonstrando que poucos se importam com controle e eficiência.
A grande maioria dos Brasileiros não tem nenhum apreço por registrar dados, que posteriormente se transformariam em informações a serem usadas no planejamento prévio de negócios, orçamento doméstico e profissional, controle financeiro, pesquisa e desenvolvimento dentre tantas outras utilidades.
O professor e pesquisador Eng. Agrônomo Dr. Roberto Antunes Fioretto escreveu um artigo técnico excelente que contem a seguinte citação:
“Como os brasileiros não avaliam nada, observam muito pouco e não medem praticamente nada, a sorte sempre é lançada a cada ano que passa, tentando produzir satisfatoriamente, por conta do acaso, sem ter a noção do tamanho do risco que estão correndo com seus investimentos. ”
Isso demonstra bem um dos principais motivos do nosso atraso, em todos os setores e no nosso cotidiano. “Odiamos” estatísticas, temos aversão a fazer relatórios, alergia metodologias e pavor de registrar informações.
Poucos se dedicam a registrar dados que possam ser avaliados e analisados posteriormente na solução de problemas diários. Todos vão seguindo “instintivamente”, quando alguém desenvolve algo com base em dados e informações essa manada acaba tomando isso como regra imutável e adere a mesma de forma incondicional sem avaliar os prós e contras, as particularidades especificas para cada local, se tornando adoradores de certas coisas e pessoas, do “supremo líder” que faz tudo isso por eles de maneira genérica e pouco confiável.
Focando na questão acima, para eu conseguir fazer bons negócios no mercado futuro dependo de ter prontamente a mão informações solidas sobre meu negócio (custos totais e parciais, contas a pagar em determinado período, fluxo de caixa, capital de giro, histórico de preços do produto na minha região, histórico de produtividade e correlações agronômicas e meteorológicas dentre outras informações), sem essas ferramentas a mão não tenho fundamentos para avaliar a viabilidade de uma venda futura de soja em relação as expectativas mercadológicas vigentes e fazer um bom negócio que me proteja de volatilidades e me dê margem para lucrar. Fazer isso sem essas ferramentas será um operação feita com base puramente em instintos que com certeza não trará resultados satisfatórios e poderá criar traumas quantos ao mercado futuro, coisa que é uma realidade entre muitos produtores.
Para que possamos avançar no quesito operação em mercados futuros precisamos apurar nossos conhecimentos sobre a atividades passadas e presentes de nossas propriedades, para isso precisamos de “sistemas de informação” onde fiquem registrados informações sobre compras e vendas (livro caixa), relatórios de atividades, resultados produtivos e financeiros como ocorre em empresas de outros setores, sendo imperativo que façamos um benchmarking com nossos fornecedores para entendermos a importância da gestão e das informações.
Necessitamos de informações confiáveis prontamente a mão para embasar nossas decisões e prevenir erros futuros, não só na comercialização como em outros aspectos da atividade também, como a máxima atribuída a Edmund Burke ensina:
- “Um povo que não conhece a própria história está condenado a repeti–lá“
Para conhecermos nossa história e nosso histórico precisamos fazer os registros precisos e sistemáticos, coletar dados e gerar informações.
Sem auferir dados, registra-los e relata-los nunca teremos desenvolvimento cientifico, tecnológico e econômico, sem registrar devidamente os fatos nunca teremos desenvolvimento social e político.
Precisamos quebrar o paradigma de que “não avaliamos nada, observamos muito pouco e não medimos praticamente nada” e mudarmos a maneira como administramos nossas propriedades ou nunca sairemos deste ciclo vicioso.
2 comentários
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Rodrigo Polo Pires Balneário Camboriú - SC
Excelente artigo Guilherme, e pega em um ponto anterior ao que normalmente escrevo aqui, que é a análise dos dados, dos custos de produção, da utilização racional dos recursos, e foi muito bem observado por você, antes de tudo isso é preciso compilar todos os dados, conhecer todos os problemas, muitos de soluções difíceis, onerosas, trabalhosas e demoradas. Ninguém consegue sucesso pulando essas etapas. E acertadamente você diz que essa é uma obrigação do produtor que não pode acreditar em salvadores da pátria, em soluçoes mirabolantes de quem acha que do nada pode criar soluções como em passes de mágica. É comum ouvirmos reclamações de produtores que não organizam suas propriedades de forma adequada em relação à preços, logo os preços que é o único fator que ninguém pode mudar, ele vai para onde quer. E assim são comuns queixas e pedidos de ajuda governamental que será fornecida por politicos. Lembro dos bons textos escritos por você sobre o seguro existente nos EUA, e lembro também a falta de apoio de produtores que preferem o mantra fácil de que o governo deve fazer alguma coisa. Grande parte dos produtores que reclamam não valorizam quem sabe, não que tenham que concordar com tudo, mas é comum aqui nesse espaço mesmo, o desprezo pelo esforço de quem apresenta séries de dados, que se esforça em explicar como vê a realidade, quando muitas e repetidas vezes procuram apontar um erro, por minimo que seja e como se isso fosse uma grande vitória, e do modo contrário muito dificil reconhecer que dali tirou alguma coisa que o favoreceu e ajudou. Outros parecem ser portadores de uma sabedoria infusa, onde não precisam saber de nada para entender tudo o que acontece ao seu redor. Está certo o Dr. Fioretto em sua citação, e acrescento a ela o desprezo às inúmeras instituições públicas que custam uma fortuna aos brasileiros e àquilo que pesquisam, fazem, numeram e analisam. Não há mesmo a minima possibilidade de tornar o produtor brasileiro um participante dos mercados futuros sem antes aprender a gerir seus próprios negócios.
Perfeitas sua colocações Rodrigo, de forma geral precisamos mudar nossa cultura, onde esperamos que "alguém" faça algo para resolver nossos problemas ao invés de nós mesmos assumirmos essas tarefas. Como já ficou mais do que provado, delegar tudo a terceiros e, consequentemente, ao Estado, é receita para o fracasso retumbante. Sem conhecermos profundamente o que fazemos, estaremos sempre sujeitos a cair em contos do vigário, como dito por René Descartes: "não existem métodos fáceis para resolver problemas difíceis". É inocência e ou preguiça continuar insistindo em utilizar esse tipo de método. Normalmente a solução fácil também é a solução errada... Outro ponto importante é esse que parece ser bem comum por aqui -- a lógica a qual muitos adotam, que pode ser resumida como: "não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe"... Eu escrevi esse artigo pois já vivenciei varias experiências neste sentido. Em dada ocasião, ao fazer uma calculo da taxa de retorno de investimento em um equipamento de agricultura de precisão -- com numero práticos e didaticamente -- um produtor virou para mim e disse "vou largar de perder tempo com esse monte de conta; melhor aproveitar a vida, beber, fazer churrasco". Esse tipo de mentalidade - que não define e elenca prioridades - é uma das causas dos nossos problemas crônicos como nação. Esse é apenas um dos exemplos que já ouvi nessa linha "lógica".
Guilherme Frederico Lamb Assis - SP
Fontes que mencionei no artigo:
- Artigo do Dr. Fioretto: https://www.laborsolo.com.br/corneta-do-agro/cobertura-do-solo-beneficios-e-consequencias/ - definição de benchmarking: https://www.significados.com.br/benchmarking/ - 80% dos brasileiros não controlam suas finanças http://veja.abril.com.br/economia/80-dos-brasileiros-nao-controlam-suas-financas/