Mercado de açúcar: "Tarefa difícil num ano que parecia fácil" (por Arnaldo Luiz Correa)
Já há algum tempo usamos este espaço para demonstrar aos nossos leitores a importância do binômio petróleo e moeda (real contra o US$) e suas implicações na formação de preço do etanol hidratado e, por paridade, na formação de preço e na disponibilidade do açúcar.
Nos governos anteriores, o preço da gasolina era administrado pelo governo federal de modo a deixar o combustível barato nas bombas para fomentar o consumo e a venda de veículos populares. Quem pagou essa conta, como já demonstrado aqui, foram os contribuintes, pois o caixa da Petrobras apresentava um enorme rombo não apenas pela corrupção institucionalizada por Lula e sua escória, mas porque vendia combustível abaixo da paridade internacional, e as usinas que foram massacradas pelo artificialismo na formação de preço da gasolina ao consumidor, viram-se compelidas a comercializar o etanol hidratado abaixo do custo de produção. Mas, isso é outra história.
O fato incontestável é que quando o petróleo negociava no mercado internacional acima dos 130 dólares por barril em 2008, o setor ficou chupando o dedo, pois não teve oportunidade de aproveitar os ventos favoráveis que sopravam para empanturrar o caixa da empresa. As usinas não puderam saborear o bônus da subida dos preços do petróleo.
Hoje, num cenário externo completamente distinto, mas pelo menos em linha com a paridade internacional, no meio de uma tempestade perfeita que funde a pandemia provocada pelo coronavirus (que vai fazer um enorme estrago na demanda do produto) e a briga entre Rússia e Arábia Saudita, as usinas terão a dura missão de amargar os preços deprimidos e arcar com o ônus de margens negativas. Que dureza.
O principal ônus virá pela estimativa de queda no consumo de combustível (Ciclo Otto) para este ano, que deve chegar a 3% com viés de baixa. Nesses primeiros dias do confinamento imposto pelos governos estaduais dos principais estados brasileiros, a queda na venda de combustíveis nos postos de gasolina ficou entre 50 a 70%. Dependendo da duração dessa quarentena podemos ver esse número piorar.
Como não poderia ser diferente, a paridade do etanol com açúcar perdeu terreno. As últimas ofertas de venda, sem negócios, segundo um trader no interior de São Paulo, apontavam R$ 1,7000 por litro na usina, sem impostos. Considerando o fechamento de sexta-feira do açúcar em NY no vencimento maio/2020 a 11,10 centavos de dólar por libra-peso e o dólar negociado a R$ 5,1000 o hidratado está sendo oferecido equivalente a um açúcar com 55 pontos de desconto em relação à bolsa.
Outro ônus a ser enfrentado este ano pelas usinas é acerca do preço do açúcar. Quando a Archer Consulting divulga o volume fixado pelas usinas, o levantamento é baseado numa estimativa de exportação de açúcar e, com base nela, divulgamos os percentuais fixados. Evidente que essa base deverá crescer. Se mais cana será direcionada à fabricação de açúcar, é natural assumir que uma parte desse adicional de produção ainda não tem proteção, em especial para aquelas usinas com maior restrição creditícia. Mas, esse não é o único problema.
Há uma década, o consumo mundial de açúcar crescia a taxas de 2,2% por ano. Cinco anos depois baixou para 1,5%. Hoje, estima-se que esteja em torno de 1%, apesar de a Ásia continuar crescendo acima de 3% ao ano. Com o surto do coronavirus, alguns analistas acreditam que o impacto no consumo mundial de açúcar provocará uma queda de dois milhões de toneladas em consequência da expressiva retração do consumo alimentar fora de casa.
Se o Centro-Sul produzir o volume que esperamos que vá produzir, com toda a pressão que o hidratado vai sofrer devido aos preços deteriorados do petróleo lá fora, pode ser que o tão esperado déficit mundial de açúcar para este ano esteja seriamente comprometido. Centro-Sul produz mais, Tailândia produz menos, mas o consumo mundial também cai.
Os nervos estão à flor da pele, independentemente de qual mercado se está inserido. O processo decisório ficou mais complicado, mais engenhoso, mais desgastante e não raramente acompanhado de uma espessa nuvem de variáveis. Para aqueles envolvidos direta ou indiretamente na gestão de risco é quase um desafio diário. Quaisquer dos doze trabalhos de Hércules parece fichinha quando nos defrontamos com o quadro atual. A ordem é respire fundo e não tome nenhuma decisão precipitada. Proteja-se no que é possível se proteger.
Os seguros oferecidos pelo mercado, sejam eles no câmbio, no açúcar, no petróleo, no etanol vão estar mais caros, por motivos óbvios. Ninguém te oferece um guarda-chuva em dias de chuva. Se o fazem, o preço que vão te cobrar é exorbitante. Nós é que temos que aprender a comprar guarda-chuva quando o céu está azul, sem nenhuma nuvem e o sol brilhando forte. Mas, quase nunca é assim.
Curiosamente, conversando com alguns traders no mercado de commodities, vejo cada vez mais o interesse pela tal de antifragilidade tanto discutida por Taleb há quase oito anos. O termo criado pelo professor libanês radicado nos EUA propõe que ao invés de apenas resistimos aos choques (oferta, demanda, epidemia, etc) como ficarmos mais fortes quando eles ocorrem. Falamos sobre isso aqui há pouco mais de dois anos (veja o link https://www.archerconsulting.com.br/artigos/artigo4813/). Temos que tirar algum proveito dessa crise.
Os fundos não-indexados liquidaram completamente suas posições compradas o que ajudou o mercado futuro de açúcar em NY a cair fortemente. Resta saber se agora vão entrar vendidos à descoberto e pressionar mais o mercado ainda. Estima-se que eles estejam vendidos agora 7,000 lotes.
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William N. Goetzmann é Professor de Finanças em Yale e fez um interessante estudo sobre colapsos nas bolsas de ações utilizando dados de 101 mercados globais de 1692 a 2015. Extremamente grande, os declínios anuais nos mercados são geralmente seguidos por retornos positivos. Isso não é verdade para declínios menores. Eles identificaram 1,032 eventos em três séculos nos quais o mercado caiu mais de 50% no espaço de 12 meses. Condicionando esses eventos e controlando vários outros fatores, ele descobriu que os mercados tendem a se recuperar no ano seguinte ao colapso. Goetzmann chama esse padrão de colapso e recuperação de "bolha negativa". Curiosamente, o padrão só vale para grandes quedas (acima de 50%) - declínios de menor magnitude exibem persistência, não reversão.
Arnaldo Luiz Corrêa
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