Plantio Direto completa 50 anos e precisa ser repensado, alerta especialista
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Entrevista com Antonio Luis Santi - Professor UFSM e Diretor técnico ConnectFarm sobre o Plantio Direto
Quem já não leu ou ouviu a frase “ser produtor rural não é fácil neste país”? Pois confesso: ser pesquisador também não. Às vezes, não conseguimos ter todas as respostas ou nem mesmo as necessárias para solucionar grandes desafios, como a seca que estamos enfrentando na região sul do Brasil. O que preocupa de fato, e me deixa inquieto, é que mais uma vez o tema da escarificação aparece em alta nas feiras agropecuárias brasileiras. A justificativa é sempre a mesma: aumentar a infiltração de água no solo, a porosidade, a capacidade das raízes de buscar água em camadas mais profundas e um improvável milagre produtivo.
Realmente, estamos passando por um momento muito difícil e desafiador. A água é o componente que define a produtividade. Sem água, a planta não consegue absorver nutrientes e muito menos expressar o potencial produtivo. É importante frisar que a capacidade de água disponível (CAD) média dos solos tropicais é 0,5 litros/m2, ou seja, 50 litros/m2 em 100 cm de profundidade. A evapotranspiração — perda natural de água para a atmosfera — é de 3 litros/m2 por dia, ou seja, naturalmente, sem o período de estiagem, o suprimento de água é para 10 a 15 dias de consumo. Em uma situação como a atual, com altas temperaturas e falta de chuvas, o suprimento fica ainda menor.
Como se preparar para as próximas safras?
O caminho é olhar o sistema de produção como um todo. Não encontraremos respostas olhando apenas a lavoura de soja ou de milho neste ciclo. Obviamente, a estiagem é severa, mas precisamos olhar para o problema de maneira mais holística. Isolando alguns casos em particular e regiões específicas, as maiores perdas estão e vão ocorrer em áreas cuja qualidade do sistema plantio direto está comprometida: baixa infiltração de água, áreas compactadas, que comprometem a porosidade e a estrutura, ausência de rotação de culturas, com diversidade de espécies e raízes influenciando negativamente nos teores de matéria orgânica e atividade biológica. Quanto mais matéria orgânica e palha, mais umidade é retida no solo.
A cultura do milho consome 300 litros de água para produzir cada quilo de massa seca, e a cultura da soja, 500 litros. Exemplificando: uma lavoura de soja, para produzir 50 sacas por hectare, necessita, em média, de 30 mil litros de água por hectare/dia. É muita água! E não há essa chuva todo dia. O caminho, então, é armazenar no solo. Os números mostram que não é possível ser imediatista. Não há fórmulas mágicas para enfrentar desafios similares nas próximas safras. O caminho é repensar a qualidade do sistema plantio direto.
Ser persistente, aprimorar e reinventar-se
O ano é de profundas reflexões, seja pela estiagem sem precedentes, seja pelo fato de o plantio direto comemorar 50 anos no Brasil. É preciso reaprender com os exemplos: produtores que têm investido safra após safra na qualidade do solo. E há ótimas referências, mesmo nesta safra e com pouca chuva, que vão produzir muito acima da média dos vizinhos e da média estadual. O que eles têm feito de forma diferente? Não há dúvida: correção da acidez do solo e da fertilidade, preferencialmente em taxa variada, investimento em produção de palha, incluindo diferentes espécies, principalmente com sistemas radiculares, que forneçam nitrogênio ao sistema, uso de rotação e consórcio de culturas, banindo o uso de grade niveladora e o vazio outono/inverno, além de ser persistente, aprimorar e reinventar-se.
Além disso, observar o comportamento dos ambientes de produção — e identificá-los — em cada área da propriedade, tem se mostrado de grande valia. No trabalho com a ConnectFarm, temos identificado que mesmo com a agricultura de precisão, somente o emprego de amostragem de solo e intervenções de taxa variada de corretivos e fertilizantes não correspondem a entregas qualitativas em termos de saúde do solo. Há necessidade também de monitorar física, biologia e, a partir do conjunto de dados, pensar na estratégia de manejo, inclusive nas melhores rotações de culturas em cada área.
Lavoura 100% compactada?
Há quase 20 anos trabalho com o tema, unindo tecnologias da agricultura de precisão, agricultura digital, monitoramento de penetrometria em mais de 100 mil hectares e cruzamento com dados de produtividade. Confesso que ainda não encontrei a lavoura “100 % compactada”. O que existem são ambientes responsivos a essa técnica. Para comprovar, cito dois estudos: um no Rio Grande do Sul (ConnectFarm/UFSM) e outro no Paraná (Embrapa).
No caso gaúcho, em textura superior a 60% de argila, a cultura do milho chegou a ter redução de 32% quando os níveis de resistência foram superiores a 2,3 mil kPa. Já no Paraná, a descompactação trouxe prejuízos para a cultura da soja, com impactos financeiros superiores a R$ 1,8 mil. O alerta que faço é de que existem, em cada lavoura, ambientes com saúde do solo que não justificam o revolvimento, sob a possibilidade de decréscimo na produtividade, ruptura da continuidade de poros, imobilização de fósforo e o mais trágico — mineralização da matéria orgânica e perda de carbono.
Dica de ouro: muito cuidado com produtos ou soluções milagrosas nesse momento. Melhorar a qualidade do solo, aumentando o teor de matéria orgânica e armazenamento de água, é fruto de trabalho minucioso e não de técnicas agronômicas isoladas e pontuais.
É preciso conversar com as plantas
Há tecnologia e maneiras de avaliar e monitorar a necessidade ou não de práticas agronômicas como escarificação ou revolvimento do solo. É impossível que, em 50 anos de sistema plantio direto, não tenhamos aprendido com tantos exemplos, depoimentos, experimentos, lavouras demonstrativas e, mesmo, produtores e pesquisadores que deram a vida em prol do sistema. Tenhamos bom senso e ousadia técnica para não simplificar processos e sim, sermos mais técnicos e menos imediatistas.
Mas é preciso ser rentável. Sim, com toda certeza. É preciso e necessário! Sistemas de produção que não entregam lucro ao produtor precisam, no mínimo, ser repensados. Parece loucura, mas precisamos conversar com as plantas. O saudoso amigo Dirceu Gassen sempre questionava: “e se eu fosse uma planta, em que ambiente eu gostaria de estar?”
Os ambientes de alta produtividade nas centenas de lavouras que monitoramos com a ConnectFarm, e mesmo as áreas campeãs de produtividade do CESB, têm mostrado aspectos qualitativos que servem de lição e exemplo. Sim, não é fácil. Essa é precisamente a razão da presente reflexão.
Não podemos nos calar
Vejo e testemunho muitos produtores a repensar técnicas de manejo, experimentar novas plantas de cobertura, estudar técnicas para ter lavoura o ano todo, semear no verde, banir o vazio outono/inverno como forma de dissipar o impacto da gota de chuva e diminuir a erosão laminar. Alguns empregam curvas de nível para preservar a água dentro da lavoura e diminuir a erosão em sulco, outros buscam técnicas modernas de melhoria da atividade biológica e preservação da vida microbiana no solo. Por isso, não posso me calar diante de discursos reducionistas, como o revolvimento do sistema plantio direto, que vão diretamente ao desencontro da rentabilidade do produtor e da sustentabilidade ambiental.
Depois de 50 anos de sistema plantio direto, 20 anos de agricultura de precisão e cinco anos de agricultura digital e biológica, a geração mais nova de pesquisadores, técnicos e produtores têm o dever moral de olhar para os ambientes de produção, ser mais assertiva e tratar o solo como nosso bem maior. Quem não ama seu solo, não o merece.
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