SÃO PAULO (Reuters) - A produção brasileira de veículos em agosto subiu puxada pela demanda interna, com as vendas registrando o melhor desempenho para o mês desde 2014, enquanto as exportações foram prejudicadas pela crise na Argentina.
A produção de veículos subiu 18,6 por cento em agosto ante julho e 11,7 por cento sobre igual mês do ano passado, somando 291,4 mil veículos, mostraram dados divulgados nesta quinta-feira pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
No acumulado do ano até agosto, a indústria produziu 1,972 milhão de carros, comerciais leves, caminhões e ônibus, alta 12,8 por cento em relação ao mesmo período de 2017.
As vendas de veículos novos no mês passado subiram 14,3 por cento sobre julho e avançaram 14,8 por cento em relação a agosto de 2017, para 248,6 mil unidades, registando o melhor agosto desde 2014.
De janeiro a agosto, o país vendeu 1,633 milhão de unidades, alta de 14,9 por cento na comparação anual.
O presidente da Anfavea, Antonio Megale, disse que a entidade deve rever suas projeções para produção, vendas e exportações no mês que vem, sendo que o viés positivo para o mercado interno deve levar a um ajuste para cima na estimativa de vendas, enquanto a crise econômica na Argentina deve levar a um ajuste para baixo na projeção para exportações.
Com isso, a estimativa para a produção deve ficar perto da atual, segundo Megale.
Atualmente, a entidade prevê alta de 11,9 por cento para a produção e crescimento de 11,7 por cento para as vendas. Já para as exportações, a estimativa atual é de estabilidade ante o ano passado.
A pressão sobre a demanda externa reflete, principalmente, a crise na Argentina, principal mercado para compra de veículos do Brasil.
Em agosto, as exportações de veículos montados subiram 9,2 por cento ante julho, mas caíram 16,6 por cento na comparação anual. De janeiro a agosto, as vendas externas registram baixa de 4,6 por cento em relação ao mesmo período de 2017.
"Neste momento olhamos com muita preocupação o aumento da taxa de juros na Argentina (para 60 por cento ao ano). Obviamente isso terá reflexo no financiamento e o mercado com certeza vai retrair", disse Megale em coletiva de imprensa.
O presidente da Anfavea também mostrou preocupação com as recentes medidas anunciadas pelo governo do país vizinho para conter a crise, como uma taxação sobre exportação. Entretanto, Megale acredita que essas medidas tenham caráter temporário.
Crise na Argentina dificulta acordo Mercosul/UE e inviabiliza livre comércio de veículos, diz fonte
Por Rodrigo Viga Gaier
RIO DE JANEIRO (Reuters) - A crise econômica na Argentina está dificultando a conclusão das negociações que se arrastam há cerca de duas décadas entre Mercosul e União Europeia, afirmou uma fonte do governo brasileiro próxima das discussões.
Além disso, a instabilidade argentina é uma barreira praticamente intransponível para a criação de um regime de livre comércio com o Brasil no setor automotivo a partir de 2020, disse a fonte que pediu anonimato.
Uma reunião entre representantes do Mercosul para tratar do acordo com os europeus está marcada para o fim deste mês em Brasília e a expectativa é que uma rodada contando com a presença de negociadores da UE possa ocorrer no mês que vem no Uruguai.
Para interlocutores brasileiros, uma acordo entre UE e Mercosul nunca esteve tão próximo dados os avanços obtidos em reuniões técnicas dos dois blocos sobre temas ligados a produtos agrícolas, destaques da pauta exportadora sul-americana e de produtos industriais, principais produtos dos europeus.
Mas a fragilidade econômica da Argentina, que enfrenta forte desvalorização cambial além de um crise institucional com escândalos de corrupção envolvendo integrantes de governos anteriores e do Congresso local, estão desestabilizando as negociações.
"Ficou mais difícil fechar um acordo (com a Argentina e UE) nessa situação", disse a fonte. "Não ficou inviável, mas mais complicado", adicionou a fonte.
Representantes do governo brasileiro apostavam que agosto seria um prazo limite para um acordo entre os blocos comerciais, mas diante das dificuldades da Argentina e da necessidade de vontade política de ambos os lados, essa data não será mais cumprida.
Além do comércio automotivo, na pauta das tratativas estão discussões geográficas, definição do critério de origem dos produtos e transporte marítimo das mercadorias que serão transacionadas pelas partes.
Mesmo que um acordo possa ser fechado este ano e um acerto político seja feito em seguida, a redação técnica do pacto comercial entre os blocos ainda levará alguns meses. O texto do acordo ficaria para ser aprovado no Brasil pelo próximo Congresso que será formado a partir das eleições deste ano.
"Faltam poucos pontos de convergência com a posição da Europa, mas diante desse cenário da Argentina ficou mais complicado", disse a fonte.
Na questão automotiva, os europeus estão irredutíveis em sua posição. O nó da negociação está na definição de partes e peças de um automóvel e percentual de origem desses produtos intra e extra blocos.
"Pela situação da Argentina, pode parecer que estamos (Mercosul) precisando mais de um acordo que eles (UE). Eles se prenderam em suas posições e não estão flexíveis, mas querem que a gente flexibilize, por exemplo no setor agrícola", disse a fonte.
SEM AUTOMOTIVO COM ARGENTINA
A crise no país vizinho também inviabilizou o fechamento de uma acordo para a criação de uma zona de livre comércio entre Brasil e Argentina no setor automotivo. O acordo atual, com regras e parâmetros para a exportação de veículos entre os países vence em 2020.
Nos últimos anos criou-se a expectativa de que um acordo de livre comércio poderia ser discutido e selado, mas segundo a fonte não será em 2020 que ele vai poder se concretizar.
"Tem que ser claro: só vamos para livre comércio quando a Argentina tiver condição de cumprir esse acordo direito", disse a fonte. "É melhor fazer em fases e reequilibrando acordo a acordo, dando conforto...Enquanto a Argentina não tiver condição estrutural e econômica não dá fazer", acrescentou.
A Argentina é o principal destino de exportações brasileiras de veículos e autopeças. No início do ano, 75 por cento das vendas externas do Brasil no setor foram para o país vizinho, um volume de 253 mil veículos, afirmou a associação de montadoras Anfavea em maio. De lá pra cá, após a Argentina elevar os juros no país para 45 por cento, os embarques caíram e obrigaram aAnfavea a rever suas estimativas para o ano.
GUERRA COMERCIAL
A fonte afirmou que dados da balança comercial já apontam para um ganho por parte do Brasil com o acirramento da disputa comercial entre Estados Unidos e China, mas avalia que estes ganhos são de curto prazo.
De imediato, o Brasil tem se beneficiado com o aumento das exportações de soja, um dos principais produtos da pauta agrícola exportadora nacional e que tem os Estados Unidos como principal concorrente. Com barreiras impostas ao produto norte-americano, o Brasil tem aumentado os embarques de grãos para a China.
Mas, no médio e longo prazos, esse cenário não deve persistir, segundo a fonte. Isto porque o acirramento do protecionismo causará menor crescimento global, menos demanda de produtos agrícolas e preços mais baixos. A soja brasileira está embarcando com um certo bônus de preço por conta dessa preferência chinesa ao produto nacional, disse a fonte.
"Esperamos uma solução para a guerra comercial para não sermos afetados… temos sim preocupações", disse a fonte ao destacar que o governo brasileiro vem tentando uma maior penetração de derivados da soja, como óleo de soja, no mercado chinês via sistema de cotas.
Enquanto isso, o Brasil segue negociando com a China uma derrubada de sobretaxas do país sobre carne de frango e açúcar brasileiros, mas já há uma aval do Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex) para um estudo sobre a medida da China. A possibilidade do governo brasileiro mover uma ação contra a China na Organização Mundial de Comércio (OMC) está em análise.
"É evidente que não há dumping nosso no mercado chinês e esperamos que isso seja resolvido, mas caso não seja, o Brasil não descarta nenhuma possibilidade", acrescentou a fonte. Nesta sexta-feira, a China anunciou que estendeu por seis meses a investigação da prática de dumping nas exportações brasileiras de frango para o mercado chinês.
Em outra frente, o Brasil está negociando a reabertura da Rússia para a carne brasileira. A Rússia impôs restrições ao produto brasileiro após a operação Carne Fraca, da Polícia Federal, ter levantado dúvidas sobre os processos de fiscalização do produto vendido no exterior.
Segundo a fonte, os russos têm feito algumas exigências para derrubarem as restrições à carne brasileira. O país é um grande exportador de carne suína para a Rússia e para tentar retomar uma relação normal nesse mercado, pode flexibilizar a entrada de bacalhau russo. "O comércio é feito de gestos e trocas desde que não hajam barreiras sanitárias você vai construindo soluções para eliminar essas barreiras", disse a fonte ao destacar que novas concessões em outros setores podem facilitar o fim do embargo russo à carne nacional.