Dia do Trigo: para a pesquisa, ano desafiador é sinônimo de genética mais resistente no futuro
Desafiadora. Talvez essa seja a palavra que melhor descreva a safra de trigo de 2023 na principal região produtora do cereal. Ao contrário das safras dos últimos anos, marcadas por recordes de produção e uma expressiva rentabilidade, este ciclo trouxe desafios ao agricultor, especialmente do Sul do país, região que responde por cerca de 87% da área brasileira de trigo. O excessivo volume de chuvas no Rio Grande do Sul e Santa Catarina causou algo talvez nunca antes visto nesses estados: uma epidemia severa e simultânea das duas principais doenças de difícil controle da cultura, a brusone e a giberela. Mas em um cenário indesejável para o produtor, o trabalho de um outro elo protagonista da cadeia do trigo vem prosperando. A seleção de materiais mais resistentes a essas doenças, realizada pelo melhoramento genético, foi beneficiada pelas condições desta safra. O resultado disso, no futuro, será o lançamento de genéticas ainda mais resistentes para enfrentar esses desafios.
“Os anos difíceis nos deixam mais fortes para enfrentar os próximos anos difíceis”. Assim resume Gustavo Mazurkievicz, melhorista da Biotrigo Genética. Para Ernandes Manfroi, gerente de melhoramento da empresa, anos como 2023 trazem, no ponto de vista da pesquisa, uma maior segurança para o futuro, pois o melhoramento consegue identificar genótipos ainda mais resistentes às principais doenças da cultura, eliminando os mais suscetíveis. “Em uma empresa séria e comprometida com o agricultor, anos como esses, por mais difícil que sejam para os produtores, são benéficos para a pesquisa, pois podemos melhorar consideravelmente o nível de segurança que iremos entregar para os agricultores no futuro”, aponta.
Os processos do melhoramento genético
Mas como funciona a seleção desses materiais com genética mais resistente? E o quão longe está esse futuro? Conforme Ernandes, tudo começa pelo cruzamento de duas plantas com características de interesse. “A partir disso, é produzida a geração F1, nos blocos de cruzamento do setor de pesquisa da Biotrigo”, pontua. A geração seguinte, chamada de F2, sai dos laboratórios e vai para o campo, sendo exposta às condições edafoclimáticas da região. A partir daí, essas plantas já começam a ter suas características de interesse – relacionadas a ciclo e resistência às doenças – selecionadas. Nas gerações seguintes, outros aspectos, como tipo de planta e potencial de rendimento, começam a ser avaliados e selecionados. Esse conjunto de plantas, chamado de populações segregantes, tem na F7 sua última geração, via de regra.
Passado esse processo, que busca estabilizar geneticamente aquele material, se dá origem a uma linhagem, que passará por ensaios de rendimento durante três anos. Ao final disso tudo, se o genótipo for aprovado em todos os testes e possuir as características de interesse determinadas pelo programa de melhoramento da Biotrigo, ele poderá se tornar uma cultivar lançamento. Do início ao fim, momento em que um material é lançado, esse processo dura oito anos, em média. “Assim funciona o processo de seleção. Um material é colocado a campo e tem a sua performance avaliada nos mais diferentes aspectos, através de diversos anos e regiões do país”, resume Ernandes.
No total, a Biotrigo conta com mais de 190 mil parcelas de segregantes no campo. Desses genótipos, cerca de 3 mil por ano irão virar novas linhagens. Dos 3 mil, em torno de quatro ou cinco estão aptos para se tornarem lançamentos. “Esse funil mostra que adotamos um nível de exigência muito forte para as características que temos interesse antes de lançarmos as cultivares Biotrigo no mercado”, cita Ernandes.
Contrastes marcam a safra de trigo de 2023
Para Ernandes, em um contexto geral no Brasil, a safra de trigo foi mediana em 2023. Porém as realidades foram distintas. “No Cerrado, tivemos um ano recorde em termos de produtividade, devido às boas condições de enchimento de grãos”, menciona. Segundo dados publicados na Revista Globo Rural, a safra de trigo de 2023 na região deve ultrapassar 1,5 milhão de toneladas, valor 55% maior que em 2022.
Na região Sul do país, a safra foi fortemente influenciada pelas quantidades recordes de chuva causadas por um El Niño. De acordo com o gerente comercial regional norte da Biotrigo, Luiz Henrique Michelon, a safra de trigo no Paraná foi contrastante. “Na região norte, até tivemos seca em um momento inicial da cultura, o que impactou um pouco na construção de rendimento, mas a produção foi razoavelmente boa. Porém, nas demais regiões, os intensos períodos de chuva acabaram prejudicando as lavouras, principalmente com a ocorrência de doenças como a brusone da espiga. Nas regiões mais frias, tivemos ainda a ocorrência de giberela”, conta.
Esse cenário de prejuízos pelas chuvas se repetiu em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. No estado gaúcho, alguns municípios, como o de Estação, registraram mais de 1,2 mil milímetros de precipitação entre os meses de setembro e outubro, sendo que a média anual para a região é de cerca de 2 mil mm. “A forte ocorrência de germinação na espiga, assim como brusone da espiga, giberela, e outras doenças como estria bacteriana, mancha amarela e ferrugem da folha, tornou a safra nesses estados bem desafiadora”, relata o gerente comercial regional sul da Biotrigo, Tiago de Pauli.
Genética elite se destaca em ano epidêmico
Em meio a essas condições de campo, sobretudo com relação à presença de giberela e brusone da espiga nas lavouras, uma cultivar de trigo ganhou evidência durante a safra de 2023. TBIO Trunfo, lançado em 2020 pela Biotrigo, possui excepcional nível de resistência para essas duas doenças. “O relato que temos recebido de muitos produtores é unânime em destacar essa cultivar como o material que mais vem suportando os desafios desta safra”, assinala Ernandes.
Trunfo, entretanto, é fruto do último ano epidêmico de giberela no Rio Grande do Sul, 2018. “Nessa safra, nós identificamos o genótipo que viria a ser Trunfo como o material que mostrava uma resistência única para giberela. Em 2023, a cultivar foi a diferença entre colher e não colher em muitas lavouras”, conta Ernandes.
Desafios para o produtor, oportunidades para a pesquisa
O exemplo de TBIO Trunfo é o mais evidente para ilustrarmos como a seleção de genéticas mais resistentes dentro de uma safra desafiadora é fundamental para garantir materiais ainda mais seguros futuramente no campo. Em 2023, o melhoramento da Biotrigo se beneficiou dessa oportunidade. “Estamos conseguindo fazer avaliações e seleções muito boas nos programas de melhoramento que temos, identificando os materiais que possuem maior nível de resistência para essas doenças. Para a pesquisa, a severidade de brusone e giberela no Rio Grande do Sul nessas proporções foi algo inédito”, comenta.
Mas, além dessas doenças, o melhoramento também conseguiu realizar extensas avaliações para ferrugem da folha, oídio e doenças de origem bacteriana, como a queima da folha, causada por bactérias do gênero Pseudomonas, e a estria bacteriana, causada por Xanthomonas. As chuvas durante o período de pré-colheita criam um ambiente propício para a germinação na espiga, outra condição que vem sendo amplamente avaliada, principalmente dentro dos laboratórios de pesquisa. “Obviamente, as empresas de melhoramento não querem que esses anos ocorram, especialmente em uma intensidade como essa. Mas, quando eles vêm, precisamos aproveitar, com o intuito de ficarmos mais fortes para os próximos eventos climáticos, entregando melhores materiais para dar suporte ao agricultor”, afirma Gustavo.
O resultado disso, segundo Ernandes, é o aumento significativo das chances da Biotrigo lançar materiais com genética ainda mais resistente a esses quesitos. “É uma maior segurança para o futuro, pois identificamos os materiais superiores geneticamente e eliminamos os inferiores”, atesta.
Foco em doenças de difícil controle
Em seu programa de melhoramento, a Biotrigo possui três principais pilares: a busca por produtividade, segurança e qualidade industrial em suas cultivares. Dentro dos objetivos relacionados à segurança dos materiais, o foco em doenças de difícil controle, assim como em germinação na espiga, ganha destaque. “Buscamos entregar maior nível de resistência para essas doenças, como giberela e brusone, pois o produtor não tem ou tem menos ferramentas para manejar as enfermidades, então a genética precisa fazer a diferença. O mesmo vale para germinação em pré-colheita”, cita.
Quando o contexto cai sob o programa de melhoramento do Rio Grande do Sul, a giberela se torna a doença mais importante de ser pesquisada. “Nós temos um ambiente que nos proporciona trazer esses ganhos genéticos, mas eles também são dependentes de um trabalho feito há longo prazo, de identificar fontes de resistência e fazer cruzamentos e retrocruzamentos, usando estratégias para incorporar essas fontes dentro do germoplasma elite da Biotrigo. A partir disso, promovemos o lançamento de cultivares que tenham um nível de resistência genética superior à doença”, explica Ernandes.
Líder mundial em pesquisa de brusone
Quando olhamos para os programas de melhoramento do Paraná e do Cerrado, que também influenciam os materiais do programa que atende às regiões mais frias, a brusone é a doença-foco para a pesquisa da Biotrigo. “Atualmente, na pesquisa, brusone é a doença que mais investimos, tanto em marcadores moleculares, quanto em novos projetos para estudar sua resistência. Hoje, cerca de 70% das atividades de laboratório do setor de fitopatologia da Biotrigo são focadas em brusone”, atesta Ernandes. A razão, para o gerente de melhoramento, é simples. Trata-se do poder destrutivo da doença, visto nesta safra, mas que teria sido exponencialmente pior se as genéticas cultivadas não tivessem os genes de resistência para essa doença.
“Mesmo que não seja uma doença recorrente, nós sabemos que ela coloca em risco o sucesso do agricultor. Entendendo isso, a Biotrigo não abriu mão em nenhum momento de investir em pesquisa para brusone, multiplicando suas estruturas de pesquisa com esse foco e ampliando a testagem contra a doença, desde as fases iniciais do melhoramento, até as finais”, destaca Ernandes.
Cerca de mil representantes da cadeia tritícola do Paraná e Rio Grande do Sul estiveram presentes nos dias de campo institucionais da Biotrigo, realizados em agosto e outubro. Durante esses eventos, Flávio Martins, supervisor de fitopatologia da empresa, realizou palestras sobre doenças de difícil controle e questionou aos participantes quantos deles escolheram as cultivares que foram semeadas com base na resistência à brusone. “A resposta foi unânime, nenhum levantou a mão. Pois não é uma doença que estava em evidência no Sul do país”, cita. De fato, a última epidemia de brusone ocorreu em 2014. O fato da doença só ocorrer novamente nove anos depois diz respeito ao clima, mas fala mais ainda sobre os crescentes investimentos que foram realizados para a doença. Não à toa, mais de 90% do portfólio da Biotrigo possui genes de resistência à brusone.
“É para isso que serve o melhoramento genético, que viu a doença, entendendo seu potencial de dano, e investiu em pesquisa. Imagina o impacto que teríamos nesta safra se não existisse resistência genética para brusone. Quanto de trigo iríamos colher?”, questiona Flávio. Por razões como essas, o fitopatologista crê que o produtor e a assistência técnica do Sul do país darão mais atenção à doença a partir das próximas safras.
Foco conjunto em germinação
Outra característica que está nos pilares do melhoramento genético é a busca por maior resistência à germinação na espiga, causada pelo excesso de chuvas quando a espiga se encontra no período de maturação, pronta para colher. “Um material que começa a germinar na espiga sofre com dois aspectos. O primeiro deles é a drástica redução da qualidade industrial, o que ocasiona na perda de parâmetros de qualidade para ele ser aproveitado pela indústria. O segundo é a redução do peso hectolítrico, o PH, que afeta diretamente a remuneração do produtor”, conta Gustavo.
Conforme Ernandes, o melhoramento da Biotrigo não apenas realiza fortes investimentos para encontrar materiais mais tolerantes à germinação em pré-colheita, como também adota critérios rigorosos para aprovação desses genótipos. “Isso também é fundamental, pois uma coisa é você identificar a resistência, a outra é definir o nível crítico de aceitação dentro de uma cultivar”, declara Ernandes.
O futuro do trigo
Apesar do desafiador ano de 2023, a cultura do trigo segue sendo uma opção para trazer rentabilidade no inverno. E se ela como cultura já não bastasse, o trigo ainda traz inúmeros benefícios ao sistema de produção, como uma maior ciclagem de nutrientes, melhor manejo de ervas daninhas, maior proteção do solo contra erosão, entre outros. Esses benefícios impactarão diretamente a cultura subsequente, como a soja. “O trigo não pode ser avaliado safra a safra. Quando você é dono de uma propriedade rural, o ideal é observar um recorte maior de tempo. E se o produtor, sobretudo do Sul do país, olhar para os últimos cinco anos, irá perceber que o trigo é lucrativo e uma boa fonte de renda no inverno”, menciona Gustavo.
A proposta da Biotrigo, segundo o melhorista, é oferecer um portfólio amplo, que possa atender às diversas demandas do agricultor. Dessa forma, ele estará munido de opções tanto para anos propensos a altas produtividades, quanto para safras mais desafiadoras em termos de clima. “Não devemos pensar na escolha de cultivares como algo binário. Ou super produtivo, ou super defensivo. Temos que montar estratégias no inverno que possibilitem ter ambas em nossas áreas. Nós, como pesquisa, damos ferramentas para o agricultor escolher”, diz.
Não sabemos ao certo como será a safra de trigo de 2024. Mas, para uma coisa podemos nos certificar. “Teremos ganhos genéticos para o melhoramento e, em um futuro próximo, para o produtor”, conclui Ernandes.
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