Soja: Sem ser constantes, chuvas em MT podem se unir às altas temperaturas e causar abortamento de flores
Os sons da safra 2023/24 de soja de Mato Grosso, maior estado produtor da oleaginosa no Brasil, ainda são confusos e difíceis de definir. Os relatos que chegam variam agora entre o alívio da chuva caindo lá fora com o ainda angustiante farfalhar das folhas secas onde a água não chegou. Assim, este pós feriado para os produtores mato-grossenses tem sido assim: irregular. Mais uma vez. Mais um dia. As precipitações chegaram sim a Mato Grosso, mas não, elas não vieram bem distribuídas ou em volumes abundantes. E acima de tudo, vieram com atraso.
"Muitas lavouras chegaram ao ponto de 'murcha', não em 'murcha permanente', mas já afetando um pouco mais a produtividade além das perdas das plântulas, dos indivíduos, da população", explica o professor Rogério Coimbra, da UFMT - Sinop/MT. "Mas, muitos campos já estão em florescimento. Asssim, meu medo é que com as altas temperaturas e as chuvas aconteça o abortamento de flores, porque a intenção da planta é perpetuar a espécie, não é produzir muito. Então, quando ela se sente ameaçada por esse tipo de stress térmico, que afeta sua fisiologia, ela acaba dispensando muitas flores, para deixar poucas e fazer poucos e bons indivíduos, e isso vai acarretar diretamente em redução de produtividade".
Segundo afirma o professor, ainda é difícil estimar as perdas de rendimento, o que será mais 'fácil' quando as lavouras alcançarem sua fase reprodutiva - R5, enchendo grãos. "Assim, conseguiremos medir o número de vagens e ter uma estimativa da produtividade. Mas que já houve perdas, isso a gente sabe, não conseguimos mensurar o quanto ainda. Para que se resolvesse o problema, as chuvas teriam que ser constantes, a cada dois, três dias, uma chuva boa para manter a umidade do solo e, principalmente, servir de controle térmico e baixar a temperatura".
De Canarana, Marcos Da Rosa, produtor rural, relata que a chuva de 40 mm que chegou à sua propriedade nesta quarta-feira (15) foi, literalmente, "a salvação da lavoura". "Fomos plantando como podíamos, onde havia umidade no solo", diz, complementando que, na sequência, a soja vinha sofrendo muito com os dias secos e muito quentes. Assim como no restante do estado, as temperaturas na região estão bastante elevadas, batendo a marca dos 40ºC, e impõem muitos desafios aos campos de soja, como mostram as imagens abaixo.
Assim, o produtor afirma que as perdas serão inevitáveis, porém, ainda difícil de serem quantificadas. Mais chuvas estão previstas e, ao se confirmarem, podem auxiliar principalmente as lavouras plantadas um pouco mais tarde. O potencial produtivo já está bastante comprometido, os stands estão menores e agora é esperar pelo que o tempo ainda reserva. "Não lembro de termos tido um ano desse jeito em Mato Grosso, com essas condições em todo o estado. Esse é o ano com o maior prejuízo existente em todo Mato Grosso na história", diz, lembrando que sofreu pelo menos 15 dias sem chuvas.
O plantio de Marcos da Rosa ainda precisa ser concluído em, aproximadamente, 18% de sua área e as precipitações precisam continuar chegando para que os trabalhos de campo corram, ao menos, na média. Ao mesmo tempo, ele complementa dizendo que em muitas regiões já e possível ver as lavouras de soja sendo gradeadas depois de perdas irreversíveis, com os produtores - ou até mesmo grandes grupos - apotando em outras culturas, como o algodão, por exemplo. Ou até mesmo áreas que nem sequer tiveram o plantio iniciado ainda.
Em Sorriso, o quadro é semelhante. "Não choveu de forma generalizada na grande Sorriso. Claro que as chuvas que chegaram e onde chegaram ajudam no desenvolvimento, mas já há áreas em que as perdas são mais intensas onde a soja já está em um estágio mais avançado", diz o engenheiro agrônomo Charles Wolmann. "As chuvas que chegaram ajudam, amenizam, mas não resolvem. Posso afirmar que as perdas na safra de Mato Grosso serão maiores do que um milhão de toneladas e estão sendo subestimadas agora. Há muitos danos efetivos já comprovados".
Wolmann destaca que as perspectivas iniciais eram bastante positivas, já que o início do plantio aconteceu muito bem, a implantação das lavouras na primeira fase veio bem, mas depois não só as chuvas - e os muitos dias sem elas - como as temperaturas muito elevadas, o sol muito intenso - foram provocando perdas irreversíveis.
"Pegando como base município de Sorriso, tem boa parte das lavouras em fase de floração e início de enchimento das vagens. Houve locais onde não choveu praticamente nada e outro em que tivemos algumas pancadas de chuva. Além disso, a intensidade do sol está muito alta, provocando quedas de folhas e vagens. Assim, ó ideal seria que tivessemos chuvas mais volumosas, de 40 a 50 mm, nos próximos dias para restabelecer a umidade do solo", explica o engenheiro agrônomo.
E não para por aí. Regiões como as de Tangará da Serra e Campo Novo do Parecis já enfrentam pelo menos 25 dias sem chuvas. As imagens abaixo, enviadas por Adriano Souza, engenheiro agrônomo que atua na região, mostram lavouras de soja plantadas em 2 de outubro sofrendo com a seca e o calor.
Em um vídeo enviado ao Notícias Agrícolas ele relata se tratar "de um ano bastante desafiador. Tem áreas manchadas aqui em Campo Novo, áreas com um pouco mais de precipitação, áreas com um pouco menos, mas fato é que teremos bastante perda de produtividade na soja. Há áreas que não foram nem plantadas ainda". Souza afirma também que a região deverá ser marcadas por uma considerável redução de área de milho segunda safra. "Alguns produtores falam em redução de 25% até 50% de área de milho aqui em Campo Novo do Parecis".
Na região de Sinop também choveu nos últimos dias, chegando com bons volumes, mas também com distribuição irregular. A última chuvas antes dessa havia acontecido há dez dias e as lavouras também já estavam sentindo os efeitos do calor intenso e da falta de umidade. "As chuvas chegam muito esparsas, poucos volumes e muito longe uma da outra. A soja tem bastante dificuldade de crescimento, as folhas já bem secas, e muita soja mais nova já muito rala, morrendo", relata o engenheiro agrônomo Amadeu Rampazzo. É dele o registro das chuvas chegando ao município:
No entanto, ele explica também que para que seja possível registrar o real impacto destas últimas chuvas e a reação das lavouras será preciso mais um ou dois dias. "As lavouras de soja que foram plantadas mais cedo já chegaram em um estágio de 'murcha' e aí a chuva já não consegue reverter todos os danos. Pode ser que aconteça alguma pequena reação dessas lavouras, mas a perda já estava instalada. E agora as lavouras mais novas ou onde foi feito o replantio pode ser que salve. Vemos também algumas lavouras pequenas, que germinaram há pouco tempo, de replantio, que também podem se salvar, mas foram plantadas fora da janela. Então, pelo ciclo delas e pela cultivar, talvez ela não consiga alcançar todo o potencial que tenha por ter sido plantada mais tarde".
Os efeitos das chuvas ainda estão sendo contabilizados, porém, é convergência entre produtores e engenheiros agrônomos que atuam no estado que a situação da soja de Mato Grosso é bastante grave e que a maior parte das perdas registradas até este momento já são irreversíveis. Além dos desafios no campo, serão grandes também os desafios para estimar o real tamanho da colheita não só mato-grossense, mas brasileira, diante de tantas adversidades. E para que as perdas no estado fossem estancadas, as precipitações teriam de se firmar, serem melhor distribuídas e em volumes maiores.
Em entrevista ao Notícias Agrícolas nesta sexta-feira (17), o meteorologista e consultor em clima, Franscisco de Assis Diniz afirmou que a chuva chega para ficar nos próximos dias, com a onda de calor que atuava sobre a maior parte do Brasil já perdendo força a partir deste final de semana. Veja:
Em seu boletim mensal de estimativas para a safra de grãos de novembro, a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) ainda estima a produção de soja de Mato Grosso em 12,303,5 milhões de toneladas, números que já não é mais esperado pelos produtores do estado.
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