Poder360: Como a indústria automobilística engambelou o Brasil e muitos outros, por Fernando Rodrigues

Publicado em 12/01/2021 09:52 e atualizado em 12/01/2021 20:36
Fernando Rodrigues é o criador do Poder360. Repórter, cobriu todas as eleições presidenciais diretas pós-democratização. Acha que o bom jornalismo é essencial e não morre nunca.

A Ford acaba de anunciar que vai deixar o Brasil. Fechará suas 3 fábricas (em São Paulo, Bahia e Ceará). Ao ler a notícia lembrei-me de uma de muitas conversas francas que tive com o então senador Antonio Carlos Magalhães (1927-2007), que fez carreira na Arena e no PFL (hoje DEM).

Corria o ano de 1999. Argumentei com o político baiano: “Senador, será que vale a pena lutar tanto pela construção da nova fábrica da Ford na Bahia? Será que vale insistir com uma indústria que hoje é obsoleta, suja, não oferece mais tantos empregos? Não seria melhor a Bahia receber os incentivos para uma de suas grandes vocações, que é o turismo?”.

ACM reagiu com fúria: “Vocês jornalistas do Sul e do Sudeste têm muito preconceito com a Bahia. Discriminam o Nordeste. Todas as montadoras se instalaram recentemente no Sul e tiveram benefícios fiscais. Foi assim no Paraná, no Rio Grande do Sul. Só o pobre do Nordeste que tem de continuar a fazer rapadura. Vocês querem que a Bahia fique fazendo rapadura!  Mas nós vamos produzir carros!”.

Assim foi.

Os subsídios foram concedidos. Empréstimos camaradas do BNDES na redondeza de R$ 700 milhões para que a Ford se instalasse na Bahia. A montadora também se beneficiou do regime automotivo especial que havia sido criado em 1997 para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

A fábrica da Ford foi construída em Camaçari, como queria ACM, um político que tinha muitas qualidades e muitos defeitos. Mas amava verdadeiramente o seu Estado.

ACM tinha temperamento mercurial. Ficava revoltado quando alguém ousava falar contra o seu Estado natal. Deve ter morrido feliz com sua vitória sobre equipe econômica de Fernando Henrique Cardoso, o então presidente. Os tucanos em 1999 eram contra a ida da Ford para a Bahia (preferiam o Rio Grande do Sul).

Agora, passados tantos anos, fica cristalino que o senador ACM errou em 1999 –de maneira inadvertida, pois estava convicto que a melhor estratégia era levar a indústria automobilística para a Bahia.

A saída da Ford (com meros 7% do mercado brasileiro) e o fracasso retumbante da indústria no Brasil (não inova quase nada) mostram como esse ramo da economia se esbaldou por aqui. Enganou governos e políticos o quanto pôde –no Brasil e em outros países.

A montagem de carros (sobretudo a combustão) é algo que agrega pouquíssimo à cadeia produtiva neste século 21. As autopeças podem ser todas importadas da China e não são mais produzidas por pequenos fornecedores na região da fábrica de automóveis.

Ainda assim, sempre prevaleceu em todos os governos recentes o lobby bem articulado das fábricas de automóveis. Conseguiram sempre retardar a modernização do que oferecem no Brasil. Reclamam o tempo todo dos impostos, mas devolvem pouco ou nada depois de décadas de subsídios recebidos dos impostos dos brasileiros.

Em 1989, Fernando Collor usou em sua campanha uma crítica verdadeira contra a indústria automotiva brasileira. Dizia que os carros por aqui eram “carroças”.

Agora, tem sido comum ler notícias sobre Europa e outras regiões do mundo estarem incentivando carros com emissão zero de poluentes. Aqui, o processo é lentíssimo. Ninguém consegue dizer quando as fábricas de automóveis no Brasil vão oferecer carros elétricos em grande escala.

Obviamente que é triste quando uma empresa icônica como a Ford deixa o país. Cerca de 5.000 trabalhadores serão afetados. É uma tragédia para muitas famílias.

Mas pensando no que a Ford deixou de benefícios no Brasil depois de 1 século por aqui, com seus carros obsoletos e poluentes, talvez seja até um alívio. Vá em frente, Ford. Vá agora pedir dinheiro do governo argentino para continuar a produzir carroças para o mercado sul-americano. (Fernando Rodrigus/Poder360).

Ford anuncia fim de produção no Brasil depois de “perdas significativas” (Poder360)

Ford anunciou nesta 2ª feira (11.jan.2021) o encerramento da fabricação de veículos no Brasil por “perdas significativas” nos últimos anos. A empresa fechará as fábricas de Camaçari (BA), Taubaté (SP) e da Troller (Horizonte, CE) ao longo de 2021. Aproximadamente 5.000 empregos podem ser comprometidos. Eis a íntegra do anúncio (88 KB).

O texto afirma que a pandemia “amplia a persistente capacidade ociosa da indústria e a redução das vendas, resultando em anos de perdas significativas”. A companhia manterá no Brasil a sede administrativa da América do Sul, o Centro de Desenvolvimento de Produto e o Campo de Provas.

De acordo com a fabricante de veículos, a empresa continua comprometida com os consumidores no Brasil com a nova picape Ranger, a Transit e outros modelos, trazidos da Argentina e de outros países. Há planos também de lançar automóveis elétricos, também importados.

A Ford afirmou que vai manter as vendas, a assistência total ao consumidor, os serviços, a comercialização de peças de reposição e a garantia para seus clientes no Brasil e na América do Sul.

A companhia foi uma das pioneiras na produção de automóveis no Brasil. Em 1919, passou a fabricar no país o Modelo T.

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Em 1920, o Modelo T representava mais da metade dos veículos em circulação no mundo e somou mais de 15 milhões de unidades nos seus 19 anos de produção, segundo a Ford.Divulgação/Ford

“A Ford está presente há mais de um século na América do Sul e no Brasil e sabemos que essas são ações muito difíceis, mas necessárias, para a criação de um negócio saudável e sustentável”, disse Jim Farley, presidente e CEO da Ford, no comunicado.

De acordo com o texto, a empresa irá trabalhar imediatamente em “estreita colaboração com os sindicatos e outros parceiros no desenvolvimento de um plano justo e equilibrado para minimizar os impactos do encerramento da produção”.

A produção será encerrada imediatamente em Camaçari (BA) e Taubaté (SP), mantendo-se apenas a fabricação de peças por alguns meses para garantir disponibilidade dos estoques de pós-venda.

A fábrica da Troller em Horizonte continuará operando até o 4º trimestre de 2021. A Ford encerrará as vendas do EcoSport, Ka e T4 assim que terminarem os estoques. As operações de manufatura na Argentina e no Uruguai e as organizações de vendas em outros mercados da América do Sul não serão impactadas.

De acordo com o Sindicato de Metalúrgicos de Taubaté, aproximadamente 700 funcionários serão afetados. O sindicato convocou uma reunião para 17h30 desta 2ª feira (11.jan.2020) para definir as ações que serão tomadas. O Poder360 não conseguiu contato com o Sindicato de Camaçari.

A empresa estima um impacto de aproximadamente US$ 4,1 bilhões em despesas não recorrentes, incluindo cerca de US$ 2,5 bilhões em 2020 e US$ 1,6 bilhão em 2021.

Do total, US$ 1,6 bilhão são relacionados ao impacto contábil atribuído à baixa de créditos fiscais, depreciação acelerada e amortização de ativos fixos. O restante, aproximadamente US$ 2,5 bilhões, terá impacto direto no caixa. A maior parte é relacionada a compensações, rescisões, acordos e outros pagamentos.

FIM DA FABRICAÇÃO DE CAMINHÕES

Em outubro de 2019, a Ford encerrou a produção de caminhões e outros veículos no Brasil. A fábrica de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, era uma das mais antigas montadoras em atividade no país. No local eram feitos diversos modelos que deixaram de ser vendidos no país.

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Por:
Fernando Rodrigues
Fonte:
Poder360

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