Em discussão há quase dez anos, Protocolo de Nagoya é ratificado no Senado e vai a sanção presidencial
Há quase uma década parado no Congresso Nacional, o projeto que ratifica o Protocolo de Nagoya no Brasil foi aprovado nesta quinta-feira (06) no plenário do Senado Federal. O tratado internacional (PDL 324/2020), que prevê a repartição justa e igualitária entre as nações dos benefícios decorrentes dos recursos genéticos de plantas, animais e micro-organismos, segue agora para sanção presidencial.
O Protocolo de Nagoya regulamenta o Acesso a Recursos Genéticos e Repartição de Benefícios decorrentes da sua utilização da Convenção sobre Diversidade Biológica Justa e Equitativa entre países, concluído durante a 10ª Reunião da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP), em outubro de 2010.
Para o relator, senador Fernando Collor (PROS-AL), a ratificação de um instrumento na área de repartição de benefícios decorrentes do uso de recursos genético “é de superlativa importância para um país mega diverso como o Brasil.” Collor ressaltou que a utilização dos recursos genéticos “é tema de relevância central no mundo contemporâneo, no qual a busca de um desenvolvimento sustentável se consolida como valor civilizacional.”
O protocolo prevê que os lucros de produção e comercialização de produtos e seus recursos genéticos, sejam obrigatoriamente compartilhados com o país de origem. Na prática, segundo o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Alceu Moreira (MDB-RS), a ratificação garante ao Brasil participação efetiva para negociar dispositivos do Protocolo Nagoya, o que influência nas decisões estratégicas do País no âmbito internacional. “Não confirmar o Protocolo de Nagoya significa não ter voz nas decisões tomadas na COP. A participação do Brasil será a segurança de que nós teremos poder de concordância ou veto para as próximas decisões”.
Alceu explicou que o protocolo reforça a soberania sobre os recursos genéticos do Brasil, evitando que empresas estrangeiras registrem substâncias ou produtos originais do país. Ele citou, por exemplo, as raças zebuínas (entre elas a raça Nelore), originárias da Índia, que foram trazidas para o Brasil no final do século 18. Após adaptação ao novo ambiente, induzido por seleção humana, melhoramento genético e alimentação adequada, estes animais vieram a formar características regionais.
Diante do que estabelece o Protocolo de Nagoya, de acordo com o parlamentar, o Brasil deveria pagar repartição de benefícios (uma espécie de royalties) à Índia na comercialização de produtos das espécies zebuínas. Ocorre que a Lei de Biodiversidade brasileira (Lei 13.123/15) tem prevalência sobre as regras definidas no Protocolo. “Se houver acesso ao material genético internalizado, o Brasil poderá receber os “royaltes” dos países que se utilizarem desses materiais – a depender do que for acordado no acordo,” disse Alceu.
Pauta prioritária da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o documento é a porta de entrada para negociações importantes do País sobre o tema, com discussão programada para o segundo semestre de 2021, na COP 20, adiada devido a pandemia do COVID-19.
Diálogo entre a FPA e a Frente Ambientalista
Em ação inédita no final do mês de junho deste ano, a FPA soltou nota pública junto com a Frente Parlamentar Ambientalista em apoio a ratificação do Protocolo de Nagoya pelo Congresso Nacional. “Mesmo com tamanha complexidade, a FPA e a Frente Parlamentar Ambientalista estão de acordo com o tema. Esse talvez seja o primeiro ato concreto onde o Brasil mostra que as políticas ambientais e de agricultura são complementares e não antagônicas”, destacou Moreira.
Críticos contrários à ratificação do protocolo entendem que a adesão traria obrigatoriedade de o Brasil se submeter às leis relacionadas a biodiversidade de outros países, sendo necessário pagar por recursos já adquiridos anteriormente pelo país. No entanto, o próprio protocolo de Nagoya resguarda leis de biodiversidade existentes em cada país signatário.
Diante da falta de uma lei que resguardasse esses direitos, a FPA se posicionava contrária a ratificação. Mas, em 2015, foi sancionada a Lei de Biodiversidade brasileira (Lei 13.123/2015) que resguarda o direito de propriedade brasileiro sobre os recursos genéticos internalizados antes da aprovação da lei, motivo pelo qual a FPA se posiciona atualmente favorável a participação.
“O Brasil é um país que tem vocação para produção agropecuária e a maioria de nossos produtos tanto de proteína animal quanto de vegetal são exóticos (importados) e eles foram ao longo do tempo adaptados ao nosso clima, nosso tipo de solo, nosso manejo e, portanto, não temos possibilidade e nem obrigação de pagar qualquer coisa em relação a esses produtos. Na lei brasileira, fica claro que esses produtos adaptados e modificados passam a pertencer como patrimônio genético do país de onde estão sendo produzidos, no caso, o Brasil”, diz o presidente da FPA.
Histórico
O processo de negociação que levou à adoção do Protocolo de Nagoya se estendeu por seis anos para gerar um texto final. Esse processo foi iniciado com a criação de um Grupo de Trabalho de Composição Aberta sobre Acesso e Repartição de Benefícios em 2004, no seio da Convenção de Diversidade Biológica (CDB).
O Protocolo de Nagoya foi adotado pelos participantes da COP-10, em 29 de outubro de 2010, em Nagoya, Japão. Ficou definido que o acordo entraria em vigor 90 dias depois que 50 países confirmassem o compromisso, o que ocorreu em 2014. Atualmente, o Protocolo conta 119 países que o ratificaram e participam de forma plena de suas discussões e deliberações.
No Brasil, o tratado ainda aguarda ratificação, pois é necessária aprovação na Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Após aprovação, cabe ao Presidente da República apresentar decreto para regulamentar o tratado. Vale destacar que o Brasil participou de três Conferências das Partes (2014, 2016 e 2018), mas apenas como observador.
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