Decisão do STF impacta Lava Jato, eleição, autoestima brasileira e até rumo da história (ELIANE CANTANHÊDE)

Publicado em 30/06/2018 14:53
NO ESTADÃO

Com a chegada do recesso do Judiciário, bateu o desespero no ex-presidente Lula e nos seus advogados, que saíram em desabalada carreira para entupir o Supremo de recursos, tentando atropelar o plenário e até o sorteio eletrônico (!) para escolher não só a turma, mas o próprio relator desses recursos. Esse serve, esse não serve... Uma audácia incrível, no vale tudo para Lula trocar a prisão em Curitiba pela campanha à Presidência.

Nessa corrida, com chute, cotovelada e empurrão, os advogados Sepúlveda Pertence e Cristiano Zanin disputam homem a homem quem apresenta seus recursos primeiro e, no fundo, quem cai mais nas graças do cliente famoso. Sepúlveda tem mais credenciais, como ex-presidente e grande referência no Supremo. Zanin, bastante esforçado, foi escolhido por ser genro de um dos maiores benfeitores de Lula, Roberto Teixeira.

Assim, Pertence, mais experiente, mais pé no chão, trabalha com a prisão domiciliar de Lula como lance na negociação com o Supremo. Mas o próprio Lula, a cúpula do PT e Zanin aderiram ao tudo ou nada, têm uma posição menos jurídica e mais política e não admitem um milímetro a menos do que a anulação da condenação do juiz Sérgio Moro e do TRF-4, com a conversão do réu em vítima. Por isso, a defesa acabou apresentando dois recursos conflitantes.

O primeiro foi para anular a condenação e todos os seus efeitos: a prisão e a inelegibilidade. O segundo, num evidente recuo, para anular apenas a prisão e deixar a questão da inelegibilidade para lá. Por que? Porque o PT pretende registrar a candidatura Lula até 15 de agosto e a partir daí guerrear contra a impugnação na Justiça Eleitoral, mas, se o STF confirmar a inelegibilidade antes, nada feito, a guerra já estará perdida. O STF tem sempre a última palavra.

Enquanto rola solto o confronto de egos e estratégias entre os advogados de Lula, mais o Supremo vai se organizando em três grupos. O dos que gritam pelo fim da prisão em segunda instância e, até lá, soltam todo mundo e abrem caminho para soltar Lula também. O dos que não soltam ninguém, não admitem votar pela quarta vez a prisão em segunda instância e não parecem dispostos a salvar Lula. E um terceiro que serve de pêndulo.

Assim, foram eleitos os “amigos” de Lula, os “inimigos” e as “incógnitas”. Entre os amigos, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello. Entre os inimigos, Cármen Lúcia – que vai chegando ao fim de sua presidência sem por em pauta a revisão da prisão após a segunda instância – e Edson Fachin, o “petista roxo” que bate de frente o tempo todo com os lulistas (desde sempre ou de ocasião) na Segunda Turma. Entre as incógnitas, Celso de Melo e Rosa Weber, que guardam seus votos para... a hora do voto.

E, assim, chegamos a julho com Cármen Lúcia no olho do furacão. Ela distribuiu a pauta de agosto sem os recursos de Lula, mas assume poderes monocráticos durante o recesso e pode decidir a qualquer momento levar esses recursos ao plenário na primeira quinzena de agosto. Uma responsabilidade monumental, porque impacta a Lava Jato, a autoestima do brasileiro, a percepção internacional sobre o combate à corrupção no Brasil, a eleição presidencial e, sem exagero, o rumo da história.

O Brasil está parado, com a respiração suspensa, não só pela disputa do hexa na Rússia, mas também pela indefinição de uma eleição que praticamente congelou. O líder nas pesquisas é uma ficção, o segundo é um perigo, os demais não vão nem para a frente nem para trás. Passada a Copa e decidido finalmente o destino de Lula (e, com ele, o da Lava Jato e da Ficha Limpa...), os advogados vão parar de correr e a eleição vai enfim andar. Na verdade, enfim começar. (POR ELIANE CANTANHÊDE, no ESTADÃO)

Se Lula insistir em misturar liberdade com elegibilidade, colherá inelegibilidade sem liberdade (por REINALDO AZEVEDO)

Se a defesa de Luiz Inácio Lula da Silva continuar no rumo em que está, o ex-presidente nem sairá da cadeia — e existe a possibilidade de que isso aconteça — nem será candidato à Presidência. Nesse caso, a chance é inferior a zero. Eu poderia, de acara, apresentar aqui um argumento jurídico: em menos de quatro meses, não há caminho técnico que possa tornar viável essa candidatura. Mas ainda mais impositivo é o argumento político. É um delírio o PT imaginar que o sistema judicial brasileiro se dobrará à pressão para que um homem faça mudança tão espetacular de domicílio: de uma cela na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba para o gabinete do presidente da República. Apostar nesse caminho, com a devida vênia, é uma estupidez. Mais: de recurso em recurso, a defesa acabou caindo numa armadilha que criou para si mesma. Tenta agora escapar. Mas a coisa ficou enrolada.

Defesa de Lula está dividida, mas que se note: é ele quem decide o caminho; a escolha é, até agora, pouco realista: pede-se só o impossível

A defesa de Lula, como se noticia em toda parte, está dividida. Sepúlveda Pertence, ex-ministro do Supremo e amigo do ex-presidente, aposta num caminho que vislumbraria, em algum momento, até mesmo a prisão domiciliar em lugar da prisão em regime fechado, como hoje.

Não é uma alternativa fácil porque, com efeito, a domiciliar integra o conjunto de medidas cautelares do Artigo 319 do Código de Processo Penal, alternativas à prisão preventiva, que consta do Artigo 312. E o petista não está em preventiva.

O recolhimento domiciliar não é regime de cumprimento de pena, a menos que o detento não tenha condições de enfrentar os hoje disponíveis: fechado e semiaberto.

Até onde se sabe, as condições de saúde de Lula são boas. Consta, ainda, que ele não aceitaria essa alternativa porque, a seu juízo, condescender com ela seria aceitar a pena que lhe impõem. E ele se diz inocente.

Assim, por orientação de Lula, a vertente que tem prevalecido na defesa é a que tenta, a um só tempo, a sua soltura e a viabilização de sua candidatura à Presidência.

E é justamente neste ponto que o petista se encontra com a perdição.

Neste momento, há três petições da defesa de Lula no Supremo que são contraditória entre si; uma delas acabou se mostrando uma armadilha

Neste exato momento, há três petições da defesa de Lula no STF, contraditórias em si mesmas.

Uma delas atende pelo nome de Reclamação.

Afirma que Edson Fachin agride o princípio do juiz natural quando encaminha para o pleno do tribunal, não para a Segunda Turma, um recurso que pede a soltura de Lula e a suspensão dos efeitos da sentença, o que corresponderia a dizer que Lula é elegível, já que sua condenação pelo TRF-4 ficaria, momentaneamente ao menos, sem efeito.

A defesa peticiona que seja nomeado como relator desse pedido um dos quatro outros ministros da Turma que não Fachin, a saber: Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski ou Dias Toffoli.

Se notaram, tratei aqui de dois recursos: o que pede a liberdade com suspensão da pena e o que tenta tirar a decisão das mãos de Fachin. Duvido que este segundo dê em alguma coisa. A Reclamação é um instrumento que provoca o tribunal a preservar sua competência sobre determinado assunto ou a fazer valer a sua autoridade se desrespeitada.

Ocorre que não está em curso descumprimento nenhum de decisão do Supremo. Mesmo que a Reclamação seja admitida e que se nomeie um relator, acho que este vai simplesmente desconhecer o pedido.

E, nesta quinta, entrou a terceira petição: os defensores do ex-presidente pedem que o tribunal não se pronuncie sobre a elegibilidade de Lula porque essa seria uma tarefa da Justiça Eleitoral. E aí está a armadilha.

Defesa de Lula apresenta uma nova petição ao STF porque resposta do tribunal a uma outra pode antecipar chancela da inelegibilidade 

Quando a defesa de Lula recorreu ao Supremo pedindo a liberdade de Lula e a suspensão da pena acabou forçando o tribunal a pôr o carro adiante dos bois.

Digamos que uma maioria no Supremo deferisse a liberdade do petista porque, afinal, o tribunal, de fato, autorizou a execução da pena depois da condenação em segunda instância, mas não a obrigou.

Já a suspensão temporária dos efeitos da sentença, até o julgamento do caso em terceira instância, sob a alegação de que Sérgio Moro não era o juiz natural da causa, expôs Lula justamente ao risco que se pretendia evitar: se o tribunal disser “não” à suspensão, como fará se houver votação, o martelo estará batido: a inelegibilidade de Lula estará chancelada antes mesmo que a Justiça Eleitoral possa se pronunciar.

Afinal, se o STF diz que a sentença, por enquanto, vale, então o petista é inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Por isso a defesa entregou uma terceira petição: desta feita para que o tribunal não se antecipe a respeito.

Ora, mas a única forma de não se antecipar seria, então, aceitar a tese dos defensores sem discutir seu mérito.

Virou o samba-do-crioulo-doido.

A sentença de Moro é de tal ordem fraca que tudo pode voltar à estaca zero no caso do tríplex, mas Lula não será candidato. E ponto!

A sentença de Sérgio Moro que condenou Lula entrará para os anais do direito como exemplo do que não se deve fazer. É fraca e inconsistente. Já disse aqui várias vezes. O MPF denuncia o petista por ter recebido um apartamento como pagamento de propina decorrente de três contratos celebrados pela Petrobras com consórcio integrado pela OAS, e o juiz condena o ex-presidente por motivos diversos. Ao fazê-lo, nem toca nos contratos.

Indagado a respeito, escreveu: “Este Juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela construtora OAS nos contratos com a Petrobrás foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-presidente”. 

Ora, se é assim, por que era ele o juiz da causa, quando lhe cumpre cuidar dos casos derivados de corrupção na Petrobras? Há problemas também com as imputações.

A acusação diz que Lula recebeu um apartamento como propina. Por que tal recebimento constituiria dois crimes: corrupção passiva e lavagem?

Se o suposto pagamento tivesse sido feito em dinheiro vivo, para esconder embaixo da cama, seria só corrupção? Uma defesa competente consegue sapatear na sentença, tal a sua fragilidade. Mais: inexistem as provas. Tanto inexistem que Moro resolveu ignorar a denúncia.

Não são desprezíveis as possibilidades de esse processo ser anulado no Supremo ou voltar à estaca zero, com a distribuição a um novo juiz. Mas isso não vai ser decidido agora.

Essas questões certamente integrarão o Recurso Extraordinário ao Supremo, com a ida do caso para a terceira instância. Mas vai se dar depois da eleição de outubro. Sim, existe a possibilidade — na verdade, possibilidades — de Lula deixar a cadeia à espera do trânsito em julgado.

Há fragilidades que podem levar à nulidade. Mas Lula não será candidato.

Ou o TSE dirá “não”, em setembro, se lhe for dado arbitrar a respeito, ou o fará antes o STF. 

Cármen deixa pedido de liberdade de Lula fora da pauta de agosto 

O STF (Supremo Tribunal Federal) divulgou nesta sexta (29) a pauta de julgamentos previstos para agosto, quando a corte volta do recesso. A presidente, ministra Cármen Lúcia, não incluiu nela o pedido de liberdade feito pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O pedido de liberdade ou de substituição da prisão por medidas cautelares foi liberado nesta quinta (28) pelo relator, Edson Fachin, para análise em plenário. Até agosto, a pauta de julgamentos ainda poderá mudar.

Nos últimos dois dias, a defesa de Lula apresentou três recursos diferentes ao STF. Todos pedem sua soltura, e dois giram em torno de uma questão estratégica para a defesa: se o pedido de liberdade deve ser julgado pelo plenário (formado pelos 11 ministros) ou pela Segunda Turma, da qual Fachin faz parte. (…)

Na Folha.

 

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Fonte:
Blog Reinaldo Azevedo

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1 comentário

  • Élison Ferreira Santa Inês - BA

    Um bom artigo.

    Argumentos bastante consistentes!

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