Editorial do Estadão: Irresponsabilidade com o campo (votos do STF estão modificando o Código Florestal)

Publicado em 25/02/2018 14:13

Ainda não foi concluído o julgamento pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) das cinco ações sobre a constitucionalidade do Código Florestal de 2012 (Lei 12.651/2012) – falta o voto do ministro Celso de Mello –, mas o que se viu até agora foi uma inequívoca demonstração de irresponsabilidade com o campo e com a lei, como se os ministros estivessem a debater academicamente uma teoria, sem maiores consequências práticas para a Nação. A Lei 12.651/2012 afeta diretamente o desenvolvimento econômico, ambiental e social do País. Convém, portanto, que a Suprema Corte seja especialmente cuidadosa, consciente de que está lidando com a vida de milhares de famílias.

Não é a prudência, no entanto, o que tem prevalecido até o momento. Em primeiro lugar, chama a atenção a insegurança jurídica que o julgamento vem provocando. Dez ministros já proferiram o voto, mas não se sabe ao certo qual é a posição majoritária a respeito de cada um dos 22 pontos da Lei 12.651/2012 que são questionados nas cinco ações. São quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4901, 4902, 4903 e 4937 e uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 42. O problema é que nem todos os ministros se manifestaram sobre cada item debatido, o que levou o ministro Marco Aurélio a alertar para a dificuldade de computar ao final os votos.

O ministro Ricardo Lewandowski disse que seu voto adotava uma “interpretação biocêntrica” da questão do meio ambiente. Para ele, havendo conflito interpretativo, deve valer um princípio, não encontrado na Constituição, que ele chamou de in dubio pro natura. Em caso de dúvida, a decisão deveria ser favorável à natureza. Como é evidente, tais enunciados não contribuem para a resolução da questão debatida nas ações, que é avaliar se a Lei 12.651/2012 afronta ou não a Constituição.

Não é papel do STF dizer se o meio ambiente é mais importante que o ser humano, numa falsa disjuntiva entre o Código Florestal de 2012 e sustentabilidade ambiental. Se a preocupação é com o meio ambiente, não resta dúvida de que a Lei 12.651/2012 tem contribuído decisivamente para a sustentabilidade ambiental. Basta ver o sucesso que tem sido a implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), criado pelo Código Florestal de 2012. Os resultados confirmam: o CAR é um eficaz instrumento de regularização ambiental das propriedades rurais, além de ser uma poderosa fonte de dados na análise e no planejamento da sustentabilidade.

Conforme atestam os números compilados pela Embrapa a partir dos dados do CAR, o agricultor e o pecuarista não são os inimigos do meio ambiente. A vegetação protegida por eles em suas propriedades representa mais de 20% de todo o território nacional. No Estado de São Paulo, a fatia de terras preservadas em propriedades rurais é maior do que a área total de reservas indígenas e de unidades de conservação.

A função da Suprema Corte é assegurar o respeito à Constituição. Pouco importa se os ministros do STF consideram a Lei 12.651/2012 muito rígida ou muito branda. Ao julgar as cinco ações, a tarefa do STF não é avaliar se a maioria dos ministros dá anuência ao conteúdo do Código Florestal de 2012. Tampouco é sua competência redigir uma nova lei ambiental, mais conforme às posições ideológicas e políticas da maioria do colegiado.

A avaliação política relativa ao Código Florestal de 2012 já foi feita pelo Congresso Nacional, a quem compete, pelo voto recebido do eleitor, definir qual é o equilíbrio mais adequado para o País a respeito do meio ambiente nacional. Quando o STF entende que pode interferir nesse equilíbrio, há um evidente retrocesso institucional. A rigor, o País torna-se refém da posição política de 11 pessoas que não detêm mandato popular para exercer esse poder político.

Está claro que a Lei 12.651/2012 não fere a Constituição. Para alguns, ela fere o que a Constituição deveria ser. Tal opinião não tem, porém, validade jurídica. No Estado Democrático de Direito, vale o que está na lei. E o papel do STF é justamente defender o que está na Constituição. Tudo o que passa disso é atropelo da ordem jurídica.

Complemento de Rodrigo Justus, da CNA, em debate no grupo Amigos da Soja
"O resultado do julgamento será muito apertado conforme já havíamos previsto. Quando temos Ministros que citam a Constituição da Bolívia e do Equador em seus votos podemos esperar polarização e politização dos votos...

Por prioridade estao para o desempate pelo ministro Celso de Melo os artigos 67, parágrafos 4º e 5º do 59, e o artigo 48 ; mbora fosse importante também resolver a questão do artigo 17( parágrafo terceiro) embora acredito que se possa resolver se por embargos de declaração (por estar em contradição com outros dispositivos reconhecidos como constitucionais). 

O artigo 15, que trata do cômputo da reserva legal teve apenas três votos pela inconstitucionalidade. E, apenas, pela inconstitucionalidade do seu inciso I . (I - o benefício previsto neste artigo não implique a conversão de novas áreas para o uso alternativo do solo;). Portanto, 07 votos pela constitucionalidade. 

Em relação aos ministros posso dizer que todos foram devidamente visitados (pela CNA), apresentados memoriais mostrando o desastroso alcance prático de eventual inconstitucionalidade da lei tendo sido realizado reunião com todas as assessorias.
Leiam o editorial de O Estado de São Paulo.
 

Só o instinto nos salva, por BOLIVAR LAMOUNIER

A ideia é aterradora e absurda, mas, no momento, tudo indica que o Brasil está perdendo a capacidade de equacionar seus problemas de maneira racional e civilizada, pela via da política. Nessa marcha, só o instinto de sobrevivência nos salvará.

No falatório sobre a intervenção, sobre as candidaturas presidenciais, sobre o funcionamento das instituições, o tom predominante é um desânimo furibundo, e até mais que isso, uma vontade meio doida de achar uma solução fácil, rápida e definitiva, ainda que o preço seja a quebra da ordem civil. No limite, é como se todos quisessem que metade (sua metade) da população matasse a outra, presumindo que a metade sobrante se dedicaria sinceramente à realização dos valores que elegeu como os mais altos. Isso vem por todos os lados, não é privilégio de nenhum partido ou grupo ideológico.

E o pior, infelizmente, é que por trás dessa fumaça realmente há muito fogo. Tal desorientação não chega a surpreender, pois estamos mal e mal saindo da pior recessão de nossa História e tomando consciência da metástase de corrupção que se difundiu por quase todo o sistema institucional do País. Dispenso-me de elaborar este ponto, limitando-me a observar que o cartel das empreiteiras botou no bolso praticamente toda a estrutura partidária de que dispúnhamos: quatro ou cinco organizações com algum potencial e umas trinta obviamente inúteis. Hoje vemos esvair-se até aquele elementar sentimento de lealdade sem o qual a vida interna de um partido se torna inviável. Na mais alta Corte de Justiça do País, salta aos olhos que alguns juízes trabalham sorrateiramente para livrar o sr. Luiz Inácio Lula da Silva, um corrupto notório, já sentenciado a 12 anos e um mês de prisão. No Senado e na Câmara, só quem mantém as estatísticas em dia sabe quantos parlamentares estão indiciados, acusados ou já na condição de réus.

A intervenção federal no sistema de segurança do Rio de Janeiro pôs em alto-relevo a questão da corrupção nos corpos militares e policiais, que inclui a entrega de armas potentes ao narcotráfico e à bandidagem em geral. Noves fora, então, a ressalva que se há de fazer diz respeito à competência e à seriedade da equipe econômica, da equipe liderada pelo juiz Sergio Moro e pela Polícia Federal, graças às quais o País não descarrilou por completo.

No culto da irracionalidade, a esquerda ganha por duas cabeças. Na questão da intervenção no Rio de Janeiro, por exemplo, ela aposta no fracasso com base em seus tradicionais cálculos eleitorais, ou num requintado cinismo, “esquecendo”, por exemplo, no tocante à concessão de mandados coletivos, as posições que a ex-presidente Dilma Rousseff defendeu em 2016. Não só a esquerda, mas ampla parcela do Congresso recusou-se a aprovar a reforma da Previdência, embora consciente da precariedade fiscal em que nos encontramos e de que o sistema brasileiro de seguridade é campeão mundial em transferir renda dos pobres para os ricos.

Não me sinto no direito de aborrecer os leitores me estendendo sobre a deterioração em que se encontra nossa capacidade de conduzir racional e civilizadamente as operações de governo, mas há uma questão mais ampla, que transcende todas as já mencionadas, para a qual me vejo obrigado a chamar a atenção. Refiro-me ao médio prazo, ou seja, ao futuro de nosso país dentro de uma ou duas décadas. Nessa referência de tempo, se não recuperarmos a capacidade de raciocinar e colaborar, realmente, só o instinto de sobrevivência nos salva.

O quadro que me esforcei por esboçar é em si mesmo sinistro, mas é brincadeira de criança se o colocarmos num horizonte de 20 anos. Já me referi outras vezes a esse ponto e temo ter de voltar a ele muitas vezes nos próximos meses, ainda mais em se tratando de um ano eleitoral. A incapacidade da política acarreta uma progressiva liquefação do próprio Estado. O País perde sua stateness, ou seja, a presença efetiva da máquina de governo. Ninguém ignora que diversas áreas do Rio de Janeiro já há muito tempo se tornaram inacessíveis à autoridade pública. O que muitos talvez não saibam é que os Correios já não entregam correspondência em quase metade dos endereços da Cidade Maravilhosa. Refiro-me a ela porque é lá que a perda da “estatalidade” se tornou mais perceptível, mas em maior ou menor grau o processo se manifesta no País inteiro. Com um fator agravante: temos agora um vizinho, a Venezuela, onde o Estado atingiu um estágio avançado de putrefação, forçando centenas de milhares de cidadãos a buscarem refúgio em Roraima.

Com a contração causada pela recessão engendrada pelo lulopetismo, nossa renda anual por habitante deve ser atualmente metade da correspondente à Grécia e bem inferior à de Portugal. Se, recuperando a economia, lograrmos crescer 3% ao ano, o que não é trivial, precisaremos de mais de 20 anos para alcançar os dois países citados, e lá chegaremos com uma distribuição de renda muito pior, com uma situação educacional claramente inferior, com as condições de saneamento que conhecemos e possivelmente com índices ainda muito mais altos de violência. Isso significa que o debate público dos últimos anos nem sequer arranhou a superfície dos verdadeiros problemas, que são a velocidade do crescimento e a profundidade das reformas de que necessitamos.

Escusado dizer que não me estou referindo à antiga ladainha do “governo forte”, pedra de toque da retórica fascista, que por aqui vicejou vigorosamente à época da ditadura getulista. Refiro-me ao óbvio: o imperativo de quebrar a resistência dos grupos corporativos e encetar um esforço reformista muito maior. As reformas virão, de um jeito ou de outro: pelo caminho mais ou menos civilizado da política ou por sucessivas ondas de anarquia e violência.

*Cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria, é autor do livro ‘Liberais e Antiliberais’ (Companhia das Letras, 2016)

Já segue nosso Canal oficial no WhatsApp? Clique Aqui para receber em primeira mão as principais notícias do agronegócio
Fonte:
Estadão

RECEBA NOSSAS NOTÍCIAS DE DESTAQUE NO SEU E-MAIL CADASTRE-SE NA NOSSA NEWSLETTER

Ao continuar com o cadastro, você concorda com nosso Termo de Privacidade e Consentimento e a Política de Privacidade.

0 comentário