Mensagem clara (editorial do ESTADÃO), sobre a Reforma da Previdência

Publicado em 07/02/2018 05:34
Em mensagem ao Congresso, o presidente Michel Temer foi o mais objetivo e direto possível ao expor a importância de completar a agenda de reformas proposta pelo governo, em especial a da Previdência (opinião de O Estado de S. Paulo)

Na mensagem que enviou ao Congresso para marcar a abertura do ano legislativo, o presidente Michel Temer foi o mais objetivo e direto possível ao expor aos parlamentares a importância de completar a agenda de reformas proposta pelo governo, em especial a da Previdência. Temer tornou a conclamar o Congresso a assumir seu papel na imensa tarefa de reformar o Estado, saneando-o e preparando-o para uma nova etapa de desenvolvimento – que não pode mais ser adiada, sob pena de se condenar o Brasil à insolvência crônica e à perene mediocridade.

A reforma da Previdência, mesmo em sua versão menos encorpada, representa um esforço nada desprezível para reverter o acúmulo, durante décadas a fio, de distorções e privilégios que acabaram por tornar totalmente inviável o regime de aposentadorias e pensões hoje em vigor. Ao estabelecer uma idade mínima para a concessão do benefício e ao submeter os funcionários públicos a limites semelhantes aos impostos aos beneficiários do INSS, a reforma encaminhada pelo governo ataca a essência dos problemas do atual sistema previdenciário, a saber: a incompatibilidade das regras de concessão com a realidade demográfica nacional, que indica envelhecimento acelerado da população e redução do número de contribuintes para a Previdência, e os inaceitáveis privilégios de servidores públicos aposentados em detrimento dos demais trabalhadores.

“O atual sistema é socialmente injusto e financeiramente insustentável”, declarou Temer na mensagem lida pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, aos congressistas. “Socialmente injusto pois transfere recursos de quem menos tem para quem menos precisa, concentrando renda. É financeiramente insustentável porque as contas simplesmente não fecham, pondo em risco as aposentadorias de hoje e de amanhã.” O texto, como se vê, foi escrito em português claro – ou seja, ninguém que o tenha lido ou ouvido, especialmente quem está em condição de interferir na realidade, como é o caso dos parlamentares, pode alegar que não entendeu a extensão do problema.

Ainda há, é claro, quem aposte na desinformação para oferecer aos deputados indecisos argumentos aos quais possam se agarrar para justificar uma eventual rejeição da reforma. Espalhou-se por aí a versão segundo a qual trabalhadores terão de contribuir até a beira da morte para conseguirem se aposentar, ou que os trabalhadores rurais perderão o benefício de se aposentar antes do trabalhador urbano, entre outras mentiras evidentemente criadas por quem não tem a menor disposição de negociar nada. É aos parlamentares que recusam a reforma apoiando-se nesse tipo de argumento – de inegável caráter eleitoreiro – que Temer parece ter se dirigido especialmente.

É uma missão ingrata, a julgar pela reação do presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), que disse, também em discurso, que “não podemos admitir uma reforma que prejudique aqueles com menos condições”. Com isso, Eunício, que já declarou voto em Lula da Silva nas próximas eleições, reproduz o tipo de demagogia que mina o apoio à reforma da Previdência, a despeito do fato de que, como pode constatar qualquer um que se disponha a ler o texto encaminhado pelo governo, não há nenhuma mudança que ameace os mais pobres. Temer, ainda assim, diz que continua a apostar no diálogo, mas o tom utilizado não deixou dúvidas sobre o grau de responsabilidade de todos os envolvidos.

“A sociedade brasileira mostra-se cada vez mais consciente de que a reforma é questão-chave para o futuro do Brasil”, declarou o presidente, lembrando que o texto “foi amplamente discutido” – e isso se traduziu nas muitas mudanças feitas na proposta original, feitas, nas palavras de Temer, para “atender a preocupações legítimas”.

Agora, só resta esperar que os parlamentares tenham entendido seu papel nesse processo. Como disse Temer na mensagem, “chegou a hora de tomar uma decisão”: os congressistas podem, como disse o presidente, aceitar o “dever de concluir a agenda de modernização de que o Brasil tanto precisa” ou podem causar imenso prejuízo ao País na expectativa de ganhar alguns votos na eleição de outubro.

Um susto e um alerta

Pode ter sido só um susto, por enquanto, mas quem tem juízo, especialmente se for brasileiro, deve ter levado a sério a turbulência nos mercados nos últimos dias. No mínimo, o tombo de várias bolsas e o sobe e desce de ontem valem como mais um aviso, desta vez muito mais difícil de ignorar. O quadro internacional, até agora luminoso e favorável às economias emergentes e em desenvolvimento, pode mudar em breve e converter-se num cenário de tormenta. Quando isso ocorrer, tanto pior para quem estiver despreparado, com as finanças públicas em desordem e os fundamentos econômicos vulneráveis a choques. Este é o caso do Brasil. O País escapou da recessão e voltou ao caminho do crescimento, mas com reformas apenas iniciadas e o ajuste das contas de governo ainda bem longe da conclusão. O impasse a respeito da Previdência é o mais forte sinal da vulnerabilidade brasileira.

Se as condições internacionais mudarem, o acesso ao financiamento ficará mais difícil, os fluxos de capital mudarão, o comércio global será prejudicado e as cotações dos produtos primários, muito importantes na pauta brasileira de exportações, serão quase certamente derrubadas.

Vários perigos foram invocados pelos especialistas para explicar a onda de preocupação nos mercados. Em vez de ser um fator de tranquilidade, a prosperidade americana, com vigoroso crescimento econômico e rápido aumento de empregos, foi incluída na conta dos sinais assustadores. Uma economia muito aquecida – é o argumento – será motivo para um aperto monetário mais forte. Os aumentos de juros pelo Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, poderão ser quatro, neste ano, em vez dos três inicialmente previstos, segundo as especulações.

Segundo alguns analistas, a queda de cotações americanas na segunda-feira pode ter sido apenas o início de uma normalização dos mercados, depois de uma longa fase de valorização das ações. Isso pode ser verdade, mas o impulso de normalização pode perfeitamente combinar-se com os temores de uma reversão mais veloz da política monetária muito branda e expansionista.

O aquecimento da economia, no entanto, ocorre muito além das fronteiras americanas. O crescimento econômico na zona do euro tem sido maior que o previsto, disse na segunda-feira o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi. A declaração foi feita em discurso no Parlamento Europeu. O pronunciamento foi positivo e otimista quanto às perspectivas de expansão dos negócios e de estabilidade financeira. Mas o sucesso da política monetária do BCE pode traduzir-se numa inflação mais próxima de 2% e, em seguida, no abandono gradual da estratégia expansionista. Se isso se combinar com um aperto mais acentuado nos Estados Unidos, a fase eufórica dos mercados deverá acabar. Um dos desdobramentos poderá ser um forte ajuste nos preços de alguns ativos, supervalorizados durante anos de dinheiro fácil. Empresas muito endividadas também poderão encontrar dificuldades.

Algumas dessas advertências têm sido repetidas há uns dois anos, ou pouco mais, por economistas de instituições multilaterais. Numa linguagem mais branda, dirigentes do Banco Central do Brasil vêm alertando para o risco de mudança de um cenário externo até agora descrito, várias vezes, como benigno.

O Brasil estará entre os países mais afetados por uma reversão do quadro internacional, se o aperto for razoavelmente forte. A segurança proporcionada por cerca de US$ 380 bilhões de reservas poderá ser muito limitada, a depender de quanto piore o humor de investidores e financiadores. Não há como duvidar da urgência de ajustes mais amplos. A reforma da Previdência deve ser a primeira medida. A chamada base governista será mais que suficiente para garantir essa reforma, se os seus parlamentares se dispuserem a cumprir as obrigações de legisladores. Os efeitos de uma nova crise serão muito duros, especialmente para os mais pobres e mais desprotegidos. Um parlamentar deve ser capaz de entender esse dado evidente.

Vem aí um novo ciclo das commodities? (por MARCOS TROYJO, na FOLHA)

Há exatos setenta anos, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) da ONU publicava estudo do economista argentino Raul Prebisch. Tal texto mudaria para sempre a reflexão sobre o desenvolvimento.

Com bastante razão, Prebisch argumentava que uma antiga divisão internacional do trabalho em que, por exemplo, a América Latina fornecia, com vantagens, matérias-primas a uma Europa industrializada já caducara.

A dramática ascensão dos EUA ao pináculo do poder global em fins dos 1940 metade do PIB mundial vinha dos EUA, maior potência industrial e também agrícola reluzia como símbolo transição do sistema econômico internacional. Dali adiante, os termos de troca não podiam mais ser considerados "mutuamente benéficos" para diferentes partes apenas pelo conceito das "vantagens comparativas".

A única especialização dos países de menor desenvolvimento em commodities agrícolas e minerais deixava de ser uma opção. A tendência inexorável, augurava Prebisch, era a progressiva diminuição do poder de troca relativo das matérias-primas ante bens industrializados cada vez mais valorizados.

Nestas últimas sete décadas, há muito que confirmou Prebisch, sobretudo em seu diagnóstico sobre agregação de valor. Menos, no entanto, em suas prescrições em prol de uma industrialização mediante substituição de importações.

Países que realmente mudaram de patamar no período —a grande maioria deles encontrada no Sudeste Asiático— associaram industrialização à promoção de exportações. Os latino-americanos permaneceram focados em suas commodities e a um esforço industrial escudado pelo Estado e voltado a um protegido mercado interno.

O curso da história, no entanto, jamais é linear. Permite, de tempo em tempo, um revival de chance de prosperidade alicerçada na exportação de commodities. Este foi bem o caso da estonteante arremetida chinesa, em especial nos últimos quinze anos, o que fez reemergir, para países como o Brasil, lógica semelhante ao padrão Norte-Sul das vantagens comparativas do século XIX. Exportamos matérias-primas e compramos bens industrializados ou, no caso da economia digital, pós-industrializados.

Ainda assim, o boom de commodities da primeira década dos 2000, se serviu para irrigar o Tesouro dos países latino-americanos, afastou-os da disciplina fiscal e da adoção de reformas modernizantes. Passado este ciclo mais recente, tudo fazia crer que voltávamos à validade dos diagnósticos prebischianos. Por um lado, o revival das vantagens comparativas das matérias-primas teria sido alvejado pela suposta desaceleração chinesa. Por outro, o alvorecer da Quarta Revolução Industrial apenas realçaria a decrescente relevância dos países produtores de commodities.

Estes dois pressupostos, no entanto, podem ser desafiados pelo rumo dos acontecimentos. Apesar do susto nas bolsas de valores nos últimos dias, a economia global continua sua progressão a um crescimento sincronizado. Todos, emergentes ou maduros, experimentarão expansão econômica em 2018.

A propósito, uma possível leitura da recente retração nos mercados acionários diz respeito não a problemas de fundamentos nas economias dos EUA ou Europa, ou pelo temor de um estouro da divida chinesa ou de uma guerra comercial. É o prenúncio de um pacote de estímulos fiscais nos EUA, com expansão de investimentos em infraestrutura, desregulamentação e reforma tributária tudo numa economia já bastante aquecida e próxima do pleno emprego a projetar potencial inflação e consequente aumento acelerado das taxas de juros.

Nessa economia mundial em expansão, destacam-se o grande investimento infraestrutural particularmente na Ásia com o projeto OBOR (One Belt, One Road) pilotado por Pequim e a extroversão do parque industrial chinês para seu entorno geoeconômico. Tudo isso joga para cima a demanda global por commodities agrícolas e minerais.

E, na ponta daquelas atividades mais intensivas em tecnologia, características da Quarta Revolução Industrial, observam-se ganhos de produtividade que também ajudam a elevar rendas de economias mais avançadas. Nesse aspecto, é bom lembrar que mesmo naqueles países de industrialização mais madura, como EUA, Alemanha e Reino Unido, onde vozes se levantam contra a globalização, a robótica e a automação supostos assassinos de postos de trabalho a taxa de desemprego é relativamente baixa. Isso também contribui para uma recuperação do preço das commodities.

Assim, nada nos impede de pensar que há um novo ciclo de apreciação relativa dos preços das matérias-primas e dos alimentos em nível global. E, portanto, mais uma vez os países latino-americanos disporão da possibilidade de optar entre populismo econômico de pernas curtas ou reformas modernizantes que permitam agregar valor em amplo escopo de setores da economia.

(Marcos Troyjo, Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas).

Quanto maior a altura (editorial da FOLHA), Queda das Bolsas revela temores quanto ao desmonte das políticas de juros baixos

O que é bom desta vez não durou tão pouco assim. Com a queda aguda e abrupta dos últimos dias, o S&P 500, índice de referência do mercado de ações dos Estados Unidos, encerrou um raro período de quase dois anos de alta sem maiores sobressaltos.

Apenas do início de 2017 até a semana passada, o indicador mostrava valorização de 28%. No período, a economia global passou a crescer de modo mais rápido sem elevar a inflação, o que manteve os juros em patamares baixos. Tal combinação é perfeita para as Bolsas.

Embora o Fed, o banco central americano, venha elevando suas taxas gradualmente, seus congêneres na Europa e no Japão, outros grandes centros financeiros, ainda mantêm o custo do dinheiro próximo de zero.

Alertas de riscos não vinham faltando recentemente. Como é regra em episódios desse tipo, a bonança prolongada induz investidores a aumentarem cada vez mais suas apostas, muitas vezes recorrendo a financiamentos.

Quando os preços começam a cair, promove-se uma liquidação acelerada que por vezes ganha contornos de desespero. O crescimento do papel de computadores e algoritmos que operam de forma autônoma agrava essa predisposição.

 

Com a poeira ainda alta, começa-se a indagar o que há de concreto por trás das oscilações —e se a queda dos preços é prenúncio de algo errado na economia mundial.

Teme-se, em especial, que possa estar perto do fim o ciclo de crescimento da economia americana —que, acumulando quase nove anos, já se mostra o segundo mais extenso do pós-guerra.

A prosperidade recente reduziu o desemprego para 4,1%, uma das menores taxas já observadas. Depois de longa letargia, os salários dão sinais de aceleração, embora ainda haja muito a percorrer.

O perigo é que a conjuntura econômica já seja condizente com a aceleração indesejada da alta dos preços. Nos EUA, a inflação ainda está abaixo da meta de 2% ao ano, mas seus principais condicionantes já apontam para um ritmo mais forte.

Especulações à parte, parece haver certa discrepância entre o bom momento da economia mundial e a permanência de juros baixos, típicos dos momentos recessivos.

Ajustar a política monetária sem causar grandes turbulências é o desafio que ocupa os bancos centrais. Não será uma tarefa fácil. Enquanto o crescimento do PIB global persistir, as taxas devem continuar subindo, assim como a insegurança dos investidores.

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Fonte:
ESTADÃO/FOLHA

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1 comentário

  • Antonio Reginaldo de Sá Filho SALGUEIRO - PE

    Não adianta este conserveiro mole pra boi dormir não, reforma é necessária, mas tem de ser justa, para a empresa, para a classe politica, para juiz, para militar. não só funcionalismo, servidor publico e pequeno produtor rural. a proposta do jeito que está é descabida, é mais propaganda a favor do molusco, a elite quer empurrar o pepino para a plebe e com isto cria palanque para esquerda, tem de haver reforma, mas para todos.

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