Sem Meirelles, a casa cai, por FABIO ALVES, No ESTADÃO

Publicado em 31/08/2017 06:57
Mercado avalia que ministro da Fazenda já entregou bem mais do que se esperava dele (em O Estado de S. Paulo)

Quando o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciou a revisão das metas fiscais de 2017 até 2020, ampliando a previsão de rombo das contas públicas, o mercado dava como certo que a nota de classificação de risco soberano do Brasil fosse rebaixada imediatamente pelas principais agências de rating.

Não só isso não aconteceu, como a Standard & Poor’s (S&P) retirou a nota brasileira da situação de observação negativa, o que implicava em rebaixamento iminente do rating. Ou seja, paradoxalmente, a S&P melhorou a avaliação de crédito do Brasil num momento em que o governo anunciava uma trajetória pior para os resultados fiscais primários.

E como isso foi possível? O crédito é totalmente de Meirelles. Notícias de bastidores dão conta de que o ministro teria ligado para os principais analistas de Brasil nas agências de rating e pedido um voto de confiança antes da decisão de piorar a nota soberana, o que teria repercussões para os preços dos ativos brasileiros.

O fato é que o lastro para o Brasil atravessar a transição até as eleições de 2018 está personificado em Meirelles. O raciocínio é o seguinte:

Se o ambiente externo seguir benigno e Meirelles decidir sair do governo por algum motivo, haveria uma piora significativa nos preços dos ativos, mas não uma catástrofe.

Se os mercados globais sofrerem um tombo e Meirelles continuar à frente da equipe econômica, a situação do Brasil é crítica, mas o governo resiste e consegue atravessar a turbulência.

Mas se o cenário internacional piora e Meirelles deixa o cargo, então a perspectiva é de uma situação desastrosa para o Brasil.

Ou seja, o governo de Michel Temer não sobrevive sem Meirelles à frente do Ministério da Fazenda. E Temer sabe disso.

O que surpreende é a quantidade de vezes em que os opositores de Meirelles soltam balão de ensaio para fritar o ministro. Esses ataques vêm do lado político e nunca do lado técnico. Afinal, cortar gastos e fazer reformas estruturais para recuperar a saúde fiscal do Brasil desagradam aos políticos. Já a privatização de estatais, como a Eletrobrás, representa a perda de vários cargos que servem como importante moeda de troca.

Nesse embate com o Congresso recai o principal desafio do ministro da Fazenda: aprovar medidas adicionais necessárias para estancar a piora nas contas públicas, como a reforma da Previdência, e acelerar o crescimento da economia.

O tempo, contudo, joga contra Meirelles.

Após abril do ano que vem, data para desincompatibilização de cargo público pelos interessados em concorrer às eleições, os políticos só vão focar no pleito e dificilmente aprovariam medidas mais impopulares no Congresso.

Ou seja, restam a Meirelles praticamente os quatro últimos meses deste ano para aprovar a reforma da Previdência. Passada essa janela de oportunidade, a votação dessa reforma fica quase inviabilizada.

Dois eventos, no entanto, podem estender essa janela de oportunidade, na visão de um experiente economista paulista. Segundo ele, o primeiro evento seria uma crise internacional, levando a uma pressão significativa sobre o mercado brasileiro e, portanto, sobre os políticos, os quais poderiam se sentir forçados a aprovar um remédio amargo como instinto de sobrevivência.

Um segundo evento seria se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fosse condenado em segunda instância, depois de o juiz Sergio Moro tê-lo condenado a 9 anos e 6 meses de prisão. Se o Tribunal Federal Regional de Porto Alegre confirmar a sentença, Lula ficaria inelegível e sairia do páreo da eleição presidencial de 2018.

Sem esse candidato competitivo a ameaçar uma mudança no poder a partir de 2019, os políticos ficariam menos receosos em aprovar medidas impopulares, como a reforma da Previdência, e não serem punidos nas urnas.

Com ou sem esses eventos, a avaliação do mercado é que Meirelles já entregou bem mais do que se esperava dele para um governo de transição. A PEC do Teto de Gastos sendo a mudança mais importante.

Se o cenário político restringir quaisquer outras conquistas, especialmente no lado fiscal, ninguém vai se importar em ter Meirelles apenas como um gerente de luxo da economia brasileira até o fim de 2018. Sem ele, a casa cai.

Janela de oportunidade, por ZAINA LATIF (no ESTADÃO)

O desafio do Brasil nos próximos anos é enorme. Se falharmos, estaremos comprometendo nosso futuro.
De um lado, a necessidade de um ajuste fiscal estrutural que garanta a estabilidade macroeconômica, que é alicerce para o crescimento. Não havendo compromisso do governo com reformas, a grave situação fiscal terá severo impacto sobre a economia, pressionando a taxa de juros.

De outro, as chamadas medidas microeconômicas para estimular a produtividade do País, que está estagnada. Essa é condição essencial para elevar o potencial de crescimento de longo prazo. Agenda tecnicamente complexa e que também esbarra em grupos de interesse.

Nas últimas décadas, conseguimos driblar nossas fragilidades fiscais e estruturais elevando a carga tributária e contando com o bônus demográfico, que em breve se esgotará. Não tem mais drible. Resta o enfrentamento.

Há razões, no entanto, para uma visão construtiva.

O primeiro ponto é que o País exibe maior maturidade. Se há dois anos o time econômico de Dilma falava sozinho sobre a necessidade de reformas estruturais para ajustar as contas públicas e crescer, enquanto a classe política dava de ombros e muitos negavam o problema, hoje há maior consenso. A divergência está mais nas propostas de ajuste. O debate democrático e a construção de consensos ajudam a moldar a agenda econômica. Nesse contexto, a agenda microeconômica avança, com apoio (e pressão) de parte importante do setor produtivo.

Segundo, o quadro internacional, foco deste artigo, é importante elemento de sorte. Provavelmente a economia mundial está ingressando em um novo ciclo de crescimento. Há razões para acreditar que não são sinais falsos de aceleração: tanto economias avançadas como emergentes ganham tração, com retroalimentação do crescimento entre elas; a política fiscal nos países avançados está neutra ou expansionista, após severo aperto entre 2011-15; os indicadores bancários na Europa mostram maior solidez do sistema; e a China exibe um exitoso rebalanceamento da economia em direção ao aumento do consumo, com crescimento do crédito e do investimento imobiliário, mas com menor preocupação com bolhas.

O potencial de crescimento não está claro, principalmente pelas dúvidas em relação ao comportamento da produtividade, que no ciclo anterior de 2010-16 exibiu ganhos limitados. Vale registrar que o FMI espera avanço nos ganhos de produtividade nos próximos anos.

O cenário internacional tem seus desafios. Um dos principais talvez seja a tarefa dos bancos centrais dos países avançados de desmontar a injeção monetária dos últimos anos. Os sinais emitidos são de que o processo será cauteloso. Apesar do desafio, esse é um bom problema, pois reflete a melhora do quadro econômico. Fosse por conta de pressão inflacionária, o processo poderia não ser suave e tampouco benigno para os mercados.

Nesse contexto, o comércio mundial dá sinais de vida após a estagnação ao longo de 2016. É improvável que se repita a performance da década passada, quando o comércio mundial cresceu 7% ao ano, beneficiado pela entrada da China na OMC em 2001. Ainda assim, o quadro é de avanço.

Há vantagens nesse quadro mais modesto, que são os preços de commodities se manterem mais estáveis, reduzindo o risco inflacionário, diferente do ocorrido no passado, quando a inflação mundial rompeu 8% ao ano antes da crise global de 2008.

O quadro internacional – com aceleração moderada do crescimento e do comércio mundial, elevada liquidez, baixa volatilidade do mercado cambial e inflação bem-comportada – é propício para a estabilidade macroeconômica no Brasil e alimenta a perspectiva de taxas de juros mais baixas.
Há uma janela de oportunidade no cenário mundial que poderá elevar a disposição de estrangeiros e de locais de investirem no Brasil. Há recursos disponíveis. Haverá apetite para investimento produtivo desde que a estabilidade econômica esteja assegurada e haja melhora no asfixiante ambiente de negócios.

Temos alguns (poucos) anos até o fim do bônus demográfico. Se formos ambiciosos, muito poderá ser feito.

Nova denúncia anti-Temer reacende chantagem, por JOSIAS DE SOUZA (no UOL)

Finalmente, uma boa notícia: nas próximas semanas, não haverá nenhum aumento de fisiologismo e de desfaçatez no cenário político. Continuaremos nos mesmos 100%. Você está prestes a assistir a um filme repetido. Vem aí a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Michel Temer. A primeira era por corrupção. A nova acusará o presidente de obstrução de Justiça e, muito provavelmente, de organização criminosa. Vai começar tudo de novo.

Temer tentou afastar o procurador-geral Rodrigo Janot do processo. Mas fracassou. O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, indeferiu o pedido. Agora, Janot aguarda apenas a homologação da delação do operador de propinas Lúcio Funaro. Revelações feitas por ele rechearão a denúncia, que jogará mais lama também sobre a milícia do PMDB da Câmara.

Pela Constituição, o Supremo só pode investigar Temer se a Câmara autorizar. E a chance de isso ocorrer é próxima de zero. Respira-se nos porões de Brasília, desde já, uma atmosfera de chantagem. O Planalto vai comprar o resgate do presidente pela segunda vez. À exceção do preço, que deve subir, o enredo faz lembrar o filme anterior. A mesma embarcação temerária, o mesmo comandante presunçoso. O mesmo iceberg no caminho. Tudo muito parecido com Titanic. A diferença é que eles se salvam. Apenas o país continuará afundado num oceano de mediocridade.

Governo Temer celebra aniversário do impeachment praticando ciclismo fiscal 

Cúmulo da ironia: o governo de Michel Temer, que prometia acabar com as pedaladas que ajudaram a derrubar a antecessora, praticou ciclismo fiscal no plenário do Congresso até as três e meia da madrugada deste 31 de agosto, dia do aniversário de um ano do impeachment de Dilma Rousseff.

Temer e seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, apresentavam-se como campeões da austeridade. Cavalgando a emenda constitucional do teto dos gastos públicos, prometiam reformar a Previdência e entregar um orçamento superavitário para o presidente a ser eleito em 2018. A mexida previdenciária subiu no teto. E o superávit virou ruína.

Numa conta que considera a evolução da encrenca nos últimos 12 meses, o rombo nas contas oficiais bateu em R$ 170,5 bilhões. Se nada for feito, as despesas com a Previdência responderão por 57% do total de gastos da União até o final do ano. E tudo o que o governo consegue fazer é pedalar o orçamento. Eleva o déficit de 2017 para notáveis R$ 159 bilhões em 2017. Receita a mesma dose para 2018. E transfere para o sucessor do sucessor de Dilma a tarefa de lidar com o abismo.

A sessão desta madrugada terminou antes que os ciclistas de Temer conseguissem completar o percurso. Aprovou-se o texto principal. Mas ficaram pendentes de votação dois dos cinco destaques, como são chamados os remendos que os parlamentares tentam fazer na proposta durante o processo legislativo. Presidente do Congresso, Eunício Oliveira convocou nova sessão para a próxima terça-feira.

Para desassossego de Temer, terça-feira também consta da agenda do procurador-geral da República Rodrigo Janot como o dia ideal para protocolar no Supremo Tribunal Federal a segunda denúncia contra o presidente da República. Temer será acusado de obstruir a Justiça e, provavelmente, de integrar uma organização criminosa.

Para sepultar mais esta denúncia na Câmara, impedindo o Supremo de transformá-lo em réu, Temer terá de manter a barriga encostada no balcão. E o buraco fiscal tende a aumentar na proporção direta da evolução dos apetite$ da turma do centrão —a mesma patota que não exibe a mais tênue disposição para mexer na Previdência.

Nesse ritmo, Henrique Meirelles será convertido numa espécie de curandeiro que, depois de fazer um diagnóstico acurado dos males do paciente, manda aumentar a dose do purgante. Se bobear, sairá de fininho.

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Fonte:
Estadão + UOL

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