O BNDES, a TLP e como José Serra quer impedir uma continuação do Plano Real (de novo) (Inst. Mises)

Publicado em 24/08/2017 20:22
Não sendo abolido, o BNDES deve ao menos ser trazido à realidade. E a TLP é um começo

Antes do Plano Real, o governo gastava o que não tinha, e então recorria à simples inflação monetária — no popular, mandava o Banco Central imprimir dinheiro — para fechar suas contas. À época, o Tesouro podia se financiar diretamente pelo Banco Central.

Tamanha expansão monetária, obviamente, gerou décadas de hiperinflação.

Até então, o governo não sabia sequer quanto gastava — pois recorria livremente à impressora de dinheiro —, e esse descalabro que era agravado por diversas políticas que geravam despesas e nem sequer constavam no orçamento.

O Plano Real fez a transição deste mundo ilusório para a realidade.

Além de uma profunda reforma monetária e cambial, o plano também teve como pilar o fechamento de diversas torneiras que geravam despesas não-contabilizadas. Além da privatização de empresas estatais ineficientes, houve também a extremamente importante privatização de bancos estaduais, que eram genuínas usinas de expansão monetária, pois eram utilizados por seus respectivos governos como fonte fácil e farta de financiamento. Estes bancos operavam praticamente sem lei e sob ordens de seus governos estaduais, criando meios de pagamento a rodo apenas para financiar seus descalabros.  Os desvalidos de todo o resto do país arcavam com as consequências desta expansão monetária: a destruição do poder de compra da moeda.

Hoje, com os bancos estatais estaduais já praticamente domados, ainda falta lacrar uma das últimas torneiras que restaram no orçamento: o BNDES.


Como funciona o BNDES

O BNDES, quando despido de toda a propaganda ideológica, não passa de uma perniciosa máquina de redistribuição de renda às avessas.

Originalmente, os recursos do BNDES eram oriundos apenas do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador — fundo destinado a custear o seguro-desemprego e o abono salarial). Por lei, 40% do FAT é destinado ao BNDES.

E, dado que os recursos do FAT advêm das arrecadações do PIS e do PASEP, na prática os recursos do BNDES eram originados dos encargos sociais que incidem sobre a folha de pagamento das empresas.

Esse dinheiro era então direcionado para as grandes empresas a juros subsidiados.

Este arranjo, por si só, já denotava um grande privilégio.  Por que, afinal, as pequenas empresas devem financiar os juros subsidiados das grandes empresas?

O problema é que essa matriz, já ruim, foi alterada para pior a partir de 2009. As leis nº 11.948/09, nº 12.397/11, nº 12.453/11, nº 12.872/13, nº 12.979/14 e nº 13.000/14 autorizaram a União a conceder empréstimos ao BNDES.

Ou seja, se antes o BNDES se financiava exclusivamente via impostos, a partir de 2009 ele passou a se financiar também via repasses diretos do Tesouro, na forma de empréstimos.

Só que, dado que o Tesouro não tem dinheiro sobrando para emprestar ao BNDES, só lhe resta uma saída: o Tesouro tem de se endividar.  E ele faz isso emitindo títulos da dívida com o intuito de arrecadar esse dinheiro.

Ou seja: além dos recursos do FAT, o BNDES passou também a contar com repasses diretos do Tesouro, o qual começou a emitir títulos da dívida com o intuito de arrecadar esse dinheiro e repassá-lo para o BNDES.

Consequentemente, o BNDES foi anabolizado.  Sua capacidade de fazer empréstimos subsidiados aumentou quase que exponencialmente. Até o início de 2016 — ano em que ele começou a ser domado — sua carteira de empréstimos estava em incríveis R$ 675 bilhões.


Os juros do BNDES

O BNDES, portanto, recebe dinheiro do FAT e do Tesouro. Ato contínuo, realiza empréstimos com este dinheiro. E esse empréstimo é pago de volta — dali a vários anos — corrigido por uma taxa chamada TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo).

Mas aí surge uma distorção explícita: o Tesouro se endivida pagando taxa SELIC, repassa esse dinheiro ao BNDES, que então o empresta pela TJLP, que é muito menor que a SELIC.

Para se ter uma ideia, quando a SELIC estava em 14,25%, a TJLP estava em 7,50%.

Em termos práticos e simplistas, o Tesouro pegava emprestado R$ 1.000 a 14,25% ao ano, repassava ao BNDES, que então emprestava (majoritariamente para grandes empresas) a 7,50% ao ano. Dali a um ano, quando (e se) o BNDES recebesse o empréstimo quitado, ele devolveria ao Tesouro R$ 1.075. Mas o Tesouro está devendo R$ 1.142,50.

No saldo final, o Tesouro — ou seja, nós — paga para emprestar dinheiro para o BNDES.

A TJLP é definida pelo Conselho Monetário Nacional, formado pelas três principais autoridades federais na área econômica: ministro do Planejamento, ministro da Fazenda e presidente do Banco Central. Historicamente, essa taxa sempre foi menor que a SELIC, que é a taxa de juros que o Tesouro paga em seus empréstimos.

 
 
A diferença entre a Taxa SELIC (em vermelho, taxa que o governo paga na sua dívida) e TJLP (em preto, taxa que o BNDES) se transforma em um custo chamado de "subsídio implícito". Recebe esse nome por estar escondido do orçamento. Ele não entra como despesa corrente.
 
Essa diferença acaba aumentando a dívida pública da mesma maneira que gastos "normais", mas não é declarada. No saldo final, o Tesouro incorreu em um gasto líquido, mas este não consta no orçamento.


O que é a TLP e por que esse é um projeto importante

É para reduzir esta discrepância que está em votação a Medida Provisória 777, que irá substituir gradualmente, ao longo de 5 anos, a atual TJLP pela TLP (Taxa de Longo Prazo).

Na prática, a mudança é muito maior do que apenas retirar o "J" da sigla. A TLP, em vez de determinada por burocratas, será igual à taxa praticada nos títulos do Tesouro IPCA (antigamente chamados de NTN-B). Esta taxa — e quem opera no Tesouro Direto sabe — é definida pelo mercado, e não por funcionários públicos.

Consequentemente, o subsídio implícito deixa de assistir, pois o governo estará recebendo a mesma taxa que paga na sua dívida.

A medida também reduz um pouco as injustiças "em prol dos grandes", como ilustra o gráfico abaixo. Ele mostra como os empresários com acesso ao crédito do BNDES acabam recebendo um belo presente (primeira e terceira linhas), pagando juros muito abaixo da SELIC, ao passo que o "resto" precisa pagar juros muito maiores para bancar a 'meia-entrada' dos privilegiados (segunda e quarta linha).

 
 

Nunca houve almoço grátis. E nem juros baratos artificialmente. Se um grupo tem acesso a juros artificialmente baratos, então a conta só fecha se o outro grupo pagar juros muito maiores para contrabalançar os privilégios do primeiro grupo.

Este é o fenômeno da seleção adversa: os baixíssimos juros cobrados pelo BNDES têm o efeito de fazer uma segmentação do mercado de crédito. Exatamente por cobrar juros tão baixos, o BNDES irá emprestar somente para as empresas que têm o melhor perfil de risco e a maior capacidade de honrar suas dívidas. Consequentemente, os melhores tomadores serão todos capturados pelo BNDES, deixando as outras empresas — principalmente as pequenas e as médias, que têm risco maior — para o restante do sistema bancário. 

E como o sistema bancário ficará agora apenas "com as sobras", os juros cobrados para estes — que têm risco maior e histórico de crédito mais duvidoso — inevitavelmente serão maiores.

Portanto, as pequenas e médias empresas, além de arcarem com a dívida do Tesouro para financiar o BNDES, ainda são expulsas do mercado de crédito pelo próprio BNDES, só conseguindo empréstimos se pagarem juros estratosféricos. (Este fenômeno foi explicado em detalhes neste artigo).

Com a TLP, os juros do BNDES continuarão menores que os juros bancários, mas a distorção acima tende a diminuir. Longe de ser perfeito, mas já é uma melhoria.

É importante notar que, mesmo após a reforma, os bancos estatais continuarão praticando juros mais baixos do que os privados, pois eles também recebem repasses do Tesouro. Isso, infelizmente, não está sendo atacado. Mas, ao menos, a diferença agora será menor.

 

De resto, no caso do Tesouro Nacional, um estudo de Marco Bonomo, Luis Bento e Paulo Ribeiro estimou que a nova TLP pode diminuir a dívida pública em 100 bilhões de reais, o que equivale a cerca de 4 anos do Bolsa Família ou 2/3 do rombo nas contas em 2017. Já segundo o Ministério da Fazenda, com a nova taxa, o déficit no Fundo de Amparo ao Trabalhador cairá de R$ 18 para 3 bilhões.


Entra José Serra

Quais são os principais opositores deste projeto? O senador José Serra (PSDB-SP) e as principais lideranças petistas, lideradas por Lindberg Farias (PT-RJ).

A aliança de Serra com petistas não é incoerência nenhuma. Ao contrário: é mera continuidade história.

Serra, ainda na década de 1990, não se entusiasmava com as ideias do Real. Na campanha de 2002 o ex-presidente Itamar Franco declarou:
"Serra nunca apoiou o Plano Real. Primeiro, ele nunca compreendeu o Plano Real na sua concepção. O presidente (FHC) pode não querer dizer isso, mas digo com a minha responsabilidade de ex-presidente. Ele faltou com a verdade!"

Assim como o Plano Real, a TLP é um importante instrumento para que o Brasil tenha taxas de juros e inflação mais baixas. Ela coloca no orçamento aquilo que deveria estar lá, mas hoje não está.

Em artigo para o jornal O Estado de S. Paulo, Serra declarou:
"A "terapia" da TLP é do tipo "curar a doença matando o doente", começando por derrubar maciçamente os já escassos planos de investimentos."

Para começar, o senador parece não ter compreendido que a nova taxa não impede o governo de dar subsídios a empresários. É o que ele parece sugerir quando trata da "derrubada dos planos de investimento". A TLP apenas torna os subsídios mais transparentes e os obriga a aparecerem no orçamento, como ocorreu nas medidas anteriores ao Real.

Com esta nova regra, caso o BNDES queira conceder um empréstimo a uma taxa menor que TLP (ou seja, menor que as taxas da dívida pública), ele deverá buscar aprovação no Congresso Nacional. É o que acontece com todo o resto do orçamento.

O fato é que boa parte das despesas não-contabilizadas antes do Plano Real vinham justamente de operações de crédito fora do orçamento. Elas foram bastante reduzidas, mas ainda continuaram existindo. E são elas que a TLP pretende atacar.

Para entender a magnitude da falta de transparência, no ano passado, R$ 28 bilhões foram gastos em subsídios explícitos, enquanto R$ 78 bilhões foram subsídios implícitos. Para efeito de comparação, o governo brasileiro gastou R$ 27 bilhões no Bolsa Família, equivalente a cerca de um terço dos subsídios implícitos — o que é natural, dado que estes não disputam espaço no orçamento.

 
 
É razoável pensar que, se a nova regra já estivesse em vigor, investimentos de baixo retorno não seriam realizados nos últimos anos. Estádios e obras no exterior são exemplos fáceis.

É essencial notar que, ao contrário do que Serra sugere, o BNDES poderia até receber mais recursos do estado para emprestar. A diferença é que, politicamente, não seria tão fácil quanto hoje.

A TLP, na prática, retira essa decisão do estamento burocrático (e de empresários corruptos que o financiam e influenciam). E as despesas públicas voltam a ser discutidas abertamente no congresso. De novo, nada perfeito, mas melhor do que já é hoje.

A alternativa é voltar ao BNDES do segundo mandato de Lula e de todo o período Dilma, cujas políticas foram diretamente responsáveis por gerar inflação, deterioração das contas do governo, aumento dos juros, e ineficácia da política monetária. (Veja tudo isso neste artigo).

Para isso, Serra e os petistas trabalham firme.

 

A causa do colapso da Venezuela não é o preço do petróleo; é o socialismo

E nem mesmo o argumento do petróleo salva a esquerda, POR Kristian Niemietz

Então a esquerda finalmente voltou a falar sobre a Venezuela. Que bom.

Por aproximadamente uma década, praticamente toda a esquerda havia sido capturada pelo charme de Hugo Chávez e demonstrava uma paixão fervorosa pelo modelo econômico daquele país. Eram elogios copiosos e sem fim (e de toda a esquerda ao redor do mundo). A versão venezuelana do socialismo era o exemplo mais brilhante possível do modelo; e era o modelo definitivo que o resto do mundo deveria copiar.

O encômio mais famoso ainda continua sendo o do famoso esquerdista americano, David Sirota, que escreveu um ensaio para a revista Salon intitulado "O milagre econômico de Hugo Chávez".  Eis um trecho:

Chávez se tornou o bicho-papão da política americana porque sua defesa aberta e inflexível do socialismo e do redistributivismo não apenas representa uma crítica fundamental à economia neoliberal como também vem gerando resultados inquestionavelmente positivos. ... Quando um país adota o socialismo e se esfacela, ele se torna motivo de piada e passa a ser visto como um inofensivo e esquecível exemplo de advertência sobre os perigos de uma economia dirigida pelo governo. Porém, quando um país se torna socialista e sua economia apresenta o grande desempenho exibido pela economia venezuelana, ele não mais se torna motivo de piada — e passa a ser difícil ignorá-lo.

E aí, quando a economia venezuelana entrou em profundo colapso, começando ainda em 2013 (na verdade, ainda em 2010 já começou a faltar comida) e se agravando continuamente desde então, a esquerda repentinamente parou de falar no assunto. Largaram a Venezuela como se o assunto fosse uma batata quente. E então um longo período de silêncio se seguiu. No entanto, os eventos mais recentes forçaram o assunto de volta à agenda.

A vida dupla do preço do petróleo

As respostas variam.

Os articulistas da esquerda stalinista são os mais caricatos, e se parecem com uma cópia do Pravda da década de 1930. Para eles, todo o colapso se deve a uma ação muito bem coordenada por sabotadores e contra-revolucionários, os quais estariam solapando toda a economia.

Já as facções mais sagazes da esquerda já perceberam que não há muitas chances de conquistar os corações e as mentes das pessoas caso continuem emulando o discurso do vilão de um filme dos tempos da guerra fria. Consequentemente, elas adotaram um discurso mais sonoramente inócuo, dizendo que a real causa da miséria venezuelana é a queda no preço do barril de petróleo.

"Sim, é verdade que a Venezuela está mal", dizem eles. "Mas qualquer economia que seja tão dependente dos preços das commodities também teria um mau desempenho sob essas circunstâncias. Não tem nada a ver com socialismo!"

Superficialmente, parece até plausível. Porém, você se lembra de qual foi o famoso chavista que disse a seguinte frase durante o período de forte alta nos preços do petróleo:

Sim, é verdade que a Venezuela está indo bem. Mas qualquer economia que seja tão dependente dos preços das commodities também teria um bom desempenho sob essas circunstâncias. Não tem nada a ver com socialismo.

Exato, você adivinhou: nenhum deles. Na mente dos chavistas, o preço do petróleo leva uma vida dupla: quando ele sobe, o subsequente boom econômico é a prova de que o socialismo funciona. Já quando ele volta a cair, o subsequente colapso econômico nada tem a ver com o socialismo.

É verdade que o preço baixo do petróleo não ajuda em nada a economia venezuelana. Mas eis um fato: o atual preço do petróleo não está baixo. O que houve é que tivemos preços anormalmente altos para o petróleo até 2014. O preço do petróleo não entrou em "colapso". Ele simplesmente voltou ao nível que sempre foi a média de longo prazo. Mais precisamente, o preço do barril de petróleo voltou (em termos reais) ao valor que estava em 2004, aproximadamente quando começou o fanatismo da esquerda com a Venezuela.

Quando o preço do petróleo só fazia subir

O que talvez seja ainda mais importante, no entanto, é o fato de que aqueles problemas mais prementes na Venezuela, especialmente a escassez de itens essenciais como alimentos e remédios, já ocorriam antes da queda nos preços do petróleo. Veja, por exemplo, este trecho de um artigo publicado pelo britânico The Guardian (um jornal abertamente de esquerda) ainda em 2007:

Não havia qualquer sinal de leite, ovos, açúcar e óleo de cozinhar. Onde eles estavam? [...] Bem-vindo à Venezuela, uma economia pujante, mas curiosa. Uma escassez de alimentos está atormentando o país ao mesmo tempo em que as receitas de petróleo estão estimulando um grande aumento nos gastos. [...] O leite desapareceu completamente das gôndolas. […] Ovos e açúcar tambem são apenas uma memória do passado.

Vale lembrar que, em 2007, o preço do petróleo estava alcançando o maior valor de toda a sua história.

Ou, que tal este outro, publicando um ano antes de o preço do petróleo começar a cair:

A escassez de comida na Venezuela não apenas chegou ao seu ápice, como também nenhuma outra na história do país durou tanto tempo. [...] O Banco Central da Venezuela publica um índice de escassez [...] Os números para este ano estão em um nível similar ao de países que vivem uma guerra civil ou que passam por racionamentos típicos de períodos de guerra.

Sobre isso, vale uma anedota: há vários livros de espionagem, como os de Tom Clancy e Frederick Forsythe, cuja trama principal gira em torno de um país socialista (URSS, Alemanha Oriental etc.) cujo governo autoritário se apropria de uma reserva de petróleo (normalmente na costa do mar báltico). Repentinamente a economia socialista passa a ser inundada por petrodólares, o país se torna extremamente poderoso e se transforma em uma espécie de Arábia Saudita socialista em plena Europa.

A lógica sempre é a mesma: a única maneira de fazer uma economia socialista funcionar e ser poderosa é colocando reservas petrolíferas sob seu domínio. Certamente as receitas do petróleo serão capazes de fazer qualquer economia funcionar, mesmo uma socialista.

O experimento venezuelano mostra que até mesmo esses brilhantes autores erraram em suas teses econômicas.

O petróleo não é o bastante

É claro que a esquerda não tem muito o que justificar sobre a Venezuela simplesmente porque o regime venezuelano implantou exatamente todas as políticas defendidas por toda a esquerda que se opõe a uma economia de mercado.

Trata-se de um programa marcado por controle de preços, estatizações e expropriação da propriedade privada, generosos programas assistencialistas, planejamento centralizado, e uma infindável retórica sobre igualdade, redução da pobreza e, acima de tudo, combate aos "neoliberais".

Graças às políticas de controle de preços, de impressão desmedida de dinheiro, de estatização de fábricas e de lojas (até mesmo hotéis foram estatizados), absolutamente tudo está em falta no país. 

Tais medidas do governo destruíram de maneira tão completa o pouco que restava de capitalismo, que o desabastecimento se tornou geral. Aquele país que já teve a quarta população mais rica do mundo vivencia hoje uma escassez geral, com racionamento de papel higiênicocomida, cervejaeletricidadeágua e remédios. Até mesmo os hospitais ficaram sem papel higiênico e sem remédios. A taxa de mortalidade de recém-nascidos disparou

O próprio presidente venezuelano Nicolás Maduro fez a gentileza de explicar tudo ao mundo: "Há dois modelos: o neoliberal, que destrói tudo; e o chavista, que é centralizado no povo".

E não há petróleo que possa resistir a isso.

Mas o mais curioso é que os socialistas sempre argumentaram que o socialismo, algum dia, ainda irá funcionar. Até hoje ele ainda não funcionou simplesmente porque não foi corretamente implantado. Para funcionar a contento, ainda falta que alguém o adote sob todas as circunstâncias estritamente corretas.

Na prática, os socialistas de hoje estão dizendo:

É claro que o socialismo funciona. Mas há condições. Todo o necessário para o socialismo funcionar é o país possuir as mais amplas e comprovadas reservas de petróleo e o mundo vivenciar o mais longo e ininterrupto período de alta nos preços do petróleo, do modo que o preço da commodity suba para sempre e jamais volte a cair. E, mesmo que tudo isso ocorra, ainda iremos vivenciar uma constante escassez de comida, remédios e outros itens básicos e essenciais.

Porém, veja pelo lado positivo: você terá um exército de intelectuais ocidentais que estarão o tempo todo dizendo o quão sortudo você é por viver neste sistema.

E aí? Foi seduzido?

Com petróleo e sem sabão, Venezuela tem gasolina quase gratuita (FOLHA)

YAN BOECHAT, COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM CARACAS

Afundada em uma crise financeira e de abastecimento, a Venezuela está oferecendo gasolina de alta qualidade praticamente de graça a seus cidadãos na tentativa de conter as tensões sociais.

Sem reajustes há mais de um ano —período em que a inflação superou 750%—, o litro da gasolina serve como um retrato paradoxal do colapso do país.

  Yan Boechat/Folhapress  
Frentista enche o tanque de um carro em Caracas; com US$ 0,01 pode-se comprar 160 litros de gasolina
Frentista enche o tanque de um carro em Caracas; com US$ 0,01 pode-se comprar 160 litros de gasolina

Com o equivalente a US$ 0,01, é possível comprar mais do que um barril do combustível (159 litros) em sua versão mais barata, a que contém chumbo. Com o valor pago por um cafezinho, um venezuelano pode levar para casa cerca de 3.000 litros do combustível, o suficiente para encher o tanque de um carro de porte médio 60 vezes.

Mesmo na versão mais cara (sem chumbo), uma xícara de café é o suficiente para comprar um pouco mais que três barris de gasolina. Até para os padrões venezuelanos, a gasolina nunca teve preços tão baixos.

"A inflação é tamanha, e os preços [do combustível] não sobem. Logo não teremos mais como pagar pela gasolina com dinheiro, apenas com cartão", diz o taxista Alfredo Gutierrez, que gasta o equivalente a US$ 0,10 por mês para rodar com seu carro abastecido com a versão premium (sem chumbo).

O desequilíbrio nos preços é de tal grandeza que qualquer comparação com valores pagos por itens de consumo simples ganham contornos surreais.

Com a crescente escassez de produtos de higiene pessoal, um pacote de fraldas de uma marca chinesa pouco conhecida com 47 unidades custa o mesmo que encher quatro caminhões tanque de 50 mil litros com a versão mais barata do combustível.

LIMPEZA

O salário mínimo da Venezuela é de cerca de 100 mil bolívares, aos quais são acrescidos outros 130 mil bolívares em uma espécie de tíquete alimentação. Pelo câmbio negro desta quinta (24), isso significava pouco menos do que US$ 15 (R$ 50).

Mesmo assim, a gasolina ainda é extremamente barata para os venezuelanos, ainda que a maior parte da população receba o salário mínimo. "Foi a única coisa que nos sobrou", diz o mecânico Luiz Ramírez, enquanto retirava a graxa das mãos em uma bacia cheia de gasolina.

  Yan Boechat/Folhapress  
O mecânico Luiz Ramirez, 31, lava mãos com gasolina pura para retirar a graxa em oficina de Caracas
O mecânico Luiz Ramirez, 31, lava mãos com gasolina pura para retirar a graxa em oficina de Caracas

Nas oficinas mecânicas venezuelanas, a gasolina é usada para diversos fins: além de substituir sabonetes e cremes para limpeza dos funcionários, serve para lavar peças de automóveis ou diluir tinta.

"Um sabonete chinês pequeno, que nada lava, custa quase 3.000 bolívares quando você o encontra. Com esse dinheiro, compramos gasolina para toda a vida aqui", diz Ángel Castellano, chefe de uma oficina que diz usar cerca de 100 litros do combustível por mês para limpeza de seus funcionários, das peças e dos motores.

"Para tirar o cheiro, usamos espuma de lavar carro, mais baratas".

Dona das maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo, segundo a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), a Venezuela sempre viveu em uma montanha russa financeira por nunca ter diversificado sua economia, mesmo antes de Hugo Chávez (1954-2013) assumir o poder, em 1999.

"Crescemos ouvindo que somos ricos em petróleo, essa cultura da gasolina barata está entranhada, mas nunca chegamos ao estágio em que estamos agora, em que ela é virtualmente gratuita", diz o economista Efrain Velázquez, presidente do Conselho Nacional de Economia da Venezuela. "Ainda assim, se os preços aumentarem, as pessoas vão protestar".

     
 

Símbolo da pujança econômica venezuelana no passado, a gasolina representa também um dos maiores traumas de sua história recente.

Em 1989, Carlos Andrés Pérez assumiu a Presidência pela segunda vez com a promessa de salvar o país da crise. Sua primeira medida foi dobrar o preço da gasolina para reduzir os subsídios e equilibrar as contas públicas.

O povo reagiu com uma onda de saques. Pérez colocou o Exército nas ruas, e mais de 300 pessoas foram mortas pelas forças de segurança em menos de uma semana.

O episódio, que ficou conhecido como Caracazo, marca o início do processo que fez com que Chávez, dez anos depois, impusesse a primeira derrota nacional às oligarquias que dominaram o país no século 20.

"O governo não quer mexer com a gasolina, teme que ela seja o estopim para o fim do seu ciclo como foi para seus opositores", diz o economista José Toro Hardy, ex-diretor da PDVSA, a estatal de petróleo venezuelana.

"No fim, quem perde somos nós. Só no ano passado a PDVSA usou quase 30% de sua produção e gastou cerca de US$ 5,5 bilhões para dar gasolina quase de graça aos venezuelanos", afirma. "Isso não faz sentido quando não temos moeda forte para importar remédios ou comida".

Os postos de gasolina são um dos raros pontos de venda de itens de consumo a preços regulados pelo governo na Venezuela em que não há filas e a oferta é vasta.

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Fonte:
Inst Mises + Estadão

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