"ALGO HICIMOS MAL", por Oscar Arias, em 2009 (na Cúpula das Américas)

Publicado em 28/04/2017 07:51 e atualizado em 29/04/2017 08:01
Oscar Arias, ex- Presidente da Costa Rica em discurso na Cúpula das Américas em Trinidad e Tobago, EM 18 DE ABRIL DE 2009 "

Tenho a impressão de que cada vez que os países caribenhos e latino se reúnem com o presidente dos Estados Unidos da América, é para pedir-lhe coisas ou para reclamar coisas. Quase sempre, é para culpar os Estados Unidos de nossos males passados, presentes e futuros.

Não creio que isso seja de todo justo.

Não podemos esquecer que a América Latina teve universidades antes de que os Estados Unidos criassem Harvard e William & Mary, que são as primeiras universidades desse país. Não podemos esquecer que nesse continente, como no mundo inteiro, pelo menos até 1750 todos os americanos eram mais ou menos iguais: todos eram pobres.

Ao aparecer a Revolução Industrial na Inglaterra, outros países sobem nesse vagão: Alemanha, França, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e aqui a Revolução Industrial passou pela América Latina como um cometa, e não nos demos conta.

Certamente perdemos a oportunidade.

Há também uma diferença muito grande. Lendo a história da América Latina, comparada com a história dos Estados Unidos, compreende-se que a América Latina não teve um John Winthrop espanhol, nem português, que viesse com a Bíblia em sua mão disposto a construir uma cidade sobre uma colina, uma cidade que brilhasse, como foi a pretensão dos peregrinos que chegaram aos Estados Unidos.

Faz 50 anos, o México era mais rico que Portugal. Em 1950, um país como o Brasil tinha uma renda per capita mais elevada que a da Coréia do Sul. 

Faz 60 anos, Honduras tinha mais riqueza per capita que Cingapura, e hoje Cingapura em questão de 35 a 40 anos é um país com $40.000 de renda anual por habitante.

Bem, algo nós fizemos mal, os latinoamericanos.

Que fizemos errado?

Nem posso enumerar todas as coisas que fizemos mal. 

Para começar, temos uma escolaridade de 7 anos. Essa é a escolaridade média da América Latina e não é o caso da maioria dos países asiáticos. Certamente não é o caso de países como Estados Unidos e Canadá, com a melhor educação do mundo, similar a dos europeus. 

De cada 10 estudantes que ingressam no nível secundário na América Latina, em alguns países, só um termina esse nível secundário. 

Há países que têm uma mortalidade infantil de 50 crianças por cada mil, quando a média nos países asiáticos mais avançados é de 8, 9 ou 10.

Nós temos países onde a carga tributária é de 12% do produto interno bruto e não é responsabilidade de ninguém, exceto nossa. Ninguém tem a culpa disso, a não ser nós mesmos.

Em 1950, cada cidadão norte era quatro vezes mais rico que um cidadão latinoamericano. Hoje em dia, um cidadão norteamericano é 10, 15 ou 20 vezes mais rico que um latino.

Isso não é culpa dos Estados Unidos, é culpa nossa. 

No meu pronunciamento desta manhã, me referi a um fato que para mim é grotesco e que somente demonstra que o sistema de valores do século XX, que parece ser o que estamos pondo em prática também no século XXI, é um sistema de valores equivocado. Porque não pode ser que o mundo rico dedique 100.000 milhões de dólares para aliviar a pobreza dos 80% da população do mundo "num planeta que tem 2.500 milhões de seres humanos com uma renda de $2 por dia" e que gaste 13 vezes mais ($1.300.000.000.000) em armas e soldados.

*Como disse esta manhã, não pode ser que a América Latina gaste $50.000 milhões em armas e soldados. 

Eu me pergunto: quem é o nosso inimigo? Nosso inimigo, presidente Correa, desta desigualdade que o Sr. aponta com muita razão, é a falta de educação; é o analfabetismo; é que não gastamos na saúde de nosso povo; que não criamos a infra-estrutura necessária, os caminhos, as estradas, os portos, os aeroportos; que não estamos dedicando os recursos necessários para deter a degradação do meio ambiente; é a desigualdade que temos que nos envergonhar realmente; é produto, entre muitas outras coisas, certamente, de que não estamos educando nossos filhos e nossas filhas. 

Vá alguém a uma universidade latino e parece no entanto que estamos nos sessenta, setenta ou oitenta. Parece que nos esquecemos de que em 9 de novembro de 1989 aconteceu algo de muito importante, ao cair o Muro de Berlim, e que o mundo mudou.

Temos que aceitar que este é um mundo diferente, e nisso francamente penso que os acadêmicos, que toda gente pensante, que todos os economistas, que todos os historiadores, quase concordam que o século XXI é um século dos asiáticos não dos latinoamericanos. E eu, lamentavelmente, concordo com eles. 

Porque enquanto nós continuamos discutindo sobre ideologias, continuamos discutindo sobre todos os "ismos" (qual é o melhor? capitalismo, socialismo, comunismo, liberalismo, neoliberalismo, socialcristianismo...) os asiáticos encontraram um "ismo" muito realista para o século XXI e o final do século XX, que é o *pragmatismo*. 

Para só citar um exemplo, recordemos que quando Deng Xiaoping visitou Cingapura e a Coréia do Sul, depois de ter-se dado conta de que seus próprios vizinhos estavam enriquecendo de uma maneira muito acelerada, regressou a Pequim e disse aos velhos camaradas maoístas que o haviam acompanhado na Grande Marcha: "Bem, a verdade, queridos camaradas, é que a mim não importa se o gato é branco ou negro, só o que me interessa é que cace ratos". 

E se Mao estivesse vivo, teria morrido de novo quando disse que "a verdade é que enriquecer é glorioso".

E enquanto os chineses fazem isso, e desde 1979 até hoje crescem a 11%, 12% ou 13%, e tiraram 300 milhões de habitantes da pobreza, nós continuamos discutindo sobre ideologias que devíamos ter enterrado há muito tempo atrás. 

A boa notícia é que isto Deng Xiaoping o conseguiu quando tinha 74 anos. Olhando em volta, queridos presidentes, não vejo ninguém que esteja perto dos 74 anos. 

Por isso só lhes peço que não esperemos completá-los para fazer as mudanças que temos que fazer.

Muchas gracias."

Oscar Arias, ex- Presidente da Costa Rica em discurso na Cúpula das Américas em Trinidad e Tobago, EM 18 DE ABRIL DE 2009 "

*Oscar Rafael de Jesus Arias Sánchez  é um político da Costa Rica. Foi presidente de seu país no período 1986-1990.Por ter proposto um acordo de paz para a América Central, foi agraciado com o Nobel da Paz de 1987.Voltou a ser eleito presidente em 2006, para o período 2006-2010. Ele também foi indicado ao Prêmio Humanitário Albert Schweitzer, e em 2003 foi indicado para o conselho de administração do Tribunal Penal Internacional. Ele também é atualmente um membro do Clube de Madrid, uma organização sem fins lucrativos composta por 81 ex-líderes de estados democráticos,do qual o Presidente Fernando Henrique Cardoso faz parte, que funciona para fortalecer as instituições democráticas.

Erros grosseiros no Índice de Sustentabilidade de Alimentos (por Marcos Sawaya Jank (*) na FOLHA DE S. PAULO

Indicadores conceitualmente equivocados rebaixam o Brasil em índice feito pela The Economist e a Barilla

A EIU (Economist Intelligence Unit), divisão de dados da revista “The Economist”, lançou recentemente o Índice de Sustentabilidade de Alimentos. Patrocinado pelo Centro Barilla para Alimentos e Nutrição, o índice é composto por 34 indicadores usados para ranquear 25 países em três grandes áreas: perdas e desperdício de alimentos; agricultura sustentável; saúde e nutrição. Trata-se de uma iniciativa relevante e inovadora, que chega em boa hora.

Surpreendentemente o Brasil foi classificado numa das piores posições: 20º lugar. Em agricultura sustentável, área em que avançamos mais do que qualquer outro país nos últimos anos, fomos puxados para baixo por indicadores conceitualmente equivocados ou de mensuração altamente questionável. A saber:

Impacto ambiental da agricultura na terra: fomos punidos pelo uso elevado de fertilizantes e agroquímicos. Ora, corrigir e adubar solos e combater pragas e doenças deveria dar nota alta, e não baixa, principalmente em zona tropical, onde se plantam duas safras por ano. Alta tecnologia, se bem utilizada, aumenta a produção e poupa terra. Nos trópicos, é o que separa quem deu certo e quem fracassou.

Uso da terra: segundo o indicador, seriam sustentáveis os países que têm maior área relativa ocupada com produção orgânica. O contrassenso é evidente: como a produtividade da agricultura orgânica é notoriamente menor do que a da agricultura convencional, ela fatalmente acabará demandando maiores extensões de terra, leia-se desmatamento adicional, além do impacto do maior custo do alimento final. Aqui não aparece nenhuma referência ao percentual da área de cada país preservada com florestas (onde somos campeões mundiais) ou à obrigatoriedade de manter reservas florestais em cada propriedade rural, que só existe no Código Florestal brasileiro.

Qualidade dos subsídios agrícolas: as políticas protecionistas da Europa, do Japão e da Coreia do Sul são muito mais dispendiosas e distorcivas que as da Austrália, da Argentina e do Brasil. Basta ver os estudos da OCDE ou checar as notificações na OMC. Sem comentários.

Diversificação do uso da terra: com toda a nossa experiência acumulada na rotação de culturas, na integração lavoura-pecuária e duas a três safras por ano na mesma área, recebemos "nota zero" nesse conceito. Inacreditável terem proposto um método de mensuração que não faz sentido, e ainda com contas erradas.

Impacto da produção de rações animais e biocombustíveis no uso da terra: as teses absurdas desse indicador são: a) as rações servem para produzir proteínas animais (carnes e lácteos), produtos que por definição seriam "insustentáveis"; b) a bioenergia é ruim para o meio ambiente porque prejudica a produção de alimentos, independentemente se ela gera energia renovável ou é feita de milho, cana-de-açúcar ou biomassa.

Na parte de nutrição e saúde, o indicador para "adoção de dietas não saudáveis" é a população do país dividida pelo número total de restaurantes das cadeias McDonald's, KFC e Burger King. Ora, basta ver as filas que se formam nesses restaurantes nas cidades em que o cidadão não acha os alimentos com a origem e o padrão de qualidade e sanidade oferecido por essas redes.

Enfim, não surpreende que o patrocínio de um trabalho com vieses tão claros —como essa visão preconceituosa contra proteínas animais— venha de uma das principais empresas que vendem carboidratos no mundo, que é líder mundial em macarrão e com significativa participação nos segmentos de pães e biscoitos.

Difícil mesmo é entender por que a área de dados da "Economist" não checou seriamente a pertinência dos indicadores propostos ou ao menos abriu o debate sobre esse índice para círculos científicos fora da Europa.

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.

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Fonte:
na + folha de s. paulo

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1 comentário

  • Cassiano aozane Vila nova do sul - RS

    Relatório este foi muito bem pago, a metodologia é irrelevante, o que importa são as conclusões serem de acordo com os interesses do patrocinador.

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