"Feudo sindical" (na FAESP), e "O país dos maus caminhos"

Publicado em 06/03/2017 07:24

Editorial da Folha: Feudo sindical 

Designações muito abrangentes, como "ruralistas", carregam o defeito de homogeneizar realidades muito díspares até o ponto da irrelevância. Tome-se o caso do agronegócio: sob a rubrica abriga-se desde o mais globalizado exportador de grãos do Centro-Oeste até o menos produtivo pecuarista da Amazônia.

O panorama do campo no Estado de São Paulo se distingue pelo ultraeficiente cultivo e processamento da cana-de-açúcar. Isso não impede que a classe produtora paulista conviva com resquícios de patrimonialismo retrógrado, como observa-se há quatro décadas na Federação da Agricultura e Pecuária do Estado (Faesp).

Desde 1975 a entidade tem como presidente Fábio Meirelles, ex-deputado federal (1991-95) pelo antigo PDS. Ele foi reeleito em 2015, mais uma vez, pelos 237 sindicatos que representam cerca de 200 mil proprietários rurais do Estado.

Para começar, parece desmesurada essa quantidade de instituições classistas. Ao que tudo indica, uma multiplicação estimulada pelo fluxo garantido de contribuições obrigatórias.

Só a Faesp recebeu, em 2016, R$ 16 milhões. E o mesmo dirigente comanda o braço bandeirante do Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), ao qual coube a gestão de R$ 119 milhões do chamado sistema S em 2015.

Evidentemente, um comando tão amplo e por tanto tempo haveria de resultar em relações inapropriadas. Conforme noticiou esta Folha, filhos de Meirelles desenvolvem atividades profissionais ligadas, de maneira mais ou menos direta, às duas entidades.

Na raiz das distorções está o imposto sindical compulsório, instituído na década de 1940 pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para patrões e funcionários.

No caso do setor rural, a legislação atual estabelece que, dos recursos arrecadados com o tributo, 60% sejam destinados aos sindicatos rurais, 20% ao Ministério do Trabalho, 5% à confederação nacional e 15% às federações estaduais como a Faesp.

A proliferação de sindicatos não acomete apenas o setor agrícola, é verdade. No entanto, se as suas alas mais modernas pretendem de fato melhorar a imagem da classe produtora com algo mais que propaganda, podem principiar por cuidar melhor da representatividade de seus líderes.

Editorial do Estadão: O país dos maus caminhos

No Brasil é muito mais fácil produzir uma supersafra do que levá-la aos mercados. Recordes de produção foram batidos muitas vezes no último quarto de século, e isso se repete, agora, com a perspectiva de colheita de 219,14 milhões de toneladas de grãos na temporada 2016-2017. Mas a supersafra pode ir para o ralo, adverte o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, por causa do estado lamentável das estradas. Num país dependente de rodovias para a maior parte do transporte de produtos, a malha rodoviária, além de insuficiente, é muito mal conservada. Nem se investe para ampliá-la nem se faz o necessário para mantê-la em condições aceitáveis de uso. Ao alertar para o risco de novas perdas, o ministro apontou especialmente os problemas de tráfego na parte sem pavimentação da BR-163. Essa estrada federal é a mais importante ligação entre a zona produtora de grãos de Mato Grosso e os portos do Norte do Brasil. A chuva tornou intransitável um trecho normalmente ruim, mas isso é só um exemplo de uma enorme coleção de problemas.

São rotineiras, no Brasil, as dificuldades para levar a produção agrícola, especialmente em anos de safras muito boas, para as indústrias processadoras, para os canais de distribuição interna e para os portos. O agronegócio tem sido há muitos anos o setor mais competitivo da economia brasileira. Sua eficiência é reconhecida em todo o mundo. Mas seu poder de competição decorre quase exclusivamente do processo produtivo. As vantagens competitivas alcançadas na atividade rural são em boa parte corroídas nas etapas seguintes, quando o processamento e a comercialização dos produtos dependem da logística.

O drama é especialmente visível quando se trata da exportação. Depois de vencer longos trajetos em estradas estreitas, esburacadas, mal sinalizadas e com sérios defeitos de projeto, os caminhoneiros ainda enfrentam enormes filas para descarregar a mercadoria nos portos. As filas quilométricas de caminhões são componentes bem conhecidos dessa rotina. Parte significativa das vantagens de custo obtidas na produção é perdida na logística insuficiente e ineficiente.

Em 2016 a Confederação Nacional do Transporte avaliou as condições de 103.259 quilômetros de rodovias. Esse trabalho é realizado regularmente há muitos anos. Trechos correspondentes a 23,6% desse total foram classificados como ruins ou péssimos, com base no critério geral (pavimento, sinalização e geometria). A parcela considerada abaixo de boa aumenta para 58,2% quando se acrescentam os trechos qualificados como regulares. No caso do pavimento, 48,3% dos trechos foram considerados menos que bons.

O cenário fica muito mais feio quando se usa o critério da geometria – itens como alinhamento, curvas, inclinações e dispositivos de drenagem. Foram encontrados 22,1% de trechos bons e ótimos. Mais de três quartos – 77,9% – ficaram abaixo de bons e exatamente 50% foram julgados péssimos e ruins. Quando se examinam em conjunto as características de pavimento e geometria o resultado só pode ser assustador.

Com os estragos causados pelas chuvas, veículos ficaram parados na BR-163 por cerca de duas semanas, em 50 quilômetros de congestionamento, e começaram a movimentar-se nos últimos dias. Um grupo de trabalho criado no Ministério dos Transportes deverá cuidar das condições de tráfego da estrada até o fim da safra de soja. O grupo deverá garantir a manutenção da rodovia e coordenar a circulação de veículos.

O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes anunciou o asfaltamento de 60 quilômetros neste ano e de 40 no próximo. Faltarão, depois disso, outros 90 quilômetros. Mas o problema é muito maior e nenhum governo poderá resolvê-lo com medidas emergenciais ou com investimentos anunciados depois de um alerta do ministro da Agricultura. Toda a economia brasileira é prejudicada pela deficiência dos transportes e, de modo geral, da infraestrutura. Faltaram planejamento e gestão, durante anos, enquanto sobraram corrupção, gastança e incompetência. O caso da BR-163 é só a minúscula extremidade da ponta do iceberg.

Governo Temer é geringonça difícil de derrubar, por Vinicius Mota

A ansiedade que antecede a divulgação da nova lista de investigados ilustres do procurador Janot agita a República. A torcida ao redor dos defenestrados pelo impeachment aproveita a oportunidade e amplia o coro "Fora, Temer".

Os profissionais da política, contudo, já entenderam a natureza do jogo. A Lava Jato tem baixa probabilidade de dissolver, até o pleito de outubro do ano que vem, o amálgama deste governo de transição.

O foro privilegiado garante uma longa sobrevida aos implicados. Em março de 2015, a primeira lista de Janot foi divulgada pelo Supremo com dezenas de investigados. Dois anos depois, nada de notável aconteceu na corte, a não ser a abertura de processo contra Eduardo Cunha.

Apenas uma feitiçaria do STF, difícil de acontecer, poderia remeter muitos desses inquéritos para a primeira instância federal, que tem se mostrado mais célere.

Resta o julgamento das contas da chapa Dilma-Temer pelo tribunal eleitoral. Prazos regimentais, nomeações de novos juízes pelo presidente da República e o leque de recursos da defesa, que pode fazer o caso chegar até o Supremo, alongam no horizonte a definição desse litígio.

A solução da Carta na hipótese de cassação de Temer, um pleito indireto para mandato tampão, torna-se tanto mais insólita quanto mais se aproxima a eleição direta regular. Os juízes levarão isso em conta ao decidir o processo eleitoral.

A tecnologia para lidar com impactos políticos da Lava Jato está desenvolvida. O Congresso e sua maioria de centro-direita governam através de Temer. Um ministro que cai é logo trocado por outro indicado pelo Legislativo. Se a geringonça funcionar, o vencedor em 18 não precisará adotar medidas tão duras na economia.

Por isso presidenciáveis profissionais, como Lula, não contam com a queda de Temer. Tampouco desgostam de que ele carregue o peso das reformas ingratas. 

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Fonte:
Folha de S. Paulo + Estadão

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