"Urgência urgentíssima", por PEDRO PASSOS, na FOLHA

Publicado em 22/04/2016 08:02
na FOLHA DE S. PAULO (edição desta sexta-feira)

Já no discurso de posse, o provável governo interino de Michel Temer deverá esclarecer a gravidade das contas públicas e a urgência das correções a serem implantadas de imediato, sob pena de não obter a credibilidade necessária para colocar o país no seu novo caminho.

Não há tempo a perder. Os próximos dois anos serão definidos a partir das decisões tomadas nos primeiros 30 dias contados a partir da decisão do Senado sobre a admissibilidade do impeachment de Dilma.

A adoção de pelo menos cinco ações prioritárias garantirá ao governo as condições para enfrentar no momento certo outros desafios gigantescos, a exemplo das reformas tributária e trabalhista.

A agenda de reconstrução nacional deve começar pela recuperação da liturgia do cargo que a Presidência os ministérios se obrigam a cumprir, dedicando-se, sobretudo, às questões estratégicas do país, sem se apequenar pelo varejo político e pelo apego ao poder a qualquer preço, como ocorreu nos últimos meses.

Isso só será possível se a escolha dos ministros contemplar nomes reconhecidos e respeitados, senhores de habilidades para manter um diálogo de qualidade com a sociedade e as instâncias políticas.

A confiabilidade transmitida pela equipe ministerial contribuirá para o sucesso de uma segunda iniciativa, pela qual há um clamor geral: restaurar a credibilidade da gestão fiscal do governo. Sem esse princípio, nada mais será possível.

Os parâmetros para esse resgate já estão firmados na Constituição e na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) –trata-se apenas de cumpri-los.

Isso requer desmontar armadilhas fiscais, como as extravagantes desonerações e a parafernália de subsídios e regimes especiais que tratam de forma desigual setores igualmente produtivos e relevantes para a economia. Tal revisão provocará reações, mas não pode ser evitada.

Outro sinal do compromisso com a solvência das contas públicas será iniciar imediatamente gestões no Congresso para endereçar a reforma da Previdência, indispensável para a solução estrutural do constrangimento fiscal.

A terceira frente a atacar é a do endividamento de Estados e municípios. O equilíbrio das contas regionais vai gerar mais confiança na economia, ajudando a desinterditar o caminho do crescimento e a reverter a tendência de desemprego.

A repactuação das dívidas de Estados e municípios deve obedecer à LRF, o que implica a concessão de contrapartidas em termos de redução permanente de despesas de qualquer caráter.

Outro alicerce se assenta no anúncio de um ambicioso programa de concessões de infraestrutura, baseado em taxas de retorno que o mercado considere realistas para o momento e na remoção de entraves regulatórios. Tais decisões vão fortificar os investimentos de longo prazo.

Por fim, também são prioritárias medidas que reforcem a expectativa de melhora do ambiente de negócios. A abertura de mercado, determinada e sem retrocessos, vai gerar maior concorrência, estimulará a inovação e aumentará a produtividade. Vai nessa direção a definição de prazo para a redução das tarifas de importação, aliada à busca de acordos comerciais e tecnológicos com os países desenvolvidos –estratégia abandonada na última década.

No plano interno, seriam bem-vindas ações para simplificar o dia a dia do cidadão e do empreendedor.

A implantação dessas cinco medidas exige empenho político e convencimento da sociedade. Não há alternativa. A falta de ação, a esta altura, não deixará tudo como está. Ao contrário: acentuará a ruína econômica, com efeitos imprevisíveis nas relações sociais.

 

Elites temem governo mambembe

Por VINICIUS TORRES FREIRE

Ainda é difícil saber o que tem de verdade nesses convites e desconvites para o virtual ministério Temer, típico de conversas sobre a formação de ministérios de qualquer governo. A fofoca fica mais rumorosa em caso de quem assume mandatos pescados em águas turvas e de duração incerta.

De mais certo é que vários ministeriáveis com reputação intelectual ou política a zelar temem tomar o caminho de um governo que ora parece tão seguro quanto a passarela de bicicletas que desgraçadamente desabou e matou nesse Rio infelicitado pelo PMDB.

Abre parênteses: o show de horror desclassificado da política tem uma participação muito especial do PMDB do Rio. Quebraram o Estado. De lá saíram Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, os Picciani, o cafajeste que batia na mulher, amiguinho de Eduardo Paes, a grande esperança branca do PMDB. Fecha parênteses.

Essa elite dos "ministeriáveis" teme a desmoralização pessoal em um governo mambembe. Tem medo de razias das hordas de hunos do Congresso.

Pessoas respeitáveis e preocupadas de fato com o governo do país temem passar por um processo de "joaquinização". Isto é, serem solapadas, desautorizadas e fritas como Joaquim Levy, ministro da Fazenda do primeiro ano de Dilma 2.

Duvidam da falta de apoio, de legitimidade e das convicções do governo. O PMDB aderiu à "causa liberal" faz apenas seis meses, quando pisou na "Ponte para o Futuro". Trata-se do plano de reformas lançado por Temer em outubro passado, um programa da campanha que o vice começara em agosto.

Esses "ministeriáveis" temem as contas a pagar que o governo terá no Congresso: com Cunha, caciquetes do "centrinho" e caciques do PMDB que ficaram com Dilma Rousseff (de Renan Calheiros a Jader Barbalho).

Imaginam que o apoio dessa gente possa custar a desidratação das "reformas". Sabe-se lá o que vai acontecer, mas essa é uma ansiedade desses "ministeriáveis". Trata-se da mesma preocupação de parte pesada da elite econômica, em particular daquela que nunca viu graça no impeachment. Os maiores banqueiros do país pensam mais ou menos assim.

Quanto à "joaquinização", ninguém usa esse nome inventado pelo jornalista. Mas a memória da desmoralização de Levy está fresca.

O ministro assumiu com um programa amplo, que ia de ajuste fiscal a abertura comercial, passando por reforma tributária etc., citando palavras grandes como "fim do patrimonialismo", citação errada, aliás, mas não vem agora ao caso.

Logo, Dilma Rousseff podou a árvore de Levy quase à morte, deixando um galho fraco de ajuste e um ramo seco de reforma tributária. O PT fritou o ministro sem parar. Em abril, ele já era tostado por seus colegas de ministério.

Em maio, Levy perdeu uma refrega sobre corte de gastos. Em julho, engoliu o fim do superavit primário, na prática. Em agosto, passou o vexame terminal de ser obrigado a mandar para o Congresso um Orçamento com previsão de deficit. Em setembro, o crédito do país seria oficialmente rebaixado. Levy também. Daí em diante, seria rolado rampa abaixo por Dilma e Planalto.

Um destino similar ao de Levy, a ruína econômica e a sujeira política assombram o diminuto establishment mais esclarecido.

 

O tamanho da reforma, por ELIO SCHWARTSMANN

SÃO PAULO - Qualquer que seja o desfecho dessa crise, a ideia de reforma política vai entrar na pauta de discussão do país. E não há muita dúvida de que o nosso sistema precisa de um aprimoramento.
A tentação, nessas horas, é propor mudanças radicais. Semipresidencialismo, parlamentarismo, distrital puro, distrital misto são ideias que já começam a circular por aí.

De minha parte, tenho a convicção de que o parlamentarismo é em quase tudo superior ao presidencialismo e de que a adoção de um sistema de votação majoritária por distritos, em que pese uma série de problemas, tenderia a produzir mais estabilidade política, além de outras vantagens, como o barateamento das campanhas para o Legislativo.

Tenho sérias dúvidas, porém, de que seja realmente o caso de partirmos para reformas de grande envergadura. Em primeiro lugar, elas são irrealistas. Nossos deputados, que teriam de aprovar as mudanças, são beneficiários do atual sistema. Dificilmente se animarão a destruí-lo.

Mais importante, qualquer sistema precisa de um período de amadurecimento. Se a cada crise um pouco mais grave mudamos tudo, não damos chance para que eleitores e políticos aprendam a navegar pelas regras. Isso faz com que eu me incline mais por um cardápio de reformas contidas, que, embora longe do ótimo, têm maior probabilidade de ocorrer e apresentar resultados.

Com essa abordagem minimalista, acho que o mais urgente é pôr um freio à proliferação de partidos. Pode ser uma cláusula de barreira tradicional ou apenas a retirada das vantagens oferecidas a legendas que não tiverem um desempenho mínimo. Também acabaria com o voto obrigatório e eliminaria o teto de representantes por Estado. Se quisermos ser mais ousados, arriscaria um distrital misto. Mas não devemos nutrir ilusões. O benefício é limitado. Na melhor hipótese, a Câmara ficaria mais parecida com o Senado.

 

Com saudades de mim, por REINALDO AZEVEDO

Desde o dia 15 de março do ano passado, procuro, movido pela curiosidade e pela necessidade de melhorar meus próprios argumentos, uma leitura de esquerda sobre as múltiplas faces da crise que aí está. Mas quero uma abordagem que não me remeta a debates da década de... 50! E um dos locais da minha busca é esta Folha. Afinal, havendo esquerdista alfabetizado, é grande a chance de estar por aqui.

A minha decepção é grande. Nestas páginas, já vi até "a Velha Senhora" –a desclassificada luta de classes– receber uma respiração boca a boca, na esperança de que, ressuscitada, ela pudesse abrir os caminhos do entendimento, como a liberdade, de seios nus, a guiar o povo no quadro de Delacroix. E nada!

Sim, queridos, eu sei que, aos olhos das esquerdas, não sou bom como Carlos Lacerda ou José Guilherme Merquior (elas vivem a me dizer isso). Até parece que esses são meus marcos de superação. E sei que não sou, entre outras razões, porque estou vivo, e os esquerdistas podem até reconhecer um conservador de miolos, desde que esteja morto. O máximo de pluralidade que admitem é a do cemitério. Mas sem flores para alguns mortos, por favor!

Aprendi a ser prudentemente pessimista sobre questões que dizem respeito à vida pública. Fico propenso à abulia quando constato que a ignorância, a minha inclusive, é ilimitada e que a sabedoria, mesmo a mais espetacular, tem fronteiras. Um amigo me enviou no domingo passado uma mensagem entusiasmada sobre o resultado da votação na Câmara. Devolvi um "Muito bom! Parabéns a todos!". E ele: "Eu, hein!? Que cara sem entusiasmo!".

Sou assim: mais me excita a luta do que o gosto da vitória. Sou do tipo, já devo ter escrito aqui, que se comove vendo os olhos do Golias de Caravaggio, tão demasiadamente humanos, na cabeça que Davi ergue nas mãos com expressão pesarosa. A exemplo de toda derrota, aquela também é triste. Mas a vitória é circunspecta. O quadro resume a condição humana sem amesquinhamentos cotidianos.

Busquei, nestes dias, na pena dos litigantes de esquerda, algo que os aproximasse, e aqueles a quem defendem, da vida real. Eu não queria as prefigurações daquilo que o poeta Bruno Tolentino sintetizou magistralmente na expressão, que virou livro: "O Mundo como Ideia".

E tudo o que encontrei foi a certeza de que, mais uma vez, estaríamos assistindo apenas ao movimento pendular da história. Estes seriam tempos em que a paixão revolucionária –de que os esquerdistas se querem procuradores ou agentes– cede às imposições termidorianas dos "donos do poder", cuja função é garantir que este mundo continue a ser um vale de lágrimas.

Para eles, não há nada de novo sob o sol. Em sua determinação de ver o presente a repetir o passado, justificam os crimes mais grotescos –isso não surpreende, convenhamos– e são capazes de ressuscitar, na prática, as teses do defunto leninismo, segundo as quais a revolução se faz mesmo é por intermédio das vanguardas conscientes, dado que as maiorias teriam sido abduzidas pelos agentes da reação e, por isso, teriam se transformado em militantes inconscientes do atraso.

Não tenho por que sonegar uma verdade indisfarçável na minha trajetória: eu aprendi muito com os teóricos de esquerda quando as esquerdas podiam ensinar alguma coisa. Hoje, olho pra elas e, a exemplo do poeta, sinto uma espécie de saudades de mim.

 

Movimentos sociais vão parar estradas em protesto contra impeachment, por MONICA BÉRGAMO

Movimentos sociais como o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e a Frente Povo sem Medo pretendem interromper na próxima semana o fluxo de 30 estradas, em pelo menos dez Estados. O protesto é contra o impeachment de Dilma Rousseff e a eventual posse de Michel Temer na Presidência da República.

DATA
A interrupção está sendo programada para ocorrer até a quarta-feira (27).

SOB CONDIÇÕES
Antes excluído, o senador José Serra (PSDB-SP) passou a fazer parte na semana passada da lista de ministeriáveis para a pasta da Fazenda –mas dizia a interlocutores que só aceitaria o cargo sob condições. Uma delas, indicar ou pelo menos ter extrema afinidade com o presidente do Banco Central e o Ministério do Planejamento.

ABCD
A lista de Temer para o Ministério da Fazenda já chegou a ter nomes de perfis distintos como Serra, Marcos Lisboa, Murilo Portugal e Armínio Fraga, entre outros. O vice-presidente já ouviu pelo menos duas negativas –de Fraga e de Lisboa.

 

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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