Há potencial de crescimento na onda anti-Governo pelo "contágio afetivo" (no EL PAÍS)

Publicado em 18/03/2015 08:20
Pesquisas mostram que eleitores da petista irritados ainda não aderiram em massa. Perfil de manifestante, mais rico e anti-PT, é má notícia para Dilma...

Nem a caricatura de uma passeata inteira de banqueiros e golpistas nem a apaziguadora imagem televisiva do Brasil, heterogêneo, unido e de verde-amarelo contra corrupção. O retrato que as reportagens e os institutos de pesquisa, o Datafolha em São Paulo e pelo Index em Porto Alegre, revelam sobre domingo é um pouco mais complexo e nem por isso menos aterrador para a presidenta Dilma Rousseff. O que os números mostram é que há potencial de crescimento na onda anti-Governo, entre outras coisas, pelo "contágio afetivo" e potente das contundentes imagens dos últimos dias. Se juntarmos a análise do perfil de quem foi à marcha pró-Governo na sexta na avenida Paulista, o quadro piora mais. E, ao que parece, a primeira resposta de Brasília e de Dilma não tem como amainar essas insatisfações.

Segundo o instituto Datafolha, 82% dos que foram à passeata de centenas de milhares na Paulista no domingo votou no candidato da oposição, Aécio Neves (PSDB). Quase metade deles (47%) disseram ter se motivado pela luta anticorrupção enquanto menos de um terço (27%) disseram defender o impeachment da presidenta. Disseram ganhar mais de dez salários mínimos 41% do entrevistados. Em termos de renda, um panorama bastante parecido emergiu na medição do instituto Index, em Porto Alegre, que monitorou a grande passeata de estimados 100.000 na capital gaúcha _40,5% disseram receber mais que dez mínimos_ e se conhece a correlação entre o dado e eleitores de Aécio.Sobre Curitiba se pode dizer algo semelhante.

Esse contingente provavelmente já sensibilizado pela campanha opositora no ano passado, e com um núcleo antipetista consistente ao menos em São Paulo, só encontrou mais motivação e discurso com o tarifaço do começo de janeiro e o desfile de tragédias da estatal Petrobras e seu enorme escândalo de corrupção entre janeiro e fevereiro. Mas, provavelmente, nesse grupo, ainda está subrepresentado o eleitorado que votou em Dilma, mas a classificaram de mentirosa por aplicar um ajuste fiscal que não foi adiantado na campanha (vide as vaias que a presidenta recebeu no evento em São Paulo). São os que começam a sentir e a reclamar dos efeitos da estagnação econômica e da inflação.

A isso se soma o resultado do Datafolha sobre a marcha pró-Dilma na av. Paulista na sexta, com o núcleo mais organizado da base petista: centrais sindicais e movimentos sociais consolidados, como o MST. Para 25%, maior percentual entre os medidos, o motivo de ter ido às ruas foi defender os direitos trabalhistas, ou seja, para tentar resistir a parte das medidas que fazem parte do pacote de arrocho fiscal (entre elas, mudanças na pensão por morte e no seguro  desemprego).

"A pergunta não é apenas sobre quem estava nas ruas ontem, mas sobre todos que temos ouvido falar nas ruas, nos bares, nos ônibus nessas últimas semanas. Há muita gente que não está mobilizada (ainda), mas está participando desta onda anti-Governo", escreveu Rodrigo Nunes, professor da PUC-Rio que analisou os protestos de junho de 2013. "Contágio afetivo é exatamente isso: uma participação que necessariamente precede uma adesão refletida e deliberada."

Insatisfação

Agora Dilma discute o que pode fazer para tentar aplacar a resistência nessa parte dos governados que já foi às ruas no domingo, e que poder fazê-lo de novo em abril. Aqui a palavra importa: governados. não adianta falar de eleitorado, como fez o ministro Miguel Rossetto (Relações Institucionais), e esse é um dos ruídos causados pela retórica do Planalto, que ainda ressoa a campanha. Com a legitimidade avariada por uma eleição apertada, espera-se uma ação mais programática, que reconheça concretamente a força das manifestações de domingo e contemple algo do que estão pedindo. Mas isso é o que? Provavelmente, apenas o pacote anticorrupção não bastará. A presidenta Dilma, apesar de todo o ensaio de flexibilidade e citações a humildade, deixou transparecer desconfiança de que é possível, de fato, atender aos que protestam contra ela. "Você só pode abrir diálogo com quem quer abrir diálogo também. Com que não quer abrir diálogo você não tem como abrir diálogo", repetiu-se.

Dilma e parte do Governo parecem estar inclinados a acreditar que lida com um sentimento difuso contrário a ela e a seu partido difícil de conter, a despeito. Algo que parece ter, na visão de parte dos petistas, relação com o que o ex-ministro do Governo tucano, Luiz Carlos Bresser-Pereira, disse em entrevista à Folha de S. Paulo: um ódio de classes de cima para baixo. Na análise completa do ex-ministro, parte da responsabilidade é do próprio Governo, já que um combustível para o sentimento é a falta de crescimento econômico que teria dinamitado o pacto sócioeconômico dos governos do PT.

Nunes, da PUC-Rio, e  Pablo Ortellado, da USP, estão entre os que tentam entender a composição social das manifestações de junho de 2013 e as de agora para encontrar matizes. André Singer, também da USP, vê a volta da direita com força às ruas pela primeira vez desde a redemocratização. Antes, em um artigo já clássico sobre os protestos de junho, Singer afirmou que um baixo proletariado com maior grau de instrução que seus pais foi às ruas em junho de 2013, uma espécie de vanguarda da nova 'Classe C' (e que talvez esteja sendo afetado pelas mudanças no FIES), é um público "em disputa". Pelos números do Datafolha, essa faixa ainda não foi às ruas majoritariamente.

Vários analistas já apontaram que há uma disposição maior em se definir publicamente como de direita, algo que ainda teria certo atraso para ser refletido inteiramente no sistema político. Até pouco tempo, como demonstraram as pesquisas do brazilianista Timothy Power, da Universidade de Oxford, pouquíssimos parlamentares se definiam como de direita no Brasil.  Uma viragem se aproxima, com a quebra do consenso social e político no qual foi escrita a Constituição de 1989, em meio a um triênio de estagnação? 

Ortellado vê uma tensão entre a direita ainda minoritária institucionalizada em partidos e o "ativismo de direita", como o Movimento Brasil Livre e o Vem Para Rua, mais afinados com o discurso sobre a falência dos partidos. Nas manifestações de domingo, os políticos que tentaram ter protagonismo foram rechaçados.

Para o professor Nunes, há que se separar, na análise, uma pauta socialmente conservadora de uma defesa de políticas mais à direita, com privatizações e críticas aos programas sociais. No caso das primeiras, que inclui bandeiras como a redução da maioridade penal por exemplo, há alimentação ativa "em programas de rádio e TV, igrejas", diz ele.

"Não é que essas pessoas tenham subitamente se descoberto a favor do estado mínimo e das privatizações. Mas elas estão sentindo uma série de coisas, que vão da deterioração do quadro econômico à frustração cotidiana com os serviços públicos e com a insularidade do sistema político, e há uma narrativa vaga que diz para eles: 'o nome disso que vocês estão sentindo é corrupção, é PT etc.'", escreveu Rodrigo Nunes. O escândalo da Lava Jato, os problemas de gestão na Petrobras combinados com alta de preços e impostos são combustível para o quadro. "Essa narrativa oferece não só a perspectiva de uma gratificação imediata [...] como a possibilidade de uma vez mais estar participando de algo coletivo, de sentir novamente aquela sensação de pertencer a uma força maior, capaz de meter medo nas autoridades."

Segundo o Datafolha, 74% foram às ruas pela primeira vez no domingo. Se a análise acima está certa, não será difícil convencê-los a voltar.

 

Quem saiu às ruas não foi a CIA, por JUAN ÁRIAS

As manifestações não foram organizadas pelos EUA, e sim por um novo país, surgido das cinzas da Velha República, cada dia mais desgastada

A suspeita do líder do PT na Câmara, o deputado Sibá Machado, de que por trás das manifestações de protesto no domingo pudesse estar a mão negra da CIA, o serviço secreto norte-americano, é no mínimo uma ofensa à inteligência dessa maré de brasileiros que saíram às ruas espontaneamente para dizer à presidenta Dilma que “a paciência” tinha se esgotado.

 

Quem estava por trás daquela grande manifestação, inédita neste país por ter sido convocada pelas redes sociais, era o novo Brasil que está surgindo das cinzas da Velha República, que parece a cada dia mais exaurida e sem muito a dizer às novas gerações de brasileiros, cansados de ideologias que dividem, em vez de abraçar a todos numa mesma esperança de modernidade.

Os que resistem a aceitar que algo novo e melhor está despertando neste país das mil possibilidades e de tantos talentos desperdiçados (quantos prêmios Nobel tem o Brasil? Nenhum) procuram uma explicação em ultrapassadas intrigas internacionais.

Inicialmente se disse que tinham ido protestar somente os ricos e a classe alta, e que a classe trabalhadora tinha ficado em casa. Então os ricos e a classe média não têm também direito de se manifestar? E por que então esses “não ricos” não aproveitaram a marcha da sexta-feira anterior, convocada pelos sindicatos do PT e pelos movimentos sociais de esquerda, para sair em defesa do governo?

Não são hoje, na verdade, os mais ricos os que mais temem o PT, que governa há 12 anos e que permitiu que fosse triplicado o número de milionários e que eles e os banqueiros ganhassem como nunca antes.

Quem hoje está com medo de perder o que tem, especialmente o emprego, são aqueles mais afetados pela inflação descontrolada, pelos juros absurdos que fizeram 60% das famílias da classe média e baixa se endividarem, empurradas antes para um consumismo enganoso e sem freios. Foram também eles que saíram às ruas. Como me disse muito claramente uma pessoa que esteve domingo na Avenida Paulista, os manifestantes eram, simplesmente, “pessoas”.

Foi essa massa de trabalhadores, pequenos empresários, muitos deles jovens ainda, que estão começando a vida, os que temem que os cortes anunciados frustrem suas aspirações. Cortes sem dúvida hoje indispensáveis, mas que são o fruto maldito do fato de o Governo ter se endividado até o nariz com uma política econômica equivocada e perdulária. Uma política que só agora a presidenta Rousseff começa a reconhecer que foi equivocada, ainda que de má vontade.

Não, não foi a CIA que esteve por trás do protesto lúdico, massivo, espontâneo, gratuito, sem violência de domingo.

Por trás do estupor e do medo que aquela maré de brasileiros provocou nos palácios do poder estava um Brasil que sai de sua letargia. O Brasil que é consciente de que uma política econômica errada, alimentada pelo tsunami de uma corrupção cujo horizonte se alarga a cada dia que passa, pode devolver o país a seus anos de pobreza e atraso.

Por trás do êxito da marcha de domingo estavam aquelas famílias que quiseram sair levando seus filhos pequenos, para que começasse a pulsar nas ruas o coração da democracia conquistada e que desejam que seja herdada purificada e ampliada.

Não foi a CIA que tramou a manifestação que gritava “Fora Dilma” e “Fora PT”, como símbolos de uma forma de governar que já deu o melhor de si e que milhões de brasileiros, hoje quem sabe a grande maioria, desejam que sejam substituídos para que no país se abra uma nova era política, com as mãos menos sujas pela corrupção institucionalizada.

Foi o Brasil que quer acabar com o ambíguo e perigoso mantra que alimenta o ódio de ricos contra pobres, ao passo que hoje o que todos os brasileiros desejam é deixarem de ser pobres e se possível também serem ricos. Por acaso isso é pecado? E não é melhor para os ricos que todos o sejam e produzam mais?

A quem interessa manter essa luta surda de classes criada por ideologias que até a esquerda mais iluminada considera superadas e que semearam no mundo milhões de mortes?

Por trás do protesto estava a inocência das crianças sem medo dos uniformes militares da tropa de choque, com a qual tiravam fotos. Talvez seja uma profecia feliz: os brasileiros, em vez de terem medo das forças de ordem, veem-nas como seu escudo protetor numa sociedade em que podem sair às ruas sem medo de um assalto ou de uma bala perdida.

Estava também por trás da grande manifestação aquela mulher que mostrava visivelmente o bebê que chutava em sua barriga e que deve ter tido vontade de participar daquela festa da democracia com a esperança secreta de que seu filho pudesse viver amanhã numa sociedade que não o esmagasse com o peso da mentira política.

Talvez sonhasse com uma sociedade que velasse para que seu filho crescesse desfrutando em paz das oportunidades para abrir caminho na vida com dignidade. Essas oportunidades que, com um regime ou outro, nunca faltaram nem faltarão para os ricos.

O que o povo pedia no domingo e que estava escrito num cartaz com as cores da bandeira nacional era que lhes “devolvam o Brasil”, o Brasil melhor, muitas vezes ofuscado pelos pecados da política com letra minúscula. O que fica às vezes demasiadamente escondido e adormecido no coração deste povo e que às vezes conseguimos descobrir e desfrutar melhor nós que vimos de fora.

Por trás da grande festa de protesto de 15/15 estava apenas o Brasil que começa a se descobrir outro e que quer que sua voz conte e seja ouvida. O que deseja afirmar que para ser brasileiro legítimo não é preciso aderir a determinado partido ou ideologia.

Dizem que era gente de direita. Nem todos. E se fossem, ser de direita ou de centro é um estigma? A Constituição proíbe? Não são brasileiros também?

Todo o resto é somente uma tentativa de demonizar esses novos anseios por uma sociedade mais de todos, que não exclua ninguém do banquete que ainda hoje parece repartido por uma casta privilegiada com as mãos muitas vezes manchadas de ilegalidade.

 

A solidão de Dilma,  por AJ BARCA

Mais isolada, presidenta vive seu pior momento com dois meses de segundo mandato

 

Em uma charge publicada nesta segunda-feira na Folha de São Paulo, o cartunista Jean Galvão apresenta a presidenta Dilma Rousseff em um canto escuro do palácio, esmagadoramente sozinha, olhando para uma ampla janela onde se veem as multidões que no domingo protestaram nas ruas contra ela. A presidenta, vestida de vermelho, com expressão de enfado, se limita, impotente, a contar, apontando com o dedo: “Um, dois, três, quatro...” A ilustração reflete razoavelmente bem a atual situação política da presidenta: isolada, só, protegida em sua residência de Brasília e a cada dia com menos apoios com os quais contar.

As centenas de milhares de pessoas que saíram no domingo para protestar em São Paulo e outras cidades brasileiras (alguns estimam um milhão, outros elevam a cifra para dois milhões) entoaram, sobretudo, um slogan claro e categórico: “Fora Dilma”. Indo além dos números, a resposta da população, em sua imensa maioria pertencente à classe média e urbana, foi maciça, contundente e inesperada. Daí que a presidenta brasileira atravesse hoje seu pior momento, com uma popularidade que já ia a pique (segundo uma recente pesquisa feita antes do protesto, só 23% consideravam que a gestão de Dilma é boa). Tudo isso, em um tempo recorde de dois meses e meio depois de ter tomado posse de seu segundo mandato.

Os analistas e especialistas observam agora a cada vez mais escassa margem de manobra da presidenta e sua cada vez mais exígua lista de aliados, com exceção do círculo mais próximo de colaboradores e ministros fiéis.

No Partido dos Trabalhadores (PT), ao qual ela pertence, ouvem-se vozes críticas diariamente. O senador Walter Pinheiro, personagem histórico do partido, condenou o Governo por não saber reconhecer os erros e escutar a sociedade.

Não é só ele. Uma parte do partido de Dilma e de Lula critica, de modo geral e já há algum tempo, o fato de a presidenta ter assumido desde o princípio as teorias econômicas do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, favoráveis a um ajuste fiscal, à elevação de impostos e à contenção de gastos. Nesta segunda-feira mesmo, Levy insistiu em que não há como recuar: “Se ficarmos com medo, teremos problemas, porque nos paralisamos”.

O PMDB, seu aliado e de ideologia pouco clara, tampouco é um aliado confiável. É verdade que vários de seus membros estão no Governo, incluindo o vice-presidente do país, Michel Temer. Mas a lista divulgada há duas semanas dos implicados na corrupção da Petrobras, na qual constam os nomes dos presidentes da Câmara e do Senado, ambos desse partido, envenenou essa relação e semeou minas que podem explodir a qualquer momento.

O próprio Lula, mentor de Dilma, referência do PT (e da esquerda brasileira), a pessoa que a elegeu para o cargo e que na última e decisiva parte da campanha eleitoral pôs seu carisma e seu cacife eleitoral ao lado da candidatura de Dilma, permanece neste momento ou, por ora, calado e ausente. Desvendar como estão se dando Dilma e Lula é um capítulo interminável da política brasileira contemporânea, já que as relações entre o fundador do PT e a presidenta podem se complicar o tempo todo: personalidades distintas, dois egos poderosos frente a frente, interesses às vezes opostos, falta de confiança em algumas ocasiões, de ambas as partes...

Até agora o PT ganhava nas ruas. Não mais. O multitudinário protesto do domingo, o mais numeroso na recente democracia brasileira, segundo alguns, com 1 milhão, no mínimo, de manifestantes por todo o Brasil, faz empalidecer a marcha de apoio a Dilma realizada na sexta-feira, com 40.000 participantes (e com o adendo de insultos ao ministro da Fazenda)

Ela falou nesta segunda, no ‘day after’ aos protestos, mas não parecia falar para todos, como queria fazer supor. Procurou mudar parte dessa fama em entrevista coletiva nesta segunda, quando falou que poderia ter cometido um erro de dosagem na política econômica empregada até o ano passado. “É possível até que a gente possa ter cometido algum”, disse ela, para explicar em seguida que o foco era a melhoria econômica de emprego e de renda. A resposta não parece suficiente para um país em polvorosa, mas para Dilma foi um avanço depois de uma reunião ministerial, em que ouviu dos interlocutores que precisava passar uma mensagem de humildade depois dos protestos. Seus ministros mais próximos, incluindo José Eduardo Cardozo, da Justiça, Aloizio Mercadante, da Casa Civil, e Jacques Wagner, da Defesa, talvez sejam seus únicos companheiros fieis neste momento. Mas, com tantas pontes que ela já desfez até aqui fica a dúvida se a Dilma Rousseff de verdade não se parece cada vez mais com a Dilma Rousseff da charge.

 

Imagem de Dilma foi à UTI, informa o Datafolha --

por Joasias de Souza (UOL)

Editoria de ARte/Folha

Nos seus primeiros quatro anos como presidente, Dilma Rousseff não conseguiu vincular sua sisuda figura a uma simbologia, uma marca. Iniciado o segundo reinado, ela precisou de apenas 77 dias para grudar na própria testa o signo da ruína. O Datafolha informa que a imagem da ex-supergerente foi internada pelos brasileiros na UTI. A recuperação vai requerer tratamento de choque.

Dilma já é considerada ruim ou péssima por 62% dos brasileiros. Aproxima-se perigosamente de Fernando Collor, que arrostava taxa de rejeição de 68% em setembro de 1992, às vésperas de ser escorraçado do Planalto pelo impeachment. Uma aversão desse tamanho não passa com pomadinhas anticorrupção e curativos ministeriais. Exige, de saída, a grandeza de uma autocrítica genoína.

Depois de perder a pose e o asfalto, a presidente perde o pouco que lhe restava de discurso. O lero-lero segundo o qual apenas os eleitores de Aécio Neves fazem cara de nojo para Dilma perdeu completamente o nexo. Dilma tanto fez que definha também em seus próprios redutos. Mesmo entre os beneficiários das políticas sociais, a rejeição disparou.

Dilma tornou-se uma presidente minoritária. Sua aprovação aproxima-se da casa de um dígito. Apenas 13% dos patrícios classificam-na como ótima ou boa. Nesse ponto, madame igualou-se a FHC, sua eterna e mais querida referência. Em setembro de 1999, acusado de estelionato eleitoral por ter desvalorizado o Real após reeleger-se, FHC também amargou os mesmos 13% de rejeição.

O pessimismo do eleitorado completa a atmosfera de borrasca que se acercou de Dilma. De cada dez brasileiros, seis apostam que a economia vai piorar. A grossa maioria acha que a inflação e o desemprego subirão 77% e 69%, respectivamente. Nessa seara, Dilma não tem boas notícias a fornecer neste ano de 2015, talvez nem em 2016.

Como se fosse pouco, os desdobramentos do petrolão são acompanhados com um interesse de novela: 73% tomaram conhecimento da “lista do Janot”, com os nomes de autoridades e congressistas encrencados. O escândalo é de fácil apreensão. Numa fase em que sobra mês no fim do salário, o brasileiro revolta-se com as milionárias cifras entesouradas na Suíça.

Apegada ao manual petista de administração de crises, Dilma vem reagindo à ruína de forma previsivelmente acanhada e convencional. É fácil, muito fácil prever o seu próximo erro: vai chamar João Santana para uma conversa. A crise não pede mais embromação publicitária. Em vez dar ouvidos ao marqueteiro, Dilma deveria escutar o seu instinto de sobrevivência.

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Fonte:
EL PAÍS

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