Análises da FOLHA: 3 anos de recessão, com arrocho e estagnação (e Dilma à beira do precipício)
VINICIUS TORRES FREIRE
Três anos de três arrochos e política
Previsões de crescimento indicam triênio de estagnação, o que dificulta ajustes fiscal e político
A ECONOMIA DO Brasil vai ficar estagnada por pelo menos três anos, 2014-2016, na estimativa de algumas das maiores, mais bem informadas e mais ponderadas casas de previsões (bancos e consultorias). Estagnação em 2014, queda de 1% a 1,5% em 2015, apenas recuperação do prejuízo em 2016.
Tudo composto: zero. Isto é, no início de 2017, a produção ou a renda nacional estarão mais ou menos no mesmo nível de 2013. Dado que haverá mais brasileiros, na média ficaremos mais pobres.
Considerado o tamanho da bobagem econômica sob Dilma 1, a princípio parece quase que o negócio saiu barato. Só que não. Previsão econômica é, como se sabe, um chute informado (mas nada desprezível e difícil de fazer), até o passado é incerto (sairá a revisão de duas décadas de PIB em dez dias) e o futuro a nós pertence, em parte. Nada está escrito, podemos mudar um tanto do que será o amanhã --também para pior. Mas parte da história já está rascunhada.
Como será possível reduzir o deficit do governo em tempos de PIB em declínio, o que derruba a arrecadação do governo? É possível, com impostos adicionais e cortes de gastos de chorar, como nos investimentos (em janeiro, a despesa federal caiu uns 5% sobre 2014, mas, no investimento, caiu UM TERÇO). Mas, como está óbvio para a maioria que acordou para a realidade apenas depois da eleição ou do estelionato eleitoral, arrocho dá confusão, ainda mais arrocho surpresa.
Ainda que a confusão não ameace o arrocho, o ajuste fiscal, talvez não entre no caixa do governo dinheiro bastante para que se atinga a meta desejada pelos economistas de Dilma 2. Confusão política e recessão (e, pois, menos receita) vão prejudicar a meta do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Desastre? Não é bem assim. Primeiro, porque as previsões de deficit andam bem disparatadas ainda, pois se sabe muito pouco das contas do governo (até agora, apenas as de janeiro). Segundo, se o governo fizer o possível razoável e mantiver o rumo, a casa não cai. Porém, a dívida pública vai continuar crescendo ainda a um ritmo rápido, por um bom tempo (três anos), o que vai nos manter a corda no pescoço por tempo equivalente, pelo menos.
Nos anos em que era feito o estrago, ainda houve progressos na "economia das ruas": salário, benefícios sociais, emprego, consumo. Mas, no conjunto da obra, ajuste, não apenas o fiscal, significa justamente contenção do crescimento da média dos salários, na melhor das hipóteses (o que implica demissões de salários maiores a admissões com salários menores, por exemplo, ou acordos salariais com reajuste zero, na melhor das hipóteses, em outro exemplo). Junte-se a isso nenhum reajuste real para o salário mínimo e benefícios sociais vinculados. Etc.
Para resumir: prevê-se um triênio de estagnação (até 2016), um triênio de arrocho fiscal (até 2017) e talvez outros tantos de arrocho social e da "vida real", da economia das ruas.
Caso não sobrevenha alguma solução da paralisia ou do impasse políticos de agora, de preferência um recomeço pactuado, a coisa vai piorar. As crises política e econômica vão continuar a se realimentar. Alguém, de preferência os dois lados ou as três margens do rio, precisa se mexer.
Mercado contradiz BC e vê IPCA fora da meta em 2016
Economistas elevam de 5,5% para 5,6% estimativa para inflação do ano que vem
Na ata de sua mais recente reunião, Copom afirmou ver cenário de convergência para o índice oficial de 4,5%
Uma nova rodada de projeções econômicas mais pessimistas atingiu uma expectativa até então comemorada pelo governo --a de queda da inflação em 2016.
A despeito de novos sinais de retração da renda nacional, o mercado elevou de 5,5% para 5,6% a estimativa mais consensual para a alta dos preços no próximo ano, segundo pesquisa divulgada nesta segunda-feira (16).
A piora contrasta com a avaliação divulgada na semana passada pelo Banco Central, segundo a qual estaria se consolidando a percepção de que finalmente será possível levar a inflação à meta oficial de 4,5%.
"O Copom [Comitê de Política Monetária] avalia que o cenário de convergência da inflação para 4,5% em 2016 tem se fortalecido" foi uma das principais mensagens da ata da reunião mais recente do comitê, formado pela cúpula do BC.
Essa leitura se amparava na aproximação entre as projeções do BC, de cumprimento da meta, e as do mercado, que haviam iniciado o ano em 5,7% e caído.
AJUSTE MAIS LONGO
Se mantida ou agravada nas próximas semanas, a previsão de uma elevação mais intensa dos preços faz crescer o risco de um ajuste econômico mais prolongado.
A taxa de 2015 já é dada como perdida: a projeção para o IPCA, índice adotado como referência pelo BC, foi de 7,8% a 7,9%, acima do teto de 6,5% fixado na legislação.
Para que seja interrompido o ciclo de alta das taxas de juros, reiniciado após as eleições do ano passado, o indicador a ser considerado será a perspectiva para 2016 --o BC, que descumpre a meta desde 2010, tenta reconquistar sua credibilidade.
Um dos principais obstáculos a essa estratégia é a recente disparada do dólar, que encarece os importados. As expectativas centrais para a cotação da moeda americana ultrapassaram pela primeira vez a casa dos R$ 3.
Mais exatamente, calculam-se hoje R$ 3,06 ao final deste ano, ante R$ 2,80 previstos em janeiro e R$ 3,11 em dezembro de 2016.
RECESSÃO
Até que a inflação seja reconduzida a uma trajetória segura, a economia permanecerá sofrendo o impacto do aperto das políticas monetária e fiscal do segundo governo Dilma Rousseff.
Também divulgado nesta segunda, o índice de atividade econômica do BC para janeiro mostrou queda de 0,11%, na comparação com dezembro. O resultado, abaixo das expectativas, reforça os temores de uma recessão iminente.
Esperava-se alguma melhora do índice depois da queda mais aguda, de 0,57%, em dezembro. Graças à base de comparação deprimida, a indústria e o varejo tiveram expansão no início do ano.
Os dados mostram uma tendência de encolhimento da atividade desde outubro, que, pelas expectativas gerais, deve se acentuar com os ajustes da economia.
Bancos e consultorias estimam uma queda de 0,78% do PIB neste ano, ante 0,66% na semana passada. Para 2016, a projeção de crescimento caiu de 1,4% para 1,3%.
ANÁLISE
Desvalorização do real em relação ao dólar faz parte da solução para a crise
Com um câmbio mais desvalorizado, a tendência é que o "mundo ex-EUA" eleve sua venda para os EUA, ajustando suas contas externas e impulsionando seu crescimento
Perante boa parte da população brasileira, a taxa de câmbio costuma representar uma espécie de síntese do quadro macroeconômico doméstico. Quando o real está forte e relativamente estável, é o símbolo da bonança. Quando ele está se depreciando e muito volátil, é o sinal de tempos turbulentos.
Em linhas gerais, essa percepção comum parece estar correta. Mas, como analista econômico, não posso deixar de apontar algumas questões pertinentes no momento atual.
Aos números: desde o começo de 2014, o real brasileiro perdeu cerca de 35% de seu valor em relação ao dólar norte-americano (com a cotação da moeda americana passando de R$ 2,40 para perto de R$ 3,25 nos últimos dias). Trata-se, sem dúvida, de uma desvalorização expressiva.
Mas, quando se faz a mesma comparação do real com o euro (que é a segunda moeda mais importante em escala global), esse percentual cai a módicos 5%.
Essa grande disparidade evidencia que há algo bastante importante acontecendo no mercado global de moedas nesse ínterim, que é a tendência de fortalecimento do dólar estadunidense em relação a praticamente todas as outras moedas.
De fato, quando se leva em conta uma cesta das seis principais divisas globais em relação ao dólar, observa-se que, entre o começo de 2014 e agora, a moeda norte-americana se valorizou em quase 25% (o que significa dizer que as demais moedas, em média, perderam nesse período quase ¼ do seu valor em relação ao dólar).
Com efeito, cerca de 70% da depreciação do R$/US$ desde o começo de 2014 é explicada por fatores globais, ao passo que o restante se explica por elementos mais idiossincráticos à nossa economia, sobretudo a possibilidade (praticamente certa, na visão dos mercados) de que vejamos nossa classificação de risco ser rebaixada pelas agências, diante da forte deterioração de nossas contas fiscais e externas nos últimos anos.
Essa tendência de fortalecimento do dólar, por sua vez, está associada em grande medida à atual situação cíclica dos Estados Unidos.
Depois de enfrentar um caminho bastante atribulado e tortuoso para superar a grande crise de 2008/09, a maior economia do mundo finalmente passou a "bater um bolão" de meados de 2014 para cá. Por outro lado, boa parte do resto do mundo vem mostrando desempenho bastante fraco de 2012 para cá, alguns países mais do que outros.
Mas a valorização do dólar em relação às demais moedas faz parte da solução para esse "problema": ao ganhar competitividade com um câmbio mais desvalorizado, a tendência é que o "mundo ex-EUA" aumente suas exportações para os EUA, ajustando suas contas externas e impulsionando seu crescimento (o que também ajuda a melhorar as contas públicas).
Quando isso começar a acontecer para valer, terá início um novo ciclo, dessa vez com as demais moedas se valorizando em relação ao dólar (como aconteceu até meados de 2011/12).
Isso dá uma dica de como deve ser o padrão de crescimento da economia brasileira nos próximos anos, passado o período mais agudo do ajustamento macroeconômico (2014/2015): uma economia muito mais puxada pelas exportações do que pela demanda interna (em contraste com o padrão observado entre 2004 e 2013).
Agora, é bom não contar somente com o câmbio mais competitivo, pois os demais países também estão sendo agraciados com isso.
É importante, mais do que nunca, reforçar a agenda pró-eficiência e competitividade, retomando tempestivamente as agendas de concessões de setores de infraestrutura e de aprimoramento do ambiente de negócios doméstico.
Riscos futuros (editorial da FOLHA)
Dilma muda o tom, mas não reconhece erros cruciais de seu 1º mandato; contribui, assim, para prolongar o impasse e a crise do governo
O destaque dado à pregação do ministro Joaquim Levy (Fazenda) a respeito da necessidade e da urgência de diminuir o excesso de gastos do governo deixa em segundo plano a reafirmação de projetos não menos importantes de reparos na economia.
Entende-se a ênfase no aspecto crítico do ajuste nas contas públicas. Trata-se de precondição para outras reformas e motivo de controvérsia social e política. Descurar do programa mais amplo de Levy, porém, implica menosprezar temas cruciais para a retomada do crescimento --mesmo que modesto-- e para o próprio destino do ajuste, que demandará anos de esforços.
Em evento em São Paulo, o ministro enfatizou que, no que depender dele, haverá um corte brutal de despesas. Até agora, deu consequência a suas palavras. Em janeiro, os gastos federais caíram quase 5% em relação ao mesmo mês de 2014; nos últimos dois anos, haviam crescido mais de 5%. O arrocho no investimento foi de 35%.
Tal compressão evidencia o tamanho das dificuldades atuais e dos riscos futuros. Quanto maior a redução de investimentos, pior a qualidade do ajuste; quanto menor o apoio parlamentar ao ajuste, maior o corte de investimentos.
O reequilíbrio das despesas públicas, contudo, depende também da arrecadação federal, que tende a cair em cenários de recessão --e esta parece se agravar. A incerteza política e a falta de perspectivas de reformas maiores comprometem ainda mais a atividade econômica.
Além do ajuste, Levy tem proposto um programa de desmonte das políticas adotadas pelo governo desde 2009, de modo a diminuir o peso e o ativismo estatais.
Nesta segunda-feira (16), o ministro criticou a concentração de recursos nas mãos do Estado, em vez de deixar ao mercado parte maior na definição de investimentos. Reprovou implicitamente o programa falho de concessões à iniciativa privada --regulado de modo inepto pelo governo-- e as políticas de socorros setoriais. Voltou a sugerir política de comércio exterior "mais ousada".
Descreveu, em suma, um programa de reformas ditas liberais.
Uma iniciativa dessa natureza contribuiria para uma recuperação mais veloz do PIB. Ofereceria uma perspectiva de futuro aos agentes econômicos; talvez amainasse o clima de exacerbação política.
Mas o presente é de pessimismo. O necessário ajuste vê-se ameaçado pela animosidade do Congresso e pela inquietude das ruas.
Em suas primeiras declarações depois dos protestos de domingo (15), a presidente Dilma Rousseff (PT) pediu união em torno do plano de superação da crise econômica.
Mais uma vez, entretanto, apesar de titubear por instantes, Dilma não reconheceu erros essenciais de seu primeiro mandato, com o que demonstra falta de convicção para abraçar o programa de mudanças. Contribui, assim, para prolongar o impasse nacional e, com ele, a crise crônica de seu governo.
HÉLIO SCHWARTSMAN
O recado das ruas
SÃO PAULO - O povo foi às ruas. Do que deu para ouvir em meio à algazarra, o "fora, Dilma" parece ser o grito mais representativo da diversidade de grupos que se manifestaram. Compreendo os sentimentos que levaram a essa reação, mas receio que não faça muito sentido lógico tirar a presidente agora.
Eu próprio estaria apoiando o "impeachment" ou implorando pela renúncia da mandatária, caso ela tivesse insistido em trilhar a rota que nos levou ao desastre econômico. Entretanto, como já apontei aqui, Dilma tem uma virtude: ela vai até a beira do abismo, mas não salta. A presidente viu o estrago nas contas públicas e optou pelo ajuste fiscal, tendo recrutado um técnico competente para efetuá-lo. Agora é preciso dar tempo para as medidas recessivas realizarem sua mágica. Teremos pelo menos um par de anos difíceis.
Trocar Dilma por Michel Temer ou mesmo por alguma liderança oposicionista, no implausível caso de um duplo "impeachment" seguido de novo pleito, não vai mudar a realidade econômica adversa.
No plano político, a situação não é muito diferente. Como as dores do ajuste limam a popularidade de qualquer dirigente, o eventual substituto da mandatária estaria em pouco tempo colhendo índices tão ruins quanto os da petista. Vimos esse fenômeno acontecer repetidas vezes durante a crise europeia. E isso, paradoxalmente, forneceria ao PT uma oportunidade para ressurgir em 2018 posando como vítima de uma espécie de complô das elites e também como oposição às políticas recessivas.
Parece muito mais lógico e didático deixar que Dilma e seu partido fiquem eles mesmos com os ônus eleitorais resultantes das decisões que tomaram. Se a natureza do mundo não sofrer modificações significativas, dentro de 10 ou 20 anos haverá outra crise econômica que apeará do poder o grupo político que lá estiver. Aí o PT terá sua chance de retornar --esperemos que mais sábio.
BERNARDO MELLO FRANCO
A Lava Jato chegou ao PT
BRASÍLIA - A resposta que as ruas pediram no domingo não apareceu no palavrório da presidente Dilma Rousseff em Brasília. Veio de Curitiba, com a nova leva de denúncias e prisões da Operação Lava Jato.
Os manifestantes concentraram sua ira no PT. No dia seguinte, a investigação chegou ao coração do partido, com a primeira denúncia formal contra o tesoureiro João Vaccari.
O dirigente petista foi acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Segundo os procuradores, ele abastecia o caixa do partido com repasses do esquema de corrupção na Petrobras.
A operação também atingiu outro homem-chave do PT: o ex-diretor Renato Duque, que representava a sigla no loteamento da estatal. Ele foi preso após enviar 20 milhões de euros para contas secretas em Mônaco, de acordo com o juiz Sergio Moro.
A nova fase da Lava Jato ganhou o nome de Que País É Este em homenagem a Duque, que usou a expressão ao ser preso pela primeira vez.
A frase é atribuída a Renato Russo, mas foi criada pelo ex-governador mineiro Francelino Pereira. Ele também é lembrado por definir a Arena, a sigla que apoiava os militares, como o "maior partido do Ocidente".
Esse tipo de bravata não costuma dar sorte. A Arena foi extinta cinco anos antes do regime que ajudou a sustentar. Há quatro meses, o ex-presidente Lula se referiu ao PT como "o maior partido de esquerda do mundo, com exceção da China".
Em 2007, Luiz Flávio Borges D'Urso despontou como líder do movimento Cansei, uma espécie de precursor dos atos deste domingo. Ele parece ter se cansado. Está de volta à cena como advogado de Vaccari.
"A corrupção não está no Poder Legislativo. Está no Poder Executivo." As palavras foram ditas ontem por Eduardo Cunha, um dos 35 legisladores investigados no petrolão.
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