No EL PAÍS: Serra assegura que Dilma não acabará o mandato
O senador José Serra, do oposicionista PSDB, um político de peso e prestígio nacional e internacional, fez uma profecia arriscada sobre a presidenta Dilma Rousseff e seu segundo mandato.
Em conversas com seus correligionários de partido, advertiu que Dilma “não irá concluir seu mandato”. Segundo suas afirmações, obtidas ontem pelo competente jornalista político do jornal O GloboIlimar Franco, o senador Serra compara o “ambiente de desgoverno agravado pela crise econômica e pelas denúncias de corrupção, com os vividos pelos ex-presidentes Jânio Quadros e João Goulart nos anos 60, quando ambos acabaram renunciando à presidência”.
A profecia do senador oposicionista torna-se mais grave por tratar-se de um político com uma biografia e história de Governo nacional e estadual, que quando foi Ministro da Saúde do Governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, alcançou projeção internacional por seu empenho em quebrar as patentes farmacêuticas para dar remédios grátis aos portadores de AIDS e por ampliar a política social dos medicamentos genéricos.
Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) em sua juventude, exilado durante a ditadura militar de 1964, e mais tarde duas vezes ministro, prefeito e Governador de São Paulo, Serra, que representa a esquerda social do PSDB, disputou as eleições presidenciais com Lula em 2002.
Hoje, o senador tucano segue com possibilidades de voltar a disputar a Presidência da República em 2018 ou até mesmo antes, se for cumprida sua profecia sobre a renúncia de Dilma.
Serra não é impulsivo nem simplista. Sabe o que diz e quando o diz. Por isso, ao lançar sua profecia aos seus devia estar consciente de que pisava em campo minado e em um momento especialmente crítico pelo qual o país atravessa.
É de estranhar, entretanto, que o senador não tenha indicado ao mesmo tempo quem poderia levar a presidenta Dilma a abdicar de seu cargo.
No caso do popular Jânio Quadros, que renunciou em 1961 depois de sete meses de Governo, o mesmo falou em sua carta de despedida de “forças ocultas levantadas contra mim”. Hoje, existem estas mesmas forças ocultas que obrigariam Dilma Rousseff a deixar a Presidência?
O partido de Serra foi o primeiro a se opor oficialmente por meio de seu presidente Aécio Neves contra aqueles que começaram a pedir oimpeachment de Dilma após o apertado resultado das eleições presidenciais. E Aécio foi o primeiro a felicitar a vencedora das eleições, naquela noite.
No caso de João Goulart, foram os militares que o depuseram da Presidência para dar vida ao golpe por medo de que o Brasil pudesse se transformar em uma nova Cuba. Hoje, como Serra sabe melhor do que ninguém, é impensável qualquer tipo de movimento sério por parte dos militares para derrubar Dilma, nem ninguém teme os comunistas, que se aburguesaram como a maioria dos partidos.
A nova geração das Forças Armadas colabora ativamente com as instituições democráticas. Os militares suportaram firmes a atuação da Comissão da Verdade sobre os crimes cometidos pelo Exércitodurante a ditadura.
Se pode existir algum mal-estar entre os militares pela grave crise econômica, de valores e até social que o país atravessa, flertando com a recessão econômica e com fricções evidentes entre o Governo e o Congresso e entre Dilma e seu partido, o PT, isso não vai além do que se vê nas outras instituições: os partidos políticos, os juízes, os movimentos sociais, a Igreja Católica e todos os cidadãos comuns, descontentes com a má qualidade dos serviços públicos agravada pela corrupção política e empresarial que se revela maior a cada dia e cujo símbolo é a degradação da Petrobras, que poderia derrubar nos próximos dias dezenas de congressistas e até ministros, ex-ministros e ex-governadores, que podem ser processados pela justiça enquanto grandes empresários continuam na prisão.
Entretanto, nenhum desses estamentos hoje se apresenta capaz e com força para obrigar Dilma a renunciar ao seu cargo.
Talvez pudessem ser todos esses descontentes, crise econômica e corrupção juntos? Isso implicaria que Dilma, constrangida pelo que Serra chama de “desgoverno”, poderia jogar a toalha antes de cumprir seu segundo mandato.
Mas Dilma Rousseff não é Jango e Serra sabe disso. Talvez a ex-guerrilheira se pareça em sua firmeza de caráter e em suas convicções, acertadas ou não, ao tucano, ele também duro e firme como uma rocha quando se trata de defender suas convicções.
Quem conhece a presidenta de perto, e por isso às vezes é testemunha da dureza de um temperamento que não aceita nunca se equivocar e que ama o poder, sabe muito bem que nenhum medo de “forças ocultas levantadas contra ela”, como no caso de Jango, seria suficiente para fazê-la desistir espontaneamente de seu cargo.
Sem contar que em um momento de grave crise, por exemplo, com o Congresso ou por parte de possíveis acusações de conivência com a corrupção, Dilma contaria sempre com o apoio popular de Lula, que mesmo existindo hoje arestas entre eles, não permitiria que ela fracassasse. Ela mesma, em um gesto de clara inteligência política, sempre se blindou, para o bem e para o mal, nos 12 anos de Governo do PT. Dilma não morreria sozinha.
Por tudo isso, Serra deveria explicar melhor aos seus quem são, nesse momento e contexto histórico, que pouco tem a ver com o dos anos 60 das renúncias de Jango e Goulart, aqueles que poderiam obrigar Dilma a renunciar.
Governo Dilma sofre primeira derrota na estreia da nova Câmara
A nova legislatura do Congresso Nacional começou os trabalhos neste domingo impondo uma expressiva derrota ao Governo Dilma Rousseff, com a eleição do deputado Eduardo Cunha, do PMDB, para a presidência da Câmara logo no primeiro turno. Motivo de dor de cabeça para o Palácio do Planalto ao longo do primeiro Governo Dilma (2011-2014) enquanto líder do PMDB, Cunha se elegeu com 267 (dez a mais que o mínimo necessário) após uma campanha que pregava a “independência” da Câmara em relação ao Executivo. Como consolo, Dilma viu seu candidato no Senado, Renan Calheiros, também do PMDB, ser reeleito sem sustos.
Após o anúncio de sua vitória, Cunha disse que será o “presidente de todos” e que, apesar da “tentativa de intervenção do Executivo” nas eleições do Legislativo, “não há da nossa parte nenhum jugo de retaliação ou jogo dessa natureza”. “Foi uma campanha muito acirrada e disputada, mas a gente deixou muito claro que ia buscar altivez e independência do Parlamento. Aqui é o palco para exercer os grandes debates que a Casa precisa e vai fazer, com certeza absoluta. Nunca falamos que seríamos oposição, mas falamos que não seríamos submissos, e não seremos.
Enquanto presidente da Câmara, Cunha, que se indispôs com o Governo Dilma principalmente durante o desgastante processo de votação da Medida Provisória dos Portos, em 2013, terá o poder de definir o que irá a votação na Casa. Sem estar alinhado com o Planalto, apesar de fazer parte da base do Governo, o novo presidente pode causar problemas à presidenta ao pautar projetos como o do orçamento impositivo, que, se aprovado, pode levar o Governo a fazer mais gastos do que planeja em um ano planejado para arrocho econômico.
Outro problema potencial para Dilma é que Cunha já se disse a favor da criação de uma nova CPI da Petrobras, além de ser totalmente contrário à regulamentação da mídia, uma proposta que o PT tenta emplacar há anos. Outro risco mais remoto é o surgimento de um processo de impeachment como consequência do escândalo da Petrobras, mas o próprio Cunha já disse que o assunto não está em seu radar. De qualquer forma, Dilma precisará de disposição para lidar com o novo presidente da Câmara.
Neste domingo, Cunha, que fez uma campanha intensa Brasil afora em busca de votos e chegou a alugar o bar de um hotel para convencer os colegas a apoiar sua candidatura, bateu a candidatura do ex-presidente da Câmara Arlindo Chinaglia, petista apoiado pelo Governo, que recebeu 136 votos. Em terceiro lugar ficou o candidato de oposição, Júlio Delgado, do PSB, com 100 votos, à frente do socialista Chico Alencar, que recebeu 8 votos.
Senado
No Senado, também ocorreu o esperado: Renan Calheiros foi reeleito presidente com 49 votos, contra 31 recebidos pelo único adversário, o colega de PMDB Luiz Henrique, e apenas uma abstenção. Caberá ao senador, que se manteve fiel ao Governo durante o primeiro mandato de Dilma, tentar conter, na medida das possibilidades legislativas, possíveis rebeldias de Cunha na Câmara.
Depois de eleito, Calheiros, que foi surpreendido pela candidatura alternativa na semana anterior à eleição, agradeceu a renovação da confiança e se disse “obrigado a redobrar o trabalho, triplicar o ânimo e quadruplicar a vontade de acertar para corresponder ao crédito que me foi concedido”. “O PMDB também trabalhará pela estabilidade econômica”, discursou, fazendo questão de mencionar o também peemedebista Michel Temer, vice-presidente da República.
Segundo o renovado presidente do Senado, “as decisões serão tomadas de forma coletiva, e nunca serão, como nunca foram, monocráticas”. “Buscamos o consenso até o limite. O entendimento nunca será supressão da vontade de quem pode menos em detrimento de quem pode mais. Os próximos anos ensejarão uma doação mais efetiva”, seguiu.
Calheiros disse ainda que “há muito a fazer” e destacou a reforma política, pela qual prometeu se empenhar “pessoalmente”. O peemedebista anunciou que vai se reunir com o novo presidente da Câmara já nesta segunda-feira pra “afinar” uma agenda comum que acelere o processo legislativo e "contribua para melhorar o ambientes de negócios" no país.
Economia vai balizar os debates no Congresso Nacional
Governo vai propor a reforma política, a regulamentação da mídia e maior rigor no combate à corrupção
Em um ano em que a economia patina e o país corre o risco de entrar em recessão, as discussões do novo Congresso Nacional que inicia os trabalhos neste domingo não poderiam fugir do tema. As principais lideranças partidárias já esperam longos debates sobre as finanças e as medidas do Governo Dilma Rousseff, que mudou regras trabalhistas e minimizou o reajuste da tabela do Imposto de Renda (IR).
Os dois assuntos deverão ser tratados ainda nos primeiros meses de trabalho dos novos legisladores. A expectativa é que até março os deputados e senadores votem três medidas provisórias (MPs) de Rousseff: a 664, que alterou o sistema de pagamento de pensões por mortes; a 665, que modificou a concessão de seguro desemprego e abono salarial; além da 656, que reajustou a tabela do IR em uma percentagem abaixo da inflação. Essa MP, especialmente, será toda revista pelos congressistas, já que também alterou regras de tributação de empresas exportadoras e de automobilísticas que atuam na região Nordeste.
Em dezembro, a gestão Rousseff anunciou esses ajustes ficais esperando economizar ao menos 20 bilhões de reais ao ano. Com uma expectativa de crescimento do PIB quase nulo, de 0,2% em 2014, o Governo busca alternativas para ter um 2015 melhor. O ano passado registrou o maior rombo nas contas externas dos últimos trezes anos e o pior déficit desde 1997, quando começou a ser elaborado o registro da série histórica.
O deputado Mendonça Filho, líder do oposicionista DEM, disse que as medidas transferem para o contribuinte a “irresponsabilidade” da gestão que “bagunçou a economia brasileira”. Os governistas, como o vice-líder do Governo na Câmara, José Guimarães (PT) repetem o discurso de Rousseff e dizem que os ajustes são necessários e corretivos. “Não faremos ajuste algum comprometendo renda ou emprego”, afirmou à Agência Câmara.
A queda de braço com a oposição também estará presente na aprovação do Orçamento Geral da União que ainda não foi votado. A proposta que foi apresentada à Câmara e ao Senado prevê uma redução de aproximadamente 70 bilhões de reais com relação ao ano anterior e estima que o crescimento deste ano será inferior a 1%.
Fora da esfera econômica, o Governo Rousseff espera conseguir votar no Congresso projetos que ela prometeu apresentar durante a campanha eleitoral no ano passado. Entre eles estão, a regulamentação da mídia, a reforma política, as mudanças nas regras de julgamento de políticos e do crime da corrupção, assim como a ampliação da participação da União na área de segurança pública, conforme anunciou na reunião que teve com os 39 ministros no último dia 27.
Outros assuntos que serão retomados em 2015, mas dificilmente entrarão na pauta de votação são as reformas tributária e a do Código Penal. Na impossibilidade de se votar um “pacote completo” desses temas, os congressistas analisam projetos pontuais como a do ICMS eletrônico (que divide da arrecadação entre o estado de origem e o de destino das mercadorias vendidas pela internet) e o que amplia o prazo máximo de prisão de criminosos de 30 para 40 anos.
Além disso, com uma Câmara mais ruralista, menos sindicalista e com uma forte bancada religiosa temas como aborto, reforma agrária e demarcação de terras indígenas dificilmente entrarão nas discussões neste ano, nem nos próximos.
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