Lei Anti-Desmatamento da UE afeta diretamente países vulneráveis e traz riscos de exclusão social
No início deste mês de outubro, houve um pedido de adiamento da implementação da a Lei Anti-Desmatamento da União Europeia (European Union Deforestation Regulation - EUDR). Como destacou o professor e especialista em marketing no agronegócio José Luiz Tejon, durante o programa Conexão Campo Cidade, o pleito pela prorrogação é uma iniciativa das próprias nações europeias, que estão preocupadas com o impacto social da legislação, principalmente para países africanos e como isso pode influenciar nos processos de imigração.
Tejon afirmou ter conversado com Marcos Matos, diretor geral do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil), o qual aponta esse risco: “Ele me falou que tem um ponto, que o europeu sentiu que o maior terrivelmente afetado são os países africanos. E aí, causa um problema gigantesco, porque o que fazer com a economia, com os problemas de imigrantes? O impacto seria brutal nos países menos desenvolvidos”.
Para o Notícias Agrícolas, Matos confirmou que a lei vai afetar diretamente os países mais vulneráveis. “Nós já sabemos uma lista de países africanos, por exemplo, que as tradings já não compram mais, inclusive foram mencionadas na reunião com a diretora-geral da OMC no dia 1º de outubro, quando os presidentes e empresários dos grandes blocos econômicos do café global estavam presentes junto com o Cecafé e a FNC”, conta o diretor.
Como ele explica, existe um risco de exclusão social nos país mais vulneráveis, que não estão preparados para cumprir com as exigências da União Europeia. Além da África, ele aponta a Ásia como um lugar onde há muitas dificuldades e cita como exemplo a Indonésia, onde é proibido o envio de geolocalizações, por uma questão de segurança nacional, e diz ser provável que outros países também tenham essas mesmas restrições. Por isso ele acredita ser muito desafiador para diversas nações, de uma hora para outra, a adaptação aos requisitos da UEDR.
PROCESSO PARA ADAPTAÇÃO É LENTO E MUITOS PAÍSES NÃO CONSEGUEM ATENDER ÀS REGRAS
De acordo com Matos, o Brasil é um exemplo de país mais preparado para adequar-se às exigências da nova legislação, pois já conta com Código Florestal Brasileiro, georreferenciamento de propriedades por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e possui um ambiente de formalidade da economia, em que o produtor precisa atualizar as informações para o acesso a crédito rural.
Entretanto, nem todos os países possuem essas características e agora têm que buscar essa informações, porém é um processo difícil e demorado. “A gente, para ter o CAR, levamos décadas, o Código Florestal foi aprovado há 12 anos, mas foram décadas de discussões para chegar onde nós chegamos. Então não é uma ação que levaria meses, que é o que nós teríamos na fase de implementação entre a aprovação da EUDR e a aprovação da efetiva implementação, que é o período de transição”, afirma o diretor do Cecafé.
“Para isso, precisa do Governo, precisa de uma mobilização nacional. A realidade do planeta é muito diversa, vários países estão em condições completamente diferentes de organização e desenvolvimento para atender a essas regras. Tem países em que a produção familiar é micro-familiar, são milhares de produtores e há um ambiente de informalização, o que torna ainda mais difícil esses controles”, frisa Matos.
CUSTO BUROCRÁTICO É MAIS UM FATOR QUE AFETA PAÍSES MENOS DESENVOLVIDOS
Sueme Mori, diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), também afirma que, sem dúvida, países menos desenvolvidos terão maior dificuldade para cumprir com as exigências da Lei Anti-Destamatamento da União Europeia.
Segundo ela, primeiro existe um problema que é o custo com a burocracia para atender às normas. A Por existir um custo burocrático muito grande, a UEDR pesa mais para esses países e para pequenos e médios produtores. “Pede uma série de comprovações e esse custo de comprovação acaba pesando muito mais, tanto para países menos desenvolvidos quanto para pequenos e médios produtores. E isso é um fato”, reforçou a diretora.
Mais um fator que vai de encontro com nações africanas e asiáticas, além do Brasil, é a punição diretamente a lugares que ainda possuem florestas. “A gente está falando de países da África, países da Ásia, a gente está falando de Brasil, está falando de Malásia, está falando de Indonésia e está falando de países que ainda estão no seu processo de desenvolvimento e de expansão agrícola. Então pune diretamente países que ainda têm terra para expandir, que ainda têm condição de expandir sua produção agropecuária de forma legal e países que têm um grau de desenvolvimento menor e uma dificuldade maior com esse custo burocrático imenso que a norma pede”, completou Mori.
UEDR AINDA PRECISA ESCLARECER MELHOR ALGUNS PONTOS
Outro problema, de acordo com Matos, é a existência de pontos que precisam ser melhor esclarecidos. Primeiramente, ele destaca que a regulação desconsidera a legislação, os compromissos, os avanços e as limitações de tecnologia de cada país. Além disso, ele aponta que a UEDR superestima outras tecnologias e subestima a complexidade da cadeia produtiva.
Em segundo lugar, ele afirma que outro ponto sempre debatido é o risco da utilização de mapas de cobertura florestal feitos por inteligência artificial. “Nós já vimos que há muitos problemas. Exemplo é o mapa da Joint Research Centre (JRC), que não distingue corretamente áreas de florestas e áreas de cafés. Ou seja, se a autoridade competente, quem for fazer a fiscalização, usar esses mapas, não é uma ferramenta para a verificação e validação. Mas se for utilizada, como a gente tem escutado dos nossos parceiros de fora porque é muito prática, vai mostrar áreas desmatadas onde o café está há mais de 20 anos, ou seja, mais falsos positivos”, protesta Matos.
Um terceiro questionamento é quando quando ocorrer o problema de diferentes resultados por diferentes sistemas, pois, como exportador, o Brasil já faz o envio de dados, como informações de geolocalizações e monitoramento sócio-ambiental. Porém, o importador que é responsável por essa fiscalização e, quando fizer as próprias avaliações, poderá haver resultados diferentes.
“Essa discussão de quando há resultados diferentes, isso precisa ser melhor esclarecido, como as autoridades irão considerar. Então tem muitos pontos em aberto, até mesmo o risco insignificante ao desmatamento, que é algo que está na lei, precisa ser melhor definido para reduzir os riscos ao longo da cadeia” aponta.
PREOCUPAÇÕES DENTRO DA EUROPA POR CONTA DA UEDR
Dentro da Europa, como ressaltou Marcos Matos, também existem preocupação para quando a UEDR passar a valer. Ele explica que os operador, que são os empresários europeus, existe um risco empresarial muito grande, com multas de até 4% de faturamento, caso haja algum problema e, no caso da CS3D, que é a responsabilidade social corporativa, de 5% no faturamento.
Mais um risco dentro da própria Europa por conta da lei é a inflação, custos mais altos em função de dificuldades ao fluxo do comércio. “Há uma preocupação dos grupos econômicos europeus do processo industrial do café se enfraquecer na Europa, em detrimento às novas regiões em ampla expansão. Nós temos a China como grande exemplo. Mas outras regiões, nas Oceania e na América, também em expansão”, aponta Matos.
Sueme Mori, da mesma forma, destaca que a norma também vale para os produtores europeus, que estão reclamando do excesso de burocracia para a norma ser cumprida. Além disso, ela ressalta que a União Europeia não é auto-suficiente nos produtos das sete cadeias que estão no escopo dessa norma e, por isso, existe uma preocupação com custos e oferta.
“A preocupação que os europeus têm, os produtores europeus e a sociedade geral, é com o aumento do custo do alimento e, eventualmente, inclusive a falta de produtos para a matéria-prima”, reforça a diretora de relações internacionais.
Mori afirma que a União Europeia é um grande exportador de café industrializado e esse café verde vem de outros países. O mesmo vale para a soja. Segundo ela, existe uma dependência também de fornecimento externo da indústria europeia de terceiros países. “A preocupação que os produtores, a indústria e os próprios consumidores têm é com uma possível falta e o aumento do preço, aumento da inflação de alimentos e aumento do preço desses produtos no mercado europeu”, completa.
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