Renegociação Extraordinária de Débitos do Produtor Rural com os Fundos Constitucionais pode chegar em até 90%
1. Objeto da Lei 14.166/21
A Lei nº 14.166, de 10.6.2021 (“Lei 14.166/21” ou "Lei"), regulamentada em maio de 2022 pelo Decreto nº 11.064/22, dispõe sobre a Renegociação Extraordinária de Débitos (“Renegociação Extraordinária”) no âmbito do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (“FNO”), do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (“FNE”) e do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (“FCO”). Essa Lei foi editada em razão de uma demanda do setor rural, uma vez que em 2019 se encerrou o prazo da renegociação prevista pela Lei nº 13.340, de 28.9.2016 (“Lei 13.340/16”), a qual autorizava a liquidação e a renegociação de dívidas de crédito rural.
Estima-se que o FNE possui R$ 9,6 bilhões em dívidas passíveis de renegociação, o que representam quase 700.000 contratos. Já o FNO conta com R$ 3,6 bilhões em dívidas que podem ser renegociadas, o que equivale a 195.000 contratos.
A renegociação mais benéfica ao produtor rural está prevista no artigo 3º da Lei 14.166/21. Enquadram-se aqui as operações de crédito (i) contratadas há, pelo menos, 7 anos da contratação original do crédito, ou seja, operações contratadas até final de maio de 2014; e (ii) que, na data da publicação da lei, apresentavam saldo parcialmente ou totalmente vencido e que, nas demonstrações financeiras do Fundo Constitucional tenham sido: I) integralmente provisionadas, II) parcialmente provisionadas ou III) totalmente lançadas em prejuízos.
Os descontos sobre as dívidas dependem do porte do produtor e de sua localização. Ressalta-se que o valor da dívida repactuada, no entanto, limita-se, no mínimo, ao valor do principal liberado e não amortizado. Com a repactuação das dívidas, o produtor poderá deixar a situação de inadimplemento e se tornar apto a acessar novas linhas de crédito para financiar o custeio e o investimento da sua produção.
2. Benefícios
Alguns aspectos bastante interessantes estão previstos pela Lei, tais como:
(i) a aplicação de descontos automáticos sem a necessidade de avaliação da capacidade produtiva ou do patrimônio do devedor;
(ii) o processo de recálculo da dívida é feito, desde o início, única e exclusivamente com base no IPCA, o que traz uma redução significativa do débito, pois pouco importa a taxa de juros à época da contratação do financiamento;
(iii) após o recálculo ainda há um rebate, a depender do valor e do porte do produtor rural;
(iv) em caso de opção do devedor pela renegociação, e não liquidação da dívida, haverá um valor de bônus a incidir sobre o valor renegociado, a ser contabilizado em cada parcela;
(v) o valor da renegociação é analisado a partir da renegociação, não retroagindo ao valor original, quando da contratação do financiamento;
(vi) o banco não analisará a capacidade de pagamento do produtor e a amortização inicial também é dispensada;
(vii) prazo de pagamento de até 120 meses ou 10 anos, com a primeira parcela em 30.11.2023 e a última em 30.11.2032;
(viii) manutenção das garantias, sendo elas as mesmas da operação inicial, podendo, ou não, serem alteradas ou remidas, mantendo os percentuais iniciais;
(ix) dispensa da exigência de certidões negativas de débitos;
(x) limitação dos honorários em no máximo 1% do saldo atualizado, antes do desconto e, por fim,
(xi) os descontos que podem chegar a até 90%, a depender do porte do produtor.
No modelo de renegociação, a Lei também autoriza a substituição de encargos das operações de crédito rural e não rural contratadas até 2018 pelos encargos correntemente utilizados para contratação da nova operação. Como se vê, as medidas previstas na Lei também beneficiam os adimplentes, promovendo uma espécie de portabilidade das dívidas, de modo que produtores com financiamentos mais antigos e mais caros possam alterar a taxa de juros para os encargos correntes, mais baratos.
Outra informação importante é que a Lei também atende a agroindústria e os entes que fazem parte do elo da cadeia agroindustrial.
Ponto crítico
Um ponto crítico, por outro lado, é que, embora nas regiões Norte e Nordeste, os bancos trabalhem com risco compartilhado e em algumas situações com risco integral, o que permite o enquadramento na Lei aqui tratada, este não é o caso do Centro-Oeste. Nesta Região, o Banco do Brasil costuma assumir integralmente os riscos das operações de crédito rural, ou, então, há o repasse do objeto para outras instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central. Nestes casos, a própria Lei já determina que o risco das operações é do agente repassador e, como a lei em análise só permite a renegociação de dívidas com risco do Fundo Constitucional, então operações com bancos repassadores ficaram excluídas, apesar de terem sido constituídas com recursos do Fundo Constitucional.
No caso do Banco do Brasil, as operações de crédito rural contratadas até 2001 correram com risco do Fundo Constitucional. No entanto, a partir de 2001, praticamente todas as operações são com risco integral do próprio Banco do Brasil e, neste caso, há um problema de enquadramento na Lei 14.166/21.
Considerações finais
Não obstante o ponto crítico apontado acima, ainda que a operação de crédito do produtor rural tenha indício de não estar enquadrada nas hipóteses da Lei, é recomendável que o produtor busque orientação jurídica para que seja avaliada a melhor alternativa nestes casos. Com isso, abre-se a possibilidade de identificação da quantidade de produtores que estão nesta dificuldade de enquadramento, o que permite buscar e propor alternativas também para esses casos junto ao Banco do Brasil, já que o objetivo da Lei deve ser atender a todos.
Por fim, destaca-se que o prazo final para adesão à Renegociação Extraordinária se esgota em 30.12.2022.
Nesse contexto e diante das facilidades propostas pela Lei 14.166/21 para renegociação das dívidas oriundas dos Fundos Constitucionais, o que proporciona um cenário bastante benéfico para os produtores rurais brasileiros, entendemos que a oportunidade é única e não deve deixar de ser avaliada e estudada.
Assim, o MBM Advogados coloca-se à disposição para analisar a efetividade de uma possível renegociação ou liquidação da dívida e para estudar as hipóteses aplicáveis a cada caso, de acordo com os limites estabelecidos pela Lei 14.166/21.
Vitor Menezes Martins - [email protected]
Flávio Basile – [email protected]
Isabella Junqueira Castejon – [email protected]
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