Recuo da demanda no setor de rações deve pressionar mercado de grãos
O mercado brasileiro de grãos não deverá passar ileso pelos efeitos da Operação Carne Fraca, deflagrada pela Polícia Federal na última sexta-feira (17). "Trata-se de um tsunami na produção agropecuária do Brasil", lamenta o presidente da Coopavel, Dilvo Grolli. "Não só a produção de carnes irá sentir o impacto dessa ação, como também os preços dos grãos que compõem a ração animal, que já estão em um momento de preços mais baixos", completa.
Ao se contabilizar somente os últimos dias - de 1º de fevereiro a 20 de março - os preços caíram, em média, 11,33%, perdendo, aproximadamente, R$ 3,39 por saca, de acordo com um levantamento feito pelo economista do Notícias Agrícolas, André Lopes. Dessa forma, o preço médio que, no começo do mês passado, era de R$ 29,52, passou a ser, hoje, de R$ 26,13 por saca.
Há praças no interior do Brasil, porém, onde os preços atuais já estão bem abaixo desse patamar, como Sorriso, em Mato Grosso, com R$ 18,00 ou Campo Novo do Parecis, com R$ 21,00 por saca. No Paraná, Londrina tem R$ 23,00 e Cascavel, R$ 23,50; enquanto em Rio Grande do Sul, Não-Me-Toque e Panambi foram de R$ 27,00 a R$ 21,00 e Itumbiara, Goiás, de R$ 33,00 a R$ 25,00.
Os preços do milho já contavam com fundamentos baixistas, principalmente diante de uma importante recuperação de oferta no Brasil. O consultor internacional e especialista em América do Sul, Michael Cordonnier, revisou para cima, nesta terça-feira (21), sua estimativa para a safra brasileira de milho - contabilizando as duas temporadas - para 88 milhões de toneladas, 2 milhões de toneladas a mais do que sua projeção anterior.
Há porém, projeções para esta safra que já superam os 90 milhões de toneladas, indicando, portanto, uma recuperação significativa e consistente dos estoques brasileiros, e que já pesam sobre a formação dos preços. "E consumindo menos grãos (em função da possível redução de demanda promovida pela operação de Polícia Federal), os preços podem sentir ainda mais", reafirma Dilvo Grolli.
Para Steve Cachia, diretor da Cerealpar Brasil e consultor do Kordin Grain Terminal de Malta, na Europa, ainda é cedo para se confirmar uma retração da demanda, mas que o impacto sobre os grãos deverá ser sentindo no curto e médio prazo ao ser confirmada. "O impacto pode ou não ser imediato. Ainda é cedo, mas o reflexo é natural. A indústria de carnes no Brasil é muito grande", explica.
O analista, porém, diz ainda que o mercado do milho já é bem mais complexo do que esta operação e deve continuar pressionado a partir deste momento. "Temos uma safrinha enorme sendo plantada e, com um bom clima, será colhida". No entanto, afirma ainda que com preços tão pressionados no mercado interno, em dado momento, os preços para a exportação - apesar do câmbio desfavorável - poderiam se mostrar mais atrativos para o produtor brasileiro.
"Apesar da abundância de produto dos Estados Unidos, Rússia, Ucrânia, e demais países produtores, o milho do Brasil é muito demandado pela boa qualidade do Brasil, e isso pode favorecer nossas exportações", acredita Cachia. "E isso poderia acontecer de termos, ao menos nesse momento, preços menos competitivos".
E nesta terça-feira, já circularam notícias de que o México estuda a possibilidade de ampliar suas compras de milho no Brasil e na Argentina diante das incertezas da relação do governo mexicano com o norte-americano e frente ainda à revisão do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta). Na projeção da Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais), o Brasil deverá exportar, em 2017, 30 milhões de toneladas.
"O recente recuo nos preços do milho refletem, em maior parte, o avanço da colheita no Brasil. Então, esse impacto do milho com uma cadência para entrega em São Paulo acabou refletindo no recuo dos últimos dias que tivemos na BM&F. Daqui para frente, claro, o mercado vai monitorar o consumo e temos que pesar alguns assuntos para os próximos meses, mas também tem coisa boa no front, como as notícias que o México pode vir a importar milho do Brasil e da Argentina. Então, a análise já é mais longa e não tão mais imediatista", explica a analista da Labhoro Corretora, Andrea Sousa Cordeiro.
Farelo de Soja
No farelo de soja, os impactos também podem ser sentidos, uma vez que o ritmo nas indústrias brasileiras de rações já não é mais o mesmo, como relta o presidente da Coopavel. Nesta semana, as empresas já estão indo a mercado com um pouco mais de cautela, esperando os efeitos dos desdobramentos da operação da Polícia Federal.
"Se olharmos para a cadeia da carne, ela é feita de grãos, e eles não são algo isolado. Se tivermos problemas no consumo interno ou nas exportações, diminuiremos a produção de carnes no Brasil e assim o consumo de grãos. É uma relação direta e já observamos uma pressão. As empresas, mesmo que não diminuam sua produção de ração, começam a diminuir seus estoques querendo ver a reação do mercado internacional e internacional", relata Dilvo Grolli.
A pressão sobre as cotações da soja no mercado interno, deverá ser também inevitável. No entanto, a demanda para exportação - que ainda de acordo com a Anec, pode chegar a 60 milhões de toneladas - continua sendo o pilar fundamental de suporte dos preços da oleaginosa.
Além disso, como explica o consultor de mercado Vlamir Brandalizze, da Brandalizze Consulting, tanto a soja, quanto seu derivado são muito atrelados ao andamento dos futuros negociados na Bolsa de Chicago - mais do que o milho - e também poderiam se beneficar deste fator.
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