Tragédia no Rio se agrava com aumento de mortos e colapso de abastecimento nas cidades

Publicado em 14/01/2011 06:36
Dilma e Cabral culpam ocupação irregular pelo desastre

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Trator abre valas em cemitério municipal de Teresópolis 

O dia seguinte à maior tragédia natural que já atingiu o Rio de Janeiro trouxe para os sobreviventes dos municípios atingidos, na região serrana, além da desolação e da dor, o medo de saques, os cortes no abastecimento de água e de energia elétrica e o risco de falta de alimentos.
Em Nova Friburgo, moradores reviravam o lixo em busca de alimentos e remédios jogados fora por comerciantes que tiveram seus estabelecimentos inundados.
No Vale do Cuiabá, área nobre de Petrópolis, policiais em tratores buscavam saqueadores. O Exército montou acampamentos ra região para ajudar no resgate de vítimas e distribuir água e comida aos desabrigados.
Em Teresópolis, há racionamento de água. Caminhões-pipa foram enviados.
Até as 22h, as defesas civis municipais haviam encontrado 508 corpos. Peritos do IML já tinham identificado 470 deles. Nova Friburgo tinha 225 corpos; Teresópolis, 223; Petrópolis, 39. Cadáveres também foram encontrados em Sumidouro (17) e São José do Vale do Rio Preto (4). Perto de 14 mil pessoas estavam desalojadas.
O temporal de quarta-feira fez mais vítimas do que toda a chuva de 2010 no país, quando 473 pessoas morreram, segundo a Secretaria Nacional de Defesa Civil.

EM BUSCA DE COMIDA
Ainda tomadas pela lama, lojas de Nova Friburgo jogaram em caçambas e nas vias públicas mercadorias sujas que não prestavam mais depois da inundação.
Era lixo, mas passou a ser disputado por moradores, muitos deles desabrigados e desabastecidos. "Pega daqui, tem menos lama", orientava Darli José Nicolau, 68, aposentado que percorria as vias ao lado de parentes.
Nos poucos postos de gasolina abertos, a fila para conseguir combustível durava em média duas horas. Telefones mal funcionavam.
A dificuldade trouxe a solidariedade. No principal abrigo de Teresópolis, 400 pessoas se cadastraram como voluntários. O administrador de empresas Lucas Guimarães, 24, passou mais de 12 horas servindo água, sopa e frutas para famílias de desabrigados.

SAQUES
Uma onda de saques a pousadas de luxo e casas arruinadas fez a polícia ocupar o Vale do Cuiabá, região de Petrópolis mais afetada pela enchente.
Até o final da tarde, ao menos um saqueador havia sido preso com caixas de uísque e de vinho, 15 botijões gás e cinco rodas de carro com pneus e tudo.
Um bloqueio policial foi montado na estrada de acesso ao vale e só carros de ajuda humanitária passavam.
Para proteger a mobília enlameada pela enxurrada, moradores mantêm alguém da família acordado durante toda a madrugada.
"As pessoas estão se aproveitando da desgraça alheia. Os moradores estão revoltados, se pegarem vão matar e jogar o corpo no rio", afirma o sargento Júlio César, da Guarda Municipal.
Em Teresópolis, a demora para o reconhecimento dos mortos torna a identificação cada vez mais difícil por causa da deterioração. Famílias diferentes já chegaram a brigar por um mesmo corpo.
Enterros eram feitos sem que houvesse tempo para velórios. O cemitério local, que faz em média dez enterros por dia, até as 15h de ontem já tinha feito 40.

A maior tragédia, editorial da Folha

Embora superando recordes históricos, mortandade no Estado do Rio inscreve-se numa rotina de omissão e descaso das autoridades A calamidade que se abateu sobre a região serrana do Estado do Rio de Janeiro, na madrugada da quarta-feira, não se dimensiona apenas pelo número de mortos -passavam de 500 ao término desta edição- nem pelas imagens impressionantes do rastro de água e lama que, em poucas horas, transformou chalés turísticos e moradias simples num cenário de desespero e destruição.
No que tange ao cômputo das vítimas, Teresópolis, Petrópolis e Nova Friburgo já superam o recorde de meados dos anos 60, quando 300 pessoas morreram em temporais no Rio e mais de 400, estima-se, perderam a vida em Caraguatatuba (SP). Essas haviam sido as maiores catástrofes atribuídas a causas naturais no país.
Mas a expressão "causas naturais" é enganosa quando se fala em acontecimentos deste tipo. Se a violência das chuvas foi excepcional, não se deve a nenhum fenômeno atmosférico o fato de que encostas tenham sido ocupadas descontroladamente -a exemplo, aliás, do que acontece em muitas outras cidades do país.
Não depende da meteorologia a ausência de mapeamento adequado das áreas de risco. Não constitui, por fim, culpa de são Pedro (para usar o clichê das autoridades nesta época do ano) que menos da metade das verbas federais para prevenção de desastres tenha sido aplicada em 2010.
Segundo o Ministério das Cidades, de 99 municípios com histórico de tragédias apenas 45 apresentaram projeto que os habilitasse a receber dinheiro para obras de prevenção. Isso não justifica desvios políticos do governo federal, como os praticados pelo ex-ministro da Integração Nacional Geddel Vieira, que destinou metade das verbas a seu Estado, a Bahia, em 2009. Tampouco explica os atrasos ou a retenção de recursos -já escassos- prometidos quando ocorrem os desastres.
Não se trata apenas de incompetência técnica nem de falta de recursos. Por motivos políticos, autoridades nas mais diversas regiões do país não se dispõem a pagar o preço de remover os habitantes das áreas ameaçadas. Facilitaram, muitas vezes, a sua ocupação, criando redutos eleitorais em terrenos predestinados à tragédia. Ignoraram normas de edificação, consideraram dispensáveis os cuidados com a cobertura florestal e com a impermeabilização do solo.
Soluções técnicas podem ser diferentes, no vale do Itajaí (SC) ou na região metropolitana de São Paulo, em Pernambuco ou no Rio de Janeiro. Igual, entretanto, em toda parte, parece ser a omissão das autoridades -que só pode ser chamada de criminosa, quando suas vítimas, mais uma vez, se contam às centenas nestes dias.

"La Niña" explica inundações em vários países do mundo 

Fenômeno tem causado chuvas torrenciais desde o ano passado 

Menos conhecido e menos frequente que o "El Niño", o "La Niña" é um fenômeno natural que resfria as águas do oceano Pacífico e produz mudanças na dinâmica atmosférica. Assim como o primeiro, também pode impor um padrão distinto de comportamento climático em todo o mundo.
O último episódio do "La Niña" atinge agora seu pico e, segundo estudiosos, pode se estender até o meio deste ano. Seus primeiros efeitos, avaliados como sendo de intensidade moderada a forte, começaram a ser percebidos em meados de 2010.
O fenômeno pode ser o responsável por inundações na Austrália e nas Filipinas, onde dez pessoas morreram desde o início deste mês.
As chuvas torrenciais que mataram centenas de pessoas na Venezuela e na Colômbia, em novembro e dezembro, também são reflexos do "La Niña". A inundação no Paquistão, em agosto do ano passado, encaixa-se nos efeitos do fenômeno.
Naquele país, os reflexos do "La Niña" foram particularmente ruins. Na região, o "La Niña" foi imediatamente seguido pelo "El Niño", que tende a deixar as temperaturas no oceano Índico mais altas que o normal.
O ar mais quente contém mais vapor de água e assim pode produzir mais chuva.
"Os padrões altos de precipitação do "La Niña", aliados ao calor após o "El Niño", ajudam a explicar por que as inundações no Paquistão foram tão devastadoras", diz o especialista Kevin Trenberth, do Centro Americano para Pesquisa Atmosférica.
Mares mais quentes na Austrália também podem explicar a dimensão das atuais inundações.
Devido ao aquecimento das águas, as inundações, em associação ao "El Niño", devem se agravar em breve. E esses não são os únicos danos que o fenômeno pode causar. Nos próximos meses, a corrente "La Niña" pode fazer mais vítimas em outras partes do mundo.
De acordo com um estudo da Cruz Vermelha e do Instituto Internacional de Pesquisas de Clima e Sociedade, chuvas fortes podem ser esperadas no norte da América do Sul e no sudoeste da África nos próximos dois meses.
Em fevereiro de 2000, as enchentes devastadoras em Moçambique, na África, ocorreram exatamente quando o "La Niña" estava próximo do seu pico.

Clima ajudou queda de Império Romano

Estudo mostra que, a partir do século 3, esfriou e parou de chover no Império, e a agricultura entrou em colapso


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Muralha de Adriano (Inglaterra), feita no auge de Roma 

RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO 

Não é a resposta que quem corrige vestibulares espera, mas um novo estudo diz que, entre os fatores que levaram o Império Romano ao fim, está uma mudança climática.
Pesquisadores da Universidade Harvard e de várias instituições europeias mostraram que, no auge da expansão de Roma, o clima era quente e chuvoso. Isso fortalece a agricultura e, assim, ajuda a alimentar grandes exércitos, além de permitir uma economia pujante, evitando insatisfações internas.
Isso aconteceu por volta do ano 100 d.C., quando o Mediterrâneo virou um "lago romano", e o Império chegou a colocar os pés até no Norte da atual Inglaterra, onde concluiu, em 126 d.C., a muralha de Adriano, para manter os inimigos afastados.
Uma hora, porém, a prosperidade acabou. A partir do meio do século 3, mudanças climáticas tornaram o Império Romano mais seco e frio.
Segundo o grupo internacional de pesquisadores, que publicou suas conclusões na "Science", isso certamente afetou a produção de alimentos e pode ter estimulado causas tradicionalmente relacionadas à decadência de Roma, como a inflação.
Certamente políticas monetárias erradas colaboraram para piorar o cenário de crise econômica, dizem, mas não é por isso que se deve, nas palavras de Jan Esper, da Universidade Johannes Gutenberg (Alemanha), "seguir a crença comum de que civilizações estão isoladas de variações ambientais".
Para saber como era o clima há tanto tempo, os cientistas analisaram 9.000 pedaços grandes de madeira antiga. A maioria veio de restos de construções e artefatos de madeira na Europa.
Cada ano cria um anel único no tronco da árvore. Pacientemente, os cientistas foram retrocedendo, comparando pedaços de madeira cada vez mais antigos.
O desafio era ir criando uma sequência história de troncos: quando não havia mais como retroceder nos anéis de um, ter um novo pedaço de madeira, mais antigo, para seguir.
Conforme a grossura desses anéis, é possível saber quanto choveu e se fez frio ou calor naquele ano.
Os cientistas destacam que a existência de mudanças climáticas em um período pré-Revolução Industrial não significa que o aquecimento global contemporâneo seja natural. "O que está acontecendo agora não tem precedentes, é muito mais rápido", dizem os cientistas.
A ideia de que fatores ambientais, mais do que políticos, levam sociedades ao colapso ganhou força em 2005, quando o biogeógrafo americano Jared Diamond lançou o livro "Colapso". Nele, Diamond mostra como coisas como a exploração excessiva da madeira ou da pesca levaram sociedades à crise.
Não existia grande material científico, em 2005, sobre como o ambiente tinha atingido Roma. Os romanos, ao menos, não tiveram culpa pelas mudanças no clima que atingiram seu Império.

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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