Financiamentos verdes no Brasil avançam em meio a desafios e cobranças internacionais
A agricultura sustentável é um dos maiores pilares do agronegócio brasileiro e sua adoção é feita de forma sistemática e empírica desde a fundação da Embrapa, em 1973. Além de revolucionar a compreensão do país em relação ao campo, o uso da ciência foi necessário para que a produção agrícola tropical fosse viável em larga escala. Nas últimas décadas, o Brasil passou de importador a exportador de alimentos, tornando-se um dos maiores fornecedores de produtos agropecuários do mundo.
Esse crescimento posiciona o país como um grande aliado comercial, mas também o torna alvo de críticas de competidores internacionais. Além disso, mudanças nos hábitos alimentares e novas exigências do público consumidor obrigam as atividades agrícolas a se adaptarem a novas legislações de responsabilidade socioambiental. Nesse contexto, a comunidade internacional implementa rígidas normas globais relacionadas à sustentabilidade.
Legislações que afetam diretamente a agropecuária são exemplificadas pela Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia, que subsidia e financia os agricultores que atendem à legislação de redução de emissões. “Sem esses subsídios, a agricultura na Europa seria praticamente inviável, pois essa estrutura de incentivo público gera uma grande dependência. No entanto, a estratégia Farm to Fork de produção de alimentos sustentáveis na Europa é pautada pela restrição ao uso de defensivos, tecnologias e áreas produtivas”, diz João Adrien, Head de ESG Agro do Itaú BBA.
No Brasil, a situação é diferente, pois a política nacional incentiva a adoção de tecnologias mais eficientes e produtivas através de programas governamentais ou ações do setor privado. Ao entender que sustentabilidade e evolução caminham juntas, a agropecuária brasileira passou a adotar soluções integrativas e manejos responsáveis pouco utilizados em outros países.
“Os produtores rurais brasileiros, em geral, já adotam tecnologias e práticas sustentáveis, porém é muito difícil mensurar a escala dessas ações. No Plano Safra, por exemplo, o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) identificou que quase 60% dos recursos eram direcionados a tecnologias ou práticas que reduzem as emissões e aumentam a resiliência das lavouras (tabela abaixo). Contudo, o programa governamental é limitado em monitorar essas práticas, cabendo a nós, como instituição financeira, desenvolver métodos para assegurar que um determinado recurso seja realmente utilizado para o fim esperado”, comenta Adrien.
O sucesso apresentado pelo Ministério é reforçado por uma pesquisa da FEBRABAN de 2022, que mostra que as operações de setores da economia verde cresceram de 17,74% em 2012 para 20,94% em 2022. Para Sebastian Soares, presidente do Ibracon (Instituto de Auditoria Independente do Brasil), há uma tendência de crescimento de fundos e outras emissões verdes no Brasil. “O governo federal lançou, em novembro de 2023, a primeira emissão de green bonds para dívida soberana, cujos recursos serão destinados exclusivamente a projetos sustentáveis, como transição energética e transporte sustentável. Com essa maior oferta de produtos financeiros, a tendência é que a procura aumente”, argumenta.
O aumento desse tipo de crédito beneficia toda a cadeia produtiva, pois as instituições financeiras e empresas de auditoria monitoram os recursos liberados. “Para a liberação de crédito verde, os pré-requisitos são bem rígidos. O tomador deve apresentar um projeto bem elaborado que demonstre como o recurso será utilizado. Após a aprovação do planejamento, acompanhamos cada etapa do projeto até sua finalização”, explica Adrien. “Os requerimentos variam de acordo com onde esses títulos serão emitidos, podendo incluir a obrigação de disponibilizar relatórios sobre a destinação dos recursos, processos de auditoria ou certificação, entre outros. Além disso, as exigências de emissão desses títulos diferem caso sejam negociados em bolsas de valores mobiliários (B3, NYSE, etc.) com registro em comissões de valores mobiliários (CVM, SEC, etc.) ou somente para investidores qualificados por meio de mercado de balcão. A depender de onde e como esses títulos forem negociados, os pré-requisitos podem variar substancialmente”, complementa Soares.
O acompanhamento contínuo torna as ações sustentáveis mensuráveis e apresentáveis para a comunidade nacional ou internacional, diminuindo os riscos de compliance e melhorando a gestão das propriedades dos produtores. Por isso, as estratégias de monitoramento adotadas pelas instituições precisam ser simples e pouco custosas, viabilizando todo o processo.
“Dependendo do tipo de emissão, diferentes instituições regulatórias fiscalizam os emissores e diferentes regulamentos e sanções aplicam-se conforme o mercado em que os títulos são negociados. Por exemplo, para emissões registradas na CVM e negociadas na B3, há regulação específica sobre o que deve ser divulgado. O auditor externo, seguindo normas internacionais de independência e procedimentos padronizados, é o melhor profissional para fiscalizar a destinação dos recursos”, esclarece Soares.
Agricultura e preservação de mata nativa
O Grupo Roncador, que possui uma das maiores propriedades agropecuárias do país, é uma referência em sustentabilidade. Situada em Querência/MT, a Fazenda Roncador foi fundada em 1978 e desde então se tornou sinônimo de agropecuária ambiental. O Grupo adota e lidera diversas práticas sustentáveis no Vale do Araguaia, também no Mato Grosso. A ação mais recente foi a captação de R$80 milhões, destinados ao uso de cobertura de solo.
“Desde o princípio, nossa propriedade adota boas práticas agrícolas e esse recurso atual será utilizado em 25% de nossa área, com cobertura de solo o ano todo, com medições feitas por satélite”, conta Pelerson Penido Dalla Vecchia, CEO do Grupo Roncador.
O montante obtido pelo Grupo foi viabilizado pelo Itaú BBA, que ampliou sua carteira de produtos focados em financiamento verde para o agro, contando hoje com cinco linhas de crédito que somam R$2,5 bilhões. “Oferecemos incentivos com taxas mais atrativas, que atendem ao uso de tecnologias sustentáveis como bioinsumos, energia solar, plantio de cobertura e processos de certificações”, esclarece Adrien.
O projeto será financiado e custeado pelo banco, enquanto o Grupo Roncador fará toda a administração do uso dos recursos. “Nosso sistema melhora a cada ano, mais saudável, com mais vida, produzindo mais, mostrando que meio ambiente e agricultura andam juntos”, acrescenta Dalla Vecchia.
Greenwashing e os desafios para o crescimento dos financiamentos verdes
A história do Grupo Roncador demonstra que as possibilidades de crédito são viáveis, contanto que haja responsabilidade no uso dos recursos. “Os produtores adotam práticas sustentáveis e já estão acostumados a tomar créditos para diversos fins. No caso dos financiamentos verdes, o produtor não pode ter medo de apresentar esses resultados. Nosso setor está intrinsecamente ligado à natureza, e isso é muito bonito. Temos gosto em fazer o melhor para preservar a produção e a natureza. Essa abertura de linhas verdes é um passo importante, e vejo que outro passo adiante é que o agricultor receba pelas práticas ambientais que adota”, argumenta o CEO do Grupo Roncador.
Para atingir esse ponto indicado por Dalla Vecchia, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer para ampliar o mercado de financiamentos verdes. “Nós, como instituição, conseguimos gerar benefícios por meio de financiamento com taxas mais competitivas. Porém, no Brasil, os juros ainda são caros e a captação de investidores se torna um desafio, pois há competição com investimentos de taxas mais altas. Dessa forma, temos uma cadeia desencontrada, em que o mercado demanda mais sustentabilidade, mas com pouco apetite para investir”, contextualiza Adrien.
A transparência na gestão de recursos ambientais, citada tanto por Dalla Vecchia quanto por Adrien, é o caminho para ampliar o mercado. Cumprir todas as exigências, mesmo que rígidas, é o que traz a confiabilidade necessária para evitar o “greenwashing”, prática de apresentar dados pouco confiáveis sobre avanços sustentáveis.
“A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por meio da Resolução 175/22, regulou e padronizou o uso de termos como 'verdes', 'sociais', 'sustentáveis', 'ESG', 'ASG' ou termos correlatos, obrigando os emissores a informar as metodologias, princípios ou diretrizes sobre a destinação do caixa levantado pelo emissor destes títulos, devendo informar quais os benefícios ambientais esperados e como a política de investimento busca originá-los; quais metodologias, princípios ou diretrizes são seguidas para a qualificação dentro dessa terminologia usada, o conteúdo e a periodicidade de divulgação de relatório sobre os resultados ambientais alcançados pela política de investimento no período, entre outros requerimentos descritos na resolução. A depender de onde a emissão dos títulos for realizada e qual a referência a terminologia utilizada, o emissor desses títulos deve observar as normas e regulamentos para a classificação como Green Bonds e evitar o risco de a emissão ser categorizada como greenwashing”, orienta Sousa.
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