Setor produtivo alerta para risco fitossanitário em cacau importado da África
Em janeiro, o Brasil recebeu um navio com 250 mil sacas de cacau no porto de Ilhéus, na Bahia. Apesar de já ter sido o maior produtor mundial da fruta, o país passou a depender da importação após a década de 1980, quando a doença vassoura-de-bruxa devastou os cacaueiros, reduzindo a produção nacional de 449 mil toneladas para apenas 96 mil. Até hoje, o setor luta para se recuperar, com impactos econômicos e sociais ainda visíveis em diversas cidades baianas.
Parte dessa recuperação vem sendo impulsionada por projetos e iniciativas que promovem uma divisão mais justa de lucros ao longo da cadeia produtiva. Como resultado, a produção nacional tem avançado gradualmente, atingindo atualmente uma média de 200 mil toneladas por safra. No entanto, esse crescimento ocorre em meio a grandes desafios fitossanitários. Além da vassoura-de-bruxa, doenças como monilíase e podridão parda preocupam os produtores, que também alertam para os riscos representados por pragas e doenças trazidas por carregamentos internacionais, especialmente da África.
A produção africana, além de ser uma das principais referências para a formação dos preços globais do cacau, enfrenta problemas recorrentes. Em 2024, doenças limitaram drasticamente a produtividade no continente, impactando os preços internacionais e agravando crises sociais em países como Gana e Costa do Marfim, os maiores produtores mundiais.
“Como ainda não conseguimos produzir o suficiente para atender à demanda interna, a indústria precisa importar parte das amêndoas. Grande parte desse material vem da Costa do Marfim, mas também recebemos cacau de Gana. O cacau da Costa do Marfim apresenta uma qualidade muito ruim, e isso nos preocupa, principalmente em relação à segurança fitossanitária”, afirma Milton Andrade Júnior, engenheiro agrônomo e ex-presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Ilhéus.
A presidente da Associação Nacional dos Produtores de Cacau, Vanuza Barroso, reforça que as doenças presentes nos cacaueiros africanos, somadas aos desafios logísticos do cacau importado, representam uma ameaça significativa.
“As principais indústrias processadoras estão concentradas na região de Ilhéus, e é por ali que chega o cacau importado. Além disso, todo o cacau nacional também passa por essa região. Quem conhece Ilhéus sabe o quanto o cacau é essencial, a ponto de influenciar até o urbanismo da cidade. O risco é que um único carregamento contaminado cause um desastre fitossanitário no Brasil. Temos alertado as autoridades, mas não sentimos que estão dando a atenção necessária a essa questão”, alerta Vanuza.
Diante dessas preocupações, a Associação Nacional dos Produtores de Cacau divulgou um artigo questionando a segurança das amêndoas importadas e os processos adotados para evitar a propagação de doenças no território brasileiro. Um dos principais pontos levantados é a revogação do uso do Brometo de Metila, produto anteriormente utilizado no combate de pragas e proibido pela Instrução Normativa 125 do Ministério da Agricultura.
O fim da utilização dessa substância gerou discussões no Congresso Nacional, levando à criação do Projeto de Lei 336/2022, que questionou a decisão do MAPA. No entanto, após análises técnicas, concluiu-se que a revogação seguiu normas internacionais de sustentabilidade e considerou que as pragas combatidas pelo Brometo são de baixo risco para o Brasil, conforme destaca o seguinte trecho:
“A utilização do Brometo de Metila só seria justificada pelo tratamento das pragas Phytophthora megakarya e Striga spp. No entanto, a possibilidade de introdução dessas duas pragas ao Brasil pela importação de Amêndoas do Cacau é muito baixa, o que não justificaria, conforme o relatório do MAPA a regulamentação delas. O MAPA realizou visita técnica a Costa do Marfim entre 12 e 21 de dezembro de 2020 onde constatou uma série fatores que justificam o baixo risco de introdução dessas pragas e, portanto, essas pragas foram desregulamentadas e por isso não constam na IN nº 125, que regulamenta 3 (três) pragas, excluindo-se essas duas”.
O coordenador-geral de Fiscalização e Certificação Fitossanitária Internacional, Eduardo Henrique Porto Magalhães, explica que o Brometo de Metila foi substituído pela Fosfina como método de eliminação de possíveis pragas nas amêndoas de cacau importadas.
“O produto que recebemos da África são amêndoas que já passaram por processos industriais, o que diminui consideravelmente qualquer tipo de risco. No entanto, não existe risco zero, por isso também aplicamos medidas na origem e aqui no nosso país. No caso do cacau, todos os carregamentos são supervisionados e inspecionados. Quando há suspeita de alguma praga, as amostras são coletadas e enviadas para laboratórios da rede oficial do Ministério da Agricultura. Além disso, exigimos que os caminhões que transportam esse cacau do navio até o local de processamento sejam devidamente lacrados, isolados e lonados para evitar qualquer derramamento do material. As unidades do MAPA que recebem esse cacau contam com servidores treinados especificamente para monitoramento de doenças do cacau. Como a cultura do cacau é amplamente estudada nessa região, esses profissionais têm grande expertise na identificação de lotes irregulares e na realização de coletas detalhadas quando há suspeita de contaminação”, explica Magalhães.
Ainda segundo o coordenador-geral, a importação de qualquer produto agrícola, independentemente da origem, não seria autorizada caso representasse risco fitossanitário ao Brasil. Dessa forma, ele garante que o Ministério da Agricultura realiza todos os esforços necessários para garantir a segurança do cacau importado e que o órgão está atento aos possíveis riscos para a cadeia produtiva do cacau. Ele ressalta que, além dos riscos associados ao cacau importado da Costa do Marfim, há outras preocupações fitossanitárias, especialmente em localidades próximas ao Brasil onde há registros de doenças.
“O MAPA, nos últimos dois, três anos, tem intensificado o contato com produtores, associações e entidades de pesquisa, como Embrapa e CEPLAC. Não apenas por conta da importação de cacau da Costa do Marfim, mas principalmente devido à Moniliophthora roreri, um fungo detectado na fronteira do Brasil com o Peru, que representa uma ameaça muito maior aos produtores locais. Por isso, a relação entre governo e setor privado se estreitou nos últimos anos. Existe hoje muita conscientização sobre como proceder no transporte das amêndoas, além da definição de locais considerados livres da praga e áreas que hoje são classificadas como de risco”, comenta Magalhães.
Confira o Projeto de Lei 336/2022 na íntegra:
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