Florestas de chocolate: pode o cacau ajudar a restaurar a Amazônia?
Por Marcy Nicholson e Marcelo Teixeira
NOVA YORK/MEDICILÂNDIA (Reuters) - Durante anos, Valdomiro Facchi obteve seu sustento usando terras da floresta Amazônica para a pecuária. Ele é um pequeno elemento em um dos maiores desastres ambientais do mundo.
Porém, agora que os muitos anos de pecuária deterioraram os solos na sua propriedade, e novas leis impedem que ele desmate novas terras para obter ganhos de escala, ele precisa encontrar alternativas de renda.
“Eu quero diversificar”, disse o pecuarista de 68 anos, esboçando planos para plantar cacau em partes de sua propriedade de 300 hectares no Estado brasileiro do Pará. “Eu quero ter a renda do cacau quando os ganhos com o gado forem fracos.”
Facchi personifica uma tendência no Brasil que está tornando partes danificadas da bacia Amazônica verdes de novo e criando uma aliança incomum entre a indústria agrícola e ambientalistas. Muitos pecuaristas na região estão plantando cacau nos pastos degradados, com apoio financeiro de grupos ambientais internacionais.
Isso é uma grande mudança. Por décadas, criadores de gado foram considerados o motor do desmatamento da floresta Amazônica que deixou uma área quase do tamanho da Espanha sem árvores. Ambientalistas argumentam que a prática destrói o habitat de vida selvagem e prejudica a habilidade do planeta de absorver dióxido de carbono, que causa o aquecimento global.
“Além de ser um meio de evitar o desmatamento, plantações de cacau favorecem a economia local, regional e nacional”, disse o grupo ambiental internacional The Nature Conservacy em seu website.
A novas árvores também trarão uma mudança para o mercado global de cacau. A Associação Nacional das Indústrias Processadores de Cacau (AIPC) espera que o aumento nas plantações ajude a dobrar a produção brasileira da matéria-prima do chocolate até 2028 para 400.000 toneladas por ano. Esse crescimento faria com que a produção global tenha alta de quase 5 por cento.
A renovação da plantação poderia tornar novamente o Brasil um dos três maiores produtores de cacau depois de o setor ter sido dizimado nos anos 90 por um fungo nas plantações chamado vassoura de bruxa.
(Para gráfico sobre a produção global de cacau e consumo de chocolate, clique em: https://tmsnrt.rs/2GzYPF0)
Ambientalistas e representantes da indústria do cacau esperam que a tendência ajude a mitigar uma parte dos efeitos do desmatamento, que alcançou cerca de 430.000 quilômetros quadrados na floresta Amazônica desde os anos 80.
“Cinquenta por cento do (crescimento da produção de cacau) virá da Amazônia”, disse Eduardo Bastos, diretor-executivo da AIPC, chamando as fazendas de cacau lá de “florestas de chocolate”.
Grupos conservacionistas como o The Nature Conservacy e o Fundo Amazônia ajudam a financiar as novas plantações de cacau. O Fundo Amazônia, que foi criado pelo governo brasileiro e aceita doações internacionais para combater o desmatamento, doou 17 milhões de reais (5,09 milhões de dólares) para projetos do tipo.
Aproximadamente 1.700 quilômetros quadrados de pasto degradado no Brasil já foram transformados em plantações de cacau, de acordo com Bastos.
INCENTIVOS ECONÔMICOS
As plantações de cacau ganharam impulso com limitações das novas leis ambientais brasileiras sobre expansões de área para agricultura e pecuária. Na Amazônia, o pasto pode ser degradado em menos de três anos, se não gerido corretamente, dificultando a criação de um rebanho próspero sem um novo plantio.
Em 2014, o Brasil aprovou uma lei que permite a donos de terra desmatarem apenas 20 por cento da sua propriedade na Amazônia, o que fez com que alguns proprietários tivessem que replantar algumas áreas.
A lei pretende limitar o desmatamento, que teve um pico em 2004 em um ritmo de 27.000 quilômetros quadrados por ano, caindo bastante após isso mas mantendo níveis considerados ainda elevados. Em 2017, a Amazônia brasileira perdeu 6.624 quilômetros quadrados de floresta.
Comparado à pecuária, o cacau pode prover renda a partir de uma área relativamente pequena sem necessidade de expansão constante. O lucro é muito maior, disse Eduardo Trevisan Gonçalves, diretor de projetos no Imaflora, um instituto brasileiro que promove a conservação aliada à geração de renda.
“Nós fizemos um estudo nessas áreas na Amazônia e descobrimos que a produção de cacau pode ser até cinco vezes mais lucrativa que a pecuária”, ele disse.
O benefícios se estendem para o ambiente. As plantações de cacau podem imitar as florestas originais, ajudando a restaurar plantas nativas e espécies selvagens, impulsionando os recursos hídricos e absorvendo dióxido de carbono, disse Gonçalves.
“É uma plantação perene, ficará lá por décadas”, ele disse.
O financiamento por grupos ambientais vem com regras para impulsionar os benefícios ecológicos das plantações, de acordo com José Garcia, um agricultor no centro do Estado do Pará que foi pré-qualificado para receber recursos do Fundo Amazônia para o cultivo de cacau.
Sob os termos, ele disse, ele deve plantar cacau ao lado de espécies nativas mais altas, como mogno e ipê.
“É recomendado que o cacau seja plantado com outras árvores, mais altas, para se beneficiar da sombra”, ele contou à Reuters em sua fazenda em Medicilândia, no Pará.
"COMPRAMOS CACAU"
Evidências da mudança estão em todo lugar na região de Medicilândia, onde pastos degradados estão dando lugar a sombreadas plantações de árvores de cacau, que carregam os frutos amarelos e rubis.
Na cidade, agricultores levam caminhonetes cheias de amêndoas secas de cacau para armazéns enfileirados ao longo das ruas próximas da rodovia Transamazônica, que portam placas em que se lê “Compramos Cacau".
Lanchonetes por perto vendem suco de cacau gelado, uma bebida grossa e doce preparada com a polpa da fruta.
O Brasil é um peso pesado da agricultura, entre os principais produtores de soja, milho, açúcar, café e laranja. Porém deixou de ser o segundo maior produtor de cacau nos anos 90 depois que uma infestação de vassoura de bruxa acabou com a produção.
No Estado do Pará, no entanto, as lavouras de cacau utilizam novas variedades menos propícias à doença, que também enfrenta condições mais restritivas ao seu desenvolvimento como um longo período seco que restringe o fungo. Como resultado, os rendimentos das árvores de cacau no Pará são o dobro da média global, disse Bastos, do AIPC.
Há algumas evidências de que o Brasil poderia absorver parte dessa nova produção: o Euromonitor coloca o consumo per capta de chocolate do Brasil a apenas 1,2 quilograma por ano, ante 8,8 quilogramas na Suíça, por exemplo.
Isso significa que o mercado doméstico brasileiro de chocolate talvez ainda tenha espaço para crescer.
As empresas de processamento brasileiras, que transformam grãos de cacau em manteiga, pó e chocolate, dão boas-vindas aos prospectos de aumento da oferta doméstica para alimentar suas fábricas e diminuírem suas importações, mas injetam uma nota de ceticismo.
O vice-presidente de cacau da Olam International no Brasil, Kidambi Srinivasan, por exemplo, chamou a meta de 400.000 toneladas por ano de “uma possibilidade remota” sem preços de mercado mais altos e mais assistência para os agricultores em diversas áreas, incluindo financiamento, treinamento.
Os preços de referência do cacau em Nova York estão atualmente por volta de 2.500 dólares por tonelada, tendo se recuperado de uma mínima de 10 anos a 1.756 dólares atingida em 2017 por preocupações com um excesso de oferta global.
Outros grandes processadores no Brasil incluem a Cargill, que possui uma fábrica de 85.000 toneladas em Ilhéus, e a Barry Callebaut, a maior fabricante de chocolate industrial do mundo, que abriu sua primeira fábrica de chocolate na América do Sul no Brasil em 2010.
Para alguns dos pecuaristas que se tornaram produtores, a chance de desfazer parte do dano à Amazônia causado pela pecuária é tão importante quanto o dinheiro que pode ser feito com o cacau.
“Teve uma época em que eu pensei: nós não deveríamos ter vindo para cá”, disse Elido Trevisan, que chegou ao Pará para criar gado em 1972 e desmatou a maior parte dos lotes que obteve.
“Mas agora”, ele disse, “nós podemos fazer algo para compensar”.
(Por Marcy Nicholson e Marcelo Teixeira)
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