Incêndios no Pantanal causam devastação, matam animais e emitem alerta climático
Por Jake Spring
POCONÉ, Mato Grosso (Reuters) - Um incêndio está queimando desde meados de julho no Pantanal, deixando um rastro enorme de destruição em uma área maior do que a cidade de Nova York.
Uma equipe de veterinários, biólogos e guias locais chegou no final de agosto para percorrer a esburacada estrada de terra conhecida como Rodovia Transpantaneira em picapes, tentando salvar animais feridos.
Onças-pintadas vagam pelo terreno carbonizado, disseram eles, com fome e sede, as patas queimadas, os pulmões enegrecidos pela fumaça. Eles viram corpos de jacarés, mandíbulas congeladas em gritos silenciosos, o último ato de criaturas desesperadas para se refrescar antes de serem consumidas pelas chamas.
Este grande incêndio é um dos milhares de incêndios que varrem o Pantanal brasileiro --o maior pântano do mundo-- neste ano, no que os cientistas climáticos temem que possa se tornar um novo normal, repetindo outros casos de aumento de incêndios causado pelo clima, da Califórnia à Austrália.
O Pantanal é menor e menos conhecido do que a floresta amazônica, mas as águas normalmente abundantes e a localização estratégica da região --entre a floresta tropical, vastos campos do Brasil e florestas secas do Paraguai-- o tornam um atrativo para os animais.
Os incêndios agora estão ameaçando um dos ecossistemas de maior biodiversidade do planeta, dizem os biólogos. O Pantanal abriga cerca de 1.200 espécies de animais vertebrados, incluindo 36 ameaçados de extinção. Em toda esta paisagem geralmente exuberante de 150.000 quilômetros quadrados, pássaros raros voam e a mais densa população de onças-pintadas do mundo vagueia.
O fogo não é novidade aqui. Por décadas, os fazendeiros usaram as chamas para devolver nutrientes ao solo de forma barata e renovar o pasto para o gado de corte. Mas essas chamas, alimentadas pela seca, agora queimam com força histórica, correndo pela vegetação ressequida. Os maiores incêndios no Pantanal neste ano representam o quádruplo do tamanho do maior incêndio na floresta amazônica, mostram os satélites da Nasa.
Um recorde de 23.490 quilômetros quadrados foi queimado até 6 de setembro --quase 16% do Pantanal brasileiro, de acordo com uma análise da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
No mês passado, a Reuters testemunhou um incêndio que atingiu de uma floresta a uma pastagem perto do portal turístico de Poconé, no Estado de Mato Grosso. A temperatura no solo subiu para 46,5 graus Celsius.
Dorvalino Conceição Camargo, um lavrador de 56 anos com um chapéu de palha comum entre os trabalhadores locais, ajudou a conter as chamas.
Suando com o esforço, Camargo disse que nunca tinha visto fogo tão forte.
“Sofre tudo”, disse ele, explicando que “o gado está sofrendo, (mas) não é só o gado, sofre tudo.”
NADA DE INUNDAÇÃO
O Pantanal é conhecido por ser úmido, não seco. A maior planície inundável do mundo normalmente se enche de água durante a estação chuvosa, de novembro a abril de cada ano.
Camargo lembra de ter navegado nas águas ainda criança em canoas. De volta à fazenda onde trabalha, ele mostrou a marca d'água da fazenda --70 centímetros acima do solo-- talhada no poste de um curral de gado. Mesmo em um ano seco, normalmente é cerca de metade disso, disse ele.
Este ano, as inundações nunca vieram. Apenas um pouco de água se acumulou em uma vala próxima, afirmou ele.
Agora, com a evaporação da água na estação seca, o rio Paraguai, que corta o Pantanal, atingiu seu ponto mais baixo desde 1973, segundo Julia Arieira, pesquisadora de clima da Universidade Federal do Espírito Santo.
Os especialistas atribuem a seca ao aquecimento do Oceano Atlântico, logo acima do equador, que está retirando a umidade da América do Sul e a enviará para o norte, provavelmente na forma de furacões mais fortes.
O cientista da Nasa Doug Morton disse que este fenômeno é causado por mudanças na temperatura do oceano conhecidas como Oscilação Multidecadal do Atlântico - o equivalente do Oceano Atlântico ao El Niño no Pacífico. Ao contrário do El Niño, que normalmente acontece a cada 2-7 anos, a Oscilação alterna entre quente e frio aproximadamente a cada 30-40 anos.
Quando esquenta, como acontece desde a década de 1990, é mais provável que ocorra o aquecimento do Atlântico Norte tropical, contribuindo para as secas e incêndios sul-americanos.
As mudanças nas temperaturas do oceano são "um provável fator das condições de seca que temos visto até agora este ano no Pantanal", de acordo com Morton, que lidera o laboratório de ciências biosféricas da Nasa.
Morton afirmou que a fase quente também pode estar contribuindo para mais seca na parte sul da Amazônia, onde os incêndios provavelmente atingiram em agosto o maior número em 10 anos, e nos pântanos da Argentina, onde as chamas são as piores desde 2009.
Mais preocupante ainda, Morton teme que o aquecimento global possa desorganizar a Oscilação e deixá-la permanentemente na fase quente, contribuindo para mais incêndios.
No governo de Jair Bolsonaro, o Brasil também enfraqueceu a fiscalização ambiental.
O Ministério do Meio Ambiente não respondeu a um pedido de comentário.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, visitou o Pantanal em agosto, dizendo que as agências ambientais federais enviaram cinco aeronaves e funcionários adicionais para ajudar os mais de 100 bombeiros estaduais que combatem as chamas.
(Reportagem adicional de Amanda Perobelli, em Poconé)
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