Indústria de carne do Brasil revive aflição da quebra de safra de milho de 2016
Por Nayara Figueiredo e Roberto Samora
SÃO PAULO (Reuters) - Motivado por um cenário de preços remuneradores, o produtor de milho do Brasil arriscou plantar boa parte da segunda safra 2020/21 fora do período ideal e ampliou o cultivo, mas agora se depara com uma seca que pode levar a indústria de carnes a reviver a aflição da última grande quebra ocorrida em 2016.
Naquele ano, as margens dos frigoríficos ficaram apertadas, algumas companhias tiveram resultados menores pelos preços altos dos insumos, os consumidores sofreram, e as importações do milho dispararam para um nível não visto em duas décadas, pelo menos.
Embora o setor de carnes afirme estar mais preparado do que em 2016 para enfrentar a escalada do preço do insumo mais importante da ração, principalmente de aves e suínos, do ponto de vista agrícola há grandes semelhanças entre o ciclo atual e a "safrinha" de 2015/16: um plantio atrasado e uma forte estiagem durante o mês de abril, segundo especialistas.
A segunda e maior safra do cereal do país começou esta temporada estimada em 90 milhões de toneladas e, atualmente, a projeção já baixou para 72,8 milhões, disse a analista da Céleres Daniely Santos, citando a falta de chuvas em importantes regiões produtoras. Em 2015/16, a redução anual da colheita foi de 15 milhões de toneladas, segundo a consultoria.
"Esse número infelizmente ainda pode cair porque não tem umidade no solo para o milho que está nos estágios em que mais precisa de chuvas, as etapas de floração e desenvolvimento vegetativo", explicou ela.
"Mas o grande ponto para a safra 2020/21 é que estamos com uma expectativa de quebra de safra e estamos com demanda muito aquecida tanto no mercado interno quanto externo", ressaltou.
Atualmente, a oferta total de milho é estimada pela Céleres em 113,3 milhões de toneladas, bem acima dos 86,9 milhões de 2015/16. No entanto, o consumo doméstico avançou 23,8% no período, para 74,4 milhões, e as exportações podem crescer quase 70% ante aquele ano, caso novas perdas na lavoura não sejam registradas, para 32 milhões de toneladas.
Com isso, o estoque final desta safra deve ficar em 6,9 milhões de toneladas, 1 milhão de toneladas abaixo das reservas finais de 2016. "Em termos de estoque/consumo, este é o menor patamar desde 1997", pontuou Daniely.
PRESSÃO NA INDÚSTRIA
A indústria de carnes viu os preços do milho mais do que dobrarem ao longo do último ano, para um nível recorde acima de 100 reais por saca de 60 kg, e também lida com a alta dos demais insumos, como o farelo de soja, outro componente da ração.
O presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin, concordou que as indústrias sofreram com a falta de milho em 2016, mas disse que o setor está mais preparado para enfrentar uma nova grande quebra neste ano.
"As importações de milho estão mais fortes e está havendo um movimento real de substituição de parte deste cereal pelo trigo na ração, com compras externas e também incentivo ao aumento do plantio (de trigo) no Rio Grande do Sul", disse o executivo.
Ele acrescentou que as compras antecipadas de insumos pelo setor também evoluíram desde 2016, quando muitas empresas foram surpreendidas por uma alta acentuada dos grãos.
Apesar da melhora na eficiência da indústria, o head de agronegócios da Criteria Investimentos, Rodrigo Brolo, avaliou que a quebra do milho ainda deve trazer aperto para as margens das companhias de carnes, em maior ou menor intensidade, a depender da eficiência da mesa de hedge de cada empresa.
"Serão afetadas à medida que quando os preços das commodities sobem, principalmente no caso de BRF onde milho representa custo, isso causa uma queda nas margens dos produtos negociados, pois ela não consegue repassar o custo por completo", explicou o especialista.
Alguma indicação da situação de hedge de empresas como BRF e JBS poderá ser dada nesta semana, quando ambas divulgam resultados do primeiro trimestre (na quarta-feira) e realizam teleconferências com analistas (na quinta-feira).
De acordo com o balanço da BRF referente ao segundo trimestre de 2016, o aumento de custos com grãos gerou um impacto negativo de 608 milhões de reais sobre o lucro bruto do período. No semestre, o efeito foi de 1 bilhão de reais.
No caso da Seara, do grupo JBS, o balanço da época apontou queda de 51,6% no Ebitda e de 9,41 pontos na margem, com o custo do milho sendo o principal motivo.
Questionadas sobre o possível efeito do milho nos próximos balanços, a JBS e a BRF não quiseram comentar.
Neste cenário, o presidente da ABPA prevê que a saída será elevar os preços ao consumidor, além de ajustes na produção, como no caso do frango, principalmente nas indústrias menores.
IMPORTAÇÃO FORTE
Uma alternativa para as empresas será a importação de milho.
"O setor de carnes em polvorosa com esta redução da safrinha... O quadro de oferta e demanda não se resolve no curto prazo, vamos ter que importar muito milho", disse o analista da AgRural, Fernando Muraro, evitando fazer projeções no momento.
Em 2016, quando a segunda safra recuou fortemente, o Brasil importou 2,9 milhões de toneladas de milho, o maior volume em uma série histórica do Ministério da Agricultura desde 1997.
No primeiro trimestre, as compras de milho quase dobraram ante o mesmo período de 2020, para 681 mil toneladas, com a maior parte vinda do vizinho Paraguai, enquanto o governo zerou tarifa para importação de fora do Mercosul, a pedido da ABPA.
Além disso, Santin disse que pediu reunião com o presidente Jair Bolsonaro, na tentativa de pleitear outros benefícios fiscais, como a retirada do PIS/Cofins do cereal importado.
CLIMA ADVERSO
Do ponto de vista climático, a situação atual é ainda pior do que a registrada em 2016. Baseado em dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o meteorologista da Somar Celso Oliveira disse que a precipitação acumulada nos cinco primeiros meses daquele ano, além de ter sido maior comparada ao mesmo período de 2021, foi mais bem distribuída.
No município de Cascavel (PR), por exemplo, a precipitação acumulada entre janeiro e maio de 2016 foi de 823,1 milímetros (mm). No mesmo intervalo de 2021, até a semana passada, este número ficou em 514,8 mm na região.
Em abril, a chuva chegou a 40,4 mm na cidade paranaense em 2016, contra apenas 3,8 mm em abril deste ano.
Até mesmo em Mato Grosso, onde o clima foi um pouco mais favorável, a precipitação de 48,6 mm vista em Campo Verde (MT) no mês passado está abaixo dos 112,7 mm de abril de 2016.
Oliveira alertou que, por enquanto, não há previsão clara sobre a ocorrência de geadas em junho, mas a neutralidade climática (sem fenômenos El Niño e La Niña) aumenta as chances de entrada de frio mais intenso, o que poderia prejudicar ainda mais a produtividade da segunda safra de milho.
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