Faep: Brasileiro come menos carne, mas setor tem boas perspectivas
O brasileiro comeu menos carne bovina no ano passado. Pressionado por um aumento expressivo dos preços no varejo e pelos reflexos econômicos causados pela pandemia do novo coronavírus, a consumo despencou 10,5% em 2020, segundo levantamento do Departamento Técnico Econômico (DTE) da FAEP. Em média, cada brasileiro consumiu 27,3 quilos de carne ao longo do ano passado – o mesmo patamar de 15 anos atrás. O auge havia sido registrado em 2013, quando a média chegou a 33 quilos per capita Apesar do recuo, as perspectivas são positivas para o setor produtivo. Com a disponibilidade reduzida de animais, a cotação da arroba tende a continuar a níveis altos – em torno dos R$ 300. Apesar de o mercado interno continuar sendo o principal destino do setor, as exportações tiveram uma alta significativa no ano passado, o que contribui para o cenário favorável.
A queda do consumo passa, necessariamente, pela conjuntura econômica. Em um ano em que a taxa de desemprego saltou de 11,3% para 14,3% e que mesmo o setor informal também foi afetado pela pandemia, o Brasil viu uma parcela significativa da sua população perder renda. Com os preços da carne bovina em alta, muitos consumidores se viram obrigados a migrar seus hábitos para outros tipos de proteína animal – como aves, suínos e ovos. A queda no consumo só não foi maior em razão do auxílio emergencial, pago pelo governo federal – em parcelas de R$ 600, que beneficiaram 64 milhões de pessoas.
“A situação econômica foi determinante nesse contexto e essa instabilidade deve prevalecer em 2021. Há muitas incertezas em relação à retomada das atividades plenas e sobre o ritmo da vacinação, o que poderia contribuir para a retomada do consumo de carne bovina”, explica Guilherme Souza Dias, técnico do DTE da FAEP, responsável pelo levantamento.
“A queda no consumo foi freada pelo auxílio emergencial, mas só isso não bastou. No Paraná, por exemplo, o preço da carne bovina subiu 35% no varejo. Isso faz com que os consumidores migrem a outro tipo de carne. E a gente não vê tendência de que isso mude significativamente no curto prazo”, avalia Rodrigo Tannus de Queiroz, analista de mercado da Scot Consultoria.
Mercados interno e externo
Historicamente, o mercado interno é decisivo para a bovinocultura de corte. Em média, 80% da produção são voltadas ao consumo doméstico, enquanto 20% têm como destino o mercado externo. Em 2020, o mercado brasileiro continuou a ser determinante, mas as exportações aumentaram sua participação: 26% da produção foram comercializadas com outros países. O destaque foi a China, que, além das consequências da pandemia, também enfrenta reflexos da Peste Suína Africana, que dizimou entre até 60% do seu rebanho de suínos.
“A China comprou 71% da carne bovina que exportamos. Esse aumento das exportações também ajudou a manter os preços aquecidos no mercado interno”, observa Queiroz. “O nosso boi é competitivo internacionalmente. Somos um dos únicos países com plenas condições de atendimento ao mercado internacional. E isso deve se manter em 2021”, acrescenta Souza Dias.
Outro fator também tem bastante peso nessa equação: o dólar. Com a cotação da moeda americana acima dos R$ 5 (bem acima dos anos anteriores), a exportação se consolida como uma alternativa rentável aos frigoríficos. Essa dinâmica, é claro, exerce influência direta no mercado interno e também contribui para alavancar os preços da arroba.
“Não é difícil de entender: com o dólar alto, o mercado internacional se torna bastante atrativo, dando a vasão que a população nacional, com renda comprometida, não tem sido capaz. Isso mexe com a relação de oferta e demanda no mercado interno e com os preços”, aponta Souza Dias.
Neste sentido, 2021 se abre uma perspectiva ainda mais favorável: em maio, o Paraná deve conquistar o novo status sanitário de área livre de febre aftosa sem vacinação, chancelado pela Organização Internacional de Saúde Animal (OIE). (Leia mais na página 29).
Dentro da porteira
Além de aspectos de economia e de mercado, um fator dentro da porteira ajuda a explicar porque, apesar da queda do consumo, os preços continuam em alta: a falta de animais terminados para o abate. Nos anos anteriores, aumentou o descarte de fêmeas, o que fez com que a oferta de bezerros se reduzisse nos anos seguintes e, na sequência, de animais terminados. Agora, entre 2020 e 2021, além dos fatores mencionados, a retenção de matrizes agrava o cenário de animais prontos para ir ao gancho. Um cenário que não deve ter alterações no médio prazo.
“Simplesmente não se acha boi. Prevalece a relação oferta e demanda. Os preços se mantém sustentados”, resume Souza Dias.
Em razão desse cenário – oferta reduzida, câmbio alto e exportações atrativas –, os especialistas apostam que a arroba tende a avançar em 2021 estabilizada em um patamar de alta. Na última semana de janeiro, por exemplo, a cotação subiu 0,7% na praça de São Paulo – referência para o país. A oscilação indica a tendência de estabilidade, mas com a permanência dos preços em torno dos R$ 300.
“Para o consumidor brasileiro, será um ano difícil, com preços altos. Não estamos nem próximo de conseguir estabilizar a demanda interna. Os preços devem seguir firmes ao longo do ano. Mas é claro que há um teto. A partir do momento em que a indústria começar a operar em negativo, não haverá espaço para altas”, analisa Queiroz.
Apesar das perspectivas de preços sustentados, Souza Dia faz uma ressalva: o viés de estabilização em alta não significa, necessariamente, ganhos da porteira para dentro. Se por um lado o câmbio favorece as exportações, por outro, aumenta os custos de produção do pecuarista.
“A pressão é muito grande. Milho e farelo de soja [itens da ração] estão com preços recordes e o produtor já tem dificuldade de encontrar esses insumos. Isso deve comprometer o desempenho do confinamento, que age como um amortecedor para as grandes variações de mercado em períodos de seca”, diz o técnico do DTE.
Novo status sanitário deve abrir mercados para o Paraná
O reconhecimento internacional do Paraná como área livre de febre aftosa sem vacinação colocará o Estado no mais elevado patamar de segurança alimentar. O novo status deve derrubar por terra a restrição que alguns países ainda mantêm em relação a produtos que provenham de regiões sem a chancela mundial. Isso deve fazer com que as carnes produzidas no Paraná – não só as bovinas, mas também as de aves, suínos e peixes – cheguem a mercados mais sofisticados, que pagam mais pelo produto.
“Hoje, alguns países não se sentam à mesa de negociação conosco, porque ainda não temos o selo de área livre de febre aftosa sem vacinação. Mas, a partir de maio, com o reconhecimento da OIE, poderemos negociar com esses países, abrindo mais mercados, que têm consumidores mais exigentes e que pagam mais pelo produto”, aponta o presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR, Ágide Meneguette.
Ou seja, na prática, a expectativa é de que o novo status sanitário traga reflexos positivos diretos no volume de exportações. No caso da bovinocultura de corte, essa perspectiva deve impulsionar uma realidade que já vem em expansão. De 2000 para cá, as vendas externas aumentaram mais de 450%: saltaram de 356 mil para 2 milhões de toneladas.
“É uma ótima oportunidade para o Paraná, que tem condições de atender a esses mercados”, diz Guilherme Souza Dias, técnico do DTE da FAEP. “Com a chancela, cai a última barreira não-tarifária internacional, ampliando o nosso mercado consumidor. A medida beneficia as proteínas animais como um todo, não somente esta ou aquela cadeia produtiva”, acrescenta.
A conquista do reconhecimento internacional é reflexo de um trabalho que começou na década de 1970, com a estruturação do sistema sanitário do Paraná, em esforços conjuntos que uniram o poder público e o setor produtivo. Todo esse processo teve participação decisiva do Sistema FAEP/SENAR-PR. Só de 1997 a 2019, a instituição investiu US$ 10,2 milhões no fortalecimento dessa rede, fomentando a participação em reuniões e congressos de órgãos internacionais e estimulando a criação de políticas públicas que colocassem os produtos paranaenses em outro patamar de qualidade. “Estamos perto de realizar um projeto que começou na década de 1970. Muitos produtores, cooperativas e empresários não têm ideia do impacto que [o novo status] vai trazer. A palavra de ordem é sustentabilidade. Quem não tiver sanidade, quem não tiver sustentabilidade, vai ter dificuldade. Nós não teremos dificuldades, porque estamos seguros, graças a esse caminho que foi consolidado ao longo de décadas”, ressalta Meneguette.
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