Problemas climáticos puxaram mudança estrutural no mercado do café, mas até quando preços se sustentam?
Uma semana intensa de valorização, assim se resume o mercado do café nos últimos cinco dias. A preocupação com a oferta global do produto continua monitorando o robusta do Vietnã, mas também as condições climáticas em outras importantes origens produtoras de arábica. Na semana, o arábica em Nova York avançou 12,52%, valendo 212,50 cents/lbp e o robusta avançou 10,25%, negociado por US$ 3744 - apesar do dia de correção observado nesta sexta-feira (5).
O setor fala em uma "mudança estrutural" para o mercado de café. Pela primeira vez em alguns anos, a diferença entre o arábica e o conilon no Brasil é mínima. A condição atual traz oportunidades para o setor a nível mundial, mas de acordo com analistas ouvidos pelo Notícias Agrícolas, o cenário, no entanto, continua sendo de muita nebolusidade e o produtor precisa estar atento ao futuro que continua incerto, apesar dos fundamentos firmes. Até quando o mercado pode sustentar as cotações atuais?
Eduardo Carvalhaes afirma que é praticamente impossível ditar o ritmo dos negócios daqui pra frente. Constantemente o Escritório Carvalhaes destaca em suas análises os problemas climáticos enfrentados não só pelo Brasil, mas em outros importantes polos produtores como Colômbia, Vietnã e Indonésia. "Existe uma dúvida muito grande em relação a produção do Brasil. Fato é que o mundo vai precisar de 40 milhões de sacas do café brasileiro e o consumo interno de mais, pelo menos, 20 milhões. Diferente de outras crises, se tinha um estoque, hoje não existe mais", afirma o analista.
Carvalhaes relembra que em outros anos de dificuldades, armazéns mundo afora podiam contar com um volume significativo de café. A realidade mudou com a frustração na safra brasileira, os problemas impostos pela Covid-19 e também é uma resposta dos juros altos. Torrefadores não fazem mais compras a longo prazo, o que de certa forma manteve os negócios "travados" por um período.
"O produtor vai continuar vendendo à medida que precisa fazer caixa. O conilon já está na mão dos importadores e torradores, os números de exportação mostram isso. A indústria vai precisar se adaptar e o sobe e desce deve continuar no médio prazo", afirma.
Para Marcus Magalhães, analista que opera no Espírito Santo, o mercado deve sim passar por reajuste no mercado interno, mantendo a sustentação nos preços no médio prazo, destacando ainda o repasse do varejo. "A indústria já está falando que a matéria-prima subiu, está acreditando que o viés é de alta e isso faz com que gente entenda que esse movimento de alta veio para ficar. Estamos na boca da safra do Brasil e o mercado continua subindo", afirma.
Magalhães também destaca que o mercado hoje opera de olho não só nos fundamentos clássicos, mas também nos impactos geopolíticos que isso pode trazer, destacando ainda os baixos níveis de estoques mundo afora.
"No passado você tinha estoques volumosos em origens, em portos consumidores, em certificados em Nova York e Londres. Hoje não tem estoque em lugar nenhum e as safras globais dentro do que mercado precisa, onde nenhuma origem produtora tem condição de repor os estoques dentro de uma imprevisibilidade logística, climática e mercadológica", afirma.
CENÁRIO ATUAL PEDE CAUTELA, APESAR DAS ALTAS
Celso Vegro, pesquisador do IEA, explica que no " passado foi voz corrente imputar ao robusta/conilon a formação de uma espécie de âncora que impedia o descolamento dos preços do arábica, não importando as restrições de oferta ou a voracidade da demanda. Essa condição decorre da possibilidade, ainda que imperfeita, de substitutibilidade entre os grãos na composição dos blends. Particularmente, sempre empreguei a correlação que para o custo da saca de arábica tínhamos como preço referência duas de conilon (esse parâmetro decorre da produtividade média quase o dobro do robusta/conilon x arábica). Esse equilíbrio, há mais de um ano foi rompido com sucessivos incrementos das cotações do robusta/conilon sem qualquer reação por parte das cotações do arábica".
O analista afirma que com as mudanças dos últimos anos, o mercado também passou a ter um novo direcionamento, o que pode não ser sustentado no longo prazo. "O rompimento dessa bolha dá ensejo a um efeito manada promovendo elevações nas cotações ainda acima daquelas que normalmente o mercado não alcançaria caso não tivesse vigido a especulação contra os países produtores. Caso o Brasil não venha a confirmar as supersafras que os agentes privados tanto enfatizam na mídia, as cotações do arábica passarão por alavancagem. Disso se cria um novo problema que é a dos cafeicultores e suas cooperativas que se posicionaram no mercado futuro aos preços de algo como R$1.000,00/sc. Como já vimos na safra pós geada uma nova crise de não cumprimento de contratos futuros trará imensas perdas para todos os participantes", acrescenta.
Ainda de acordo com o especialista, é impossível nesse momento "bater o martelo" e afirmar o que vai acontecer no mercado. "Mas o conceito de que os preços são relativos, uns para com os outros se mantém. Robusta/conilon ao preço de arábica é totalmente injustificável a não ser pela permanente necessidade das transnacionais da torrefação melhorarem suas margens, distribuírem seus dividendos, em completo desfavor da base produtiva rural que, por sua vez deve sempre permanecer desconfiada dos discursos da sustentabilidade e da nova coqueluche empresarial chamada ESG", afirma.
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