Sobreviventes das geadas no Paraná: Família mantém tradição cafeeira, aposta em tecnologia e qualidade do café se destaca a nível nacional
18 de julho de 1975 essa foi a data que devastou a produção de café no Paraná. Até então, o estado era o maior produtor de arábica do Brasil, girava boa parte da sua economia em torno da cafeicultura, mas viu tudo mudar diante de uma madrugada gelada, com a já conhecida "geada negra" que mudou os rumos da produção cafeeira do Brasil.
Para muitos produtores de fato a história da própria vida mudou a partir da data, mas para alguns outros, a paixão pela cafeicultura não alterou os rumos da produção, mas sim trouxe novos capítulos, desafios e ensinamentos que até hoje são passados de geração para geração.
José Carlos Rosseto, de 62 anos, tinha apenas 15 anos quando viu as lavouras de café da família queimadas pelo gelo e baixas temperaturas. Ele, que cresceu entre as Entrelinhas do Cafezal, viu de perto os negócios do avô, pai e tios seguirem em um rumo diferente, mas não de desistência, de recomeço.
Com uma memória que lembra com detalhes de coisas que aconteceram há mais de 40 anos, ao Entrelinhas, José afirma: "Em nenhum momento, mesmo com todo aquele trabalho perdido, a família pensou em desistir. A produção de café está no nosso sangue. Recomeçamos e seguimos e estamos aqui até hoje".
Relembra ainda que apesar da maior parte dos produtores daquela área optaram por mudar de cultura ou até mesmo se mudar para outros estados como São Paulo e Minas Gerais, para a família Rosseto as duas palavras ordem foram calma e planejamento.
Quando a geada aconteceu a colheita já estava em curso no Paraná. José lembra que o grande diferencial para a família continuar na atividade foram os bons preços que a saca de café atingiu após o fenômeno climático. Segundo ele, com as negociações em patamares elevados a família conseguiu pagar as contas e fazer a renovação do parque cafeeiro.
Quando mais velho, José teve a oportunidade de sair do campo. Foi estudar na cidade, mas ali, entendeu que sua vontade era continuar com o café e avançar com a produção que segue até em 2022, com quem agora divide as atividades com os próprios filhos.
"Eu vi toda a dificuldade. E realmente é muito triste ver o seu trabalho ali perdido, mas a nossa família é apaixonada por café. É o nosso negócio, não tinha outra opção. Era ter muita calma e recomeçar os trabalhos. E assim fizemos juntos como seguimos até aqui. O lado positivo é que a família não tinha dívidas e então não ficamos devendo. Com o salto que o café deu, as contas foram pagadas e continuamos o trabalho", conta.
Sucessão aconteceu de forma natural na família
Assim como José, os filhos Fernando Roberto Rosseto de 33 anos e Wagner Rosseto, 38 anos, também cresceram nas ruas do parque cafeeiro. A brincadeira de criança era ali: Vendo de perto a lida no campo e comemorando cada nova boa safra que chegava. A decisão de ficar no campo, segundo José, também partiu deles.
"Claro que a gente sempre espera que os filhos continuem, mas aqui a sucessão foi natural. Eles também tiveram a oportunidade de escolher outros caminhos, mas como falei, o café está no coração da nossa família e hoje trabalhamos todos juntos nesse negócio que é o sustento de nossa família, que também é muito maior agora", comenta.
A transição para as novas gerações: Tecnologia no campo e qualidade na xícara
Como falamos sempre na cafeicultura, as novas gerações que escolhem em seguir as rotas da família acabam levando de forma natural novas formas de trabalho para o campo. Com a família Rosseto não foi diferente. O Sítio Eliza Cafés Especiais é pioneiro quando se fala em tecnologia aplicada no norte central do Paraná. Foi naquelas terras que a irrigação chegou, logo depois a fertirrigação e até mesmo que os produtores viram a mecanização acontecer pela primeira vez.
"Quando os meninos decidiram ficar também começaram a pensar em formas de trazer tecnologia. Quando a fertirrigação chegou, a primeira máquina, foi um evento em Mandaguari. Todo mundo queria e ia até a fazenda visitar para ver de perto do que estávamos falando, foi de fato um marco para a nossa região", relembra José sobre as mudanças que tiveram início nos anos 2000.
"A gente cresceu embaixo do pé de café, crescemos na roça. A gente cresceu vendo ele, meus tios, meus avôs trabalhando. Isso está no sangue, não sei...A gente até teve a oportunidade de estudar e trabalhar fora, mas a nossa vontade era de ficar no campo, de dar sequência a esse trabalho porque a gente enxerga esse amor que ele tem, que meu avô tinha pelo café. É tão gratificante ver quando a pessoa faz por amor, por gostar e não só porque precisa", conta ao Entrelinhas Fernando Rosseto.
Para os dois irmãos, além da herança pela paixão em produzir café, manter a história da família viva também foi um ponto importante para a decisão de mudar as caras da produção que há muitos anos era feita mesma maneira na região.
"Se a gente não tomar frente quem dar sequência? Então decidimos ficar aqui, mas pela produtividade e também qualidade para também se ter uma renda. Agora são três famílias. Então montamos a irrigação, o café saiu de 20 sacas por hectare para 55 sacas atualmente. Depois veio a fertirrigação Aí fomos atrás de qualidade, depois não tinha mão de obra, fomos atrás de uma máquina para colher café", comenta.
A tecnologia trouxe qualidade para o café da família Rosseto. "O café é uma vida inteira, a gente tem pé de café aqui que tem mais de 30 anos, então quanto mais você se dedica, mais você trata, mais ele vai te trazer rentabilidade. É uma consequência: tudo o que você faz, vai ser trabalhado lá na frente. Com a maneira certa e correta, você colhe um fruto bom lá na frente", relembra.
Reconhecimento
O primeiro reconhecimento como um dos melhores café produzidos no Brasil chegou em 2017. Nem eles mesmos acreditavam no potencial do café produzido ali, mas com a insistência de conhecidos enviaram amostras para o concurso Nosso Café Yara, prêmio nacional. A família já havia enviado amostras para concursos no estado do Paraná, ganhando relevância no mercado, mas na Semana Interncional do Café de 2017 veio a tão sonhada primeira colocação.
"Não queríamos participar por esse medo de não ter esse café. A gente achava que nosso café era difícil de competir com Minas Gerais. Até que a pessoa que dava assistência pra gente disse que enviaria a amostra com a gente querendo ou não participar", relembra.
Ele relembra que foi uma surpresa ficar entre os 20 cafés de qualidade, depois receber a informação que estavam entre os cinco finalistas e viajariam para Belo Horizonte. "Um dia antes do concurso reuniram todos os produtores, só nosso café do Paraná e os outros quatro de Minas. E eles até perguntavam como nosso café, de uma altitude de 650 metros consegue café especial? Jogaram um balde de água fria pra gente, achamos que ficaríamos com o quinto lugar, mas foi indo, foi indo e o nosso café foi o campeão do concurso", relembra.
Não há dúvidas: O café da família Rosseto, voltou a destacar a produção paranaense a nível a nacional, e depois de alguns anos vendendo café especial com padrão de commoditie, a família então entendeu o potencial que tinha ali naquelas terras que viram tanta resiliência de determinação. Em 2018 enviaram novas amostras, ficando novamente acima de 80 anos e conquistando o segundo lugar na mesma premiação.
Os desafios, sobretudo os climáticos, continuam...
Claro que não podemos deixar de mencionar a geada de 2021 que trouxe muitos impactos para a cafeicultura brasileira. No Paraná e no Sítio Eliza, com aproximadamente 70 hectares (contabilizando as áreas dos irmãos, pai e tios), não foi diferente e mais uma vez a família acordou com praticamente todo parque cafeeiro queimado pelo frio intenso.
Fernando conta que, apesar do susto, a sabedoria e tranquilidade do pai foi o que ajudou a passar de novo por esse momento de crise. As condições climáticas assustam ano após a ano o produtor daquela área, seja por frio ou seca intensa, mas a cafeicultura ali, para a família Rosseto, continua sem pausa.
"Nós estamos calejados. Não adianta todo ano que der a geada pensar que vai acabar com tudo. Sempre tem que ter reserva, sabedoria. Nesse ano ou no próximo vai ter geada, e se acontecer a gente vai preparar, vai renocar de novo e vai dar continuidade. Geada grande ou média, nós estamos preparados. Não vamos parar com o café, de jeito nenhum, o café está no sangue, está na nossa vida", comenta.
A esposa de Fernando está esperando o primeiro filho do casal e apesar de manter a mesma posição do pai, do poder de escolha, o cafeicultor já projeta passar todos os ensinamentos de produção, mas principalmente de sabedoria e resiliência para o novo membro da família.
"O mais valioso é a simplicidade do meu pai. A forma dele trabalhar, a honestidade, não passar por cima dos outros, ele mostrou que é o seu trabalho que conta. Nos disse: seja verdadeiro, correto que os resultados vêm. Então esse amor pelo café que ele tem é o maior legado a gente leva para a vida da gente", finaliza.
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