Palácio da Bolsa Oficial de Café completa 100 anos: Uma história com muita bagagem, mas que entra em um novo capítulo a partir de agora
A experiência de andar pelo Centro Histórico de Santos em pleno 2022 é ter a sensação de estar de volta ao passado. E em um ano tão emblemático como o atual, andar pelas ruas repletas de histórias é voltar e traçar uma linha do tempo para o mercado do café. Entre os números importantes que mapeiam o setor na atualidade, é justamente em 2022 - ano do Bicentenário da Independência do Brasil que o palácio da Bolsa Oficial de café completa 100 anos.
Falamos diariamente sobre a história de uma cafeicultura sólida e que teve importante participação na evolução econômica do país. Andar por Santos e reconhecer o prédio da Bolsa Oficial do Café, que exalta o café como principal produto de exportação na reta final do século 19, é uma experiência que contempla desde os produtores até os apaixonados pela segunda bebida mais consumida no mundo. Mais do que isso, 100 anos depois, com uma bagagem rica em histórias, a visita nos deixa com a pergunta final: E pra onde vai a cafeicultura agora?
Antes da resposta, no entanto, é importante traçar uma linha do tempo para se entender o impacto do palácio da Bolsa Oficial do Café na história e principalmente porque a data merece ser lembrada, e mais do que isso, porque o agronegócio café está tão empenhado em continuar promovendo e escrevendo a história da cultura e seu desenvolvimento em parceria com o Museu.
A história
A linha do tempo da cafeicultura do Brasil é extensa e requer muito tempo de pesquisa, muita prosa e também várias xícaras de café para encontrar os pontos altos dessa história.
Bruno Bortoloto, historiador do Museu do Café, é um dos convidados do Entrelinhas do Cafezal para nos ajudar a entender a importância da data no antes, durante e para o futuro da cafeicultura nacional.
Voltando no tempo, Bruno relembra que nem sempre as negociações do café foram realizadas no prédio que conhecemos hoje. Nos primeiros anos, lá em 1914, os negócios eram tratados em uma sala alugada em um prédio comercial, mas a história mostra que o funcionamento efetivo da Bolsa do Café só começou mesmo em 1917, devido aos reflexos da primeira guerra mundial.
A Bolsa de Café do Brasil não foi a primeira do mundo, antes da guerra haviam negociações na Bolsa de Nova York - que inclusive determinou as faixas de classificação do café utilizadas até hoje pelo mercado. A Bolsa surgiu na praça de Santos para controlar o já então principal porto de escoamento da safra brasileira, em uma época em que o mercado de café era ainda mais especulativo.
"Era negociado principalmente café futuro, como se fosse uma BMF (Bolsa B3) hoje, mas também café disponível. E tinha essa importância estatística para a praça de Santos, importância de arbritagem. As vezes na entrega não era o café negociado, então tinha a sala de classificação, enfim, tinha uma importância muito grande", conta.
Tão logo os negócios começaram a avançar e em 1922 com a necessidade do Estado de São Paulo participar da comemoração da Independência, surgiu a ideia da construção de um prédio só para a Bolsa de Café.
Bruno conta que, se no passado, o espaço na sala alugada nas proximidades da rua XV de Novembro era pequeno para o mercado de café, atualmente o cenário é o oposto e as instalações mostram que o local, que tem quatro pavimentos, foi muito mais que uma simples construção. "Foi um prédio monumento ao café e ao progresso, planejado para inaugurar na programação das comemorações do Centenário da Independência", relata a história.
Foi a partir da construção de vários monumentos para a comemoração do Centenário da Independência e graças ao café que o estado de São Paulo passou a ganhar destaque na história nacional. Os dados mostram que a movimentação no pregão era significativa, segundo o historiador não há números de quantos contratos eram negociados por dia, principalmente porque os "canudos" de contratos acabavam rodando muitas vezes entre os operadores ao longo do dia, que aconteciam em horários específicos, como as 10h e as 15h.
Questionado sobre até quando a Bolsa manteve sua funcionalidade para o mercado de café, o historiador conta que assim como todos os órgãos que são regulatórios, a Bolsa também fechou em diversos momentos, de acordo com o governo de cada época. Nos anos de mandato de Getúlio Vargas, por exemplo, a Bolsa do Café foi fechada por duas vezes.
A cotação do café era realizada com base na quantidade de negócios fechados no dia. O volume que era negociado, principalmente naquela época não era o volume exportado. "Eles falam inclusive, que nos anos 60 com a entrega direta, existia uma "dança dos canudos", que se trata de uma amostra dos cafés que estavam depositados em algum armazém geral aqui em Santos. E os corretores acabavam vendendo um para o outro e as vezes o mesmo canudo voltava para a pessoa que iniciou a negociação no começo do dia porque eles não queriam ficar com a taxa do armazém. Então se tinha um volume de negociação enorme e era isso que a Bolsa tentava não deixar acontecer", conta o historiador.
"Nos anos 60, por exemplo, ela não fechou, mas perdeu muita força principalmente por conta das cotas de mercado que tinha da OIC, então não tinha tanto interesse em Bolsa. Mas ali não era só o pregão, ela tinha também o setor de classificação que fazia a arbitragem e esse setor foi até os anos 70. Não tem uma data certa, mas ela perde a importância, entra em declínio no final dos 60 para os 70, com abandono do prédio", comenta.
Em 1986 o prédio da Bolsa foi oficialmente fechado pelo governo da época e em 1996, com a infraestrutura do local toda debilititada, corretores e exportadores de Santos iniciaram um movimentação para evitar que a história se perdesse a partir dali.
"Fizeram um abaixo-assinado, foram atrás do Mário Covas - governador da época -, para restauração do prédio e instalar aqui o Museu do Café. Em 1996 começou o movimento e em 1998 abre-se o Museu do Café ainda em uma fase bem inicial. Na época era só o pregão que era visitável. Aos poucos que o Museu foi tomando forma de Museu mesmo", complementa.
A história continua sendo escrita e envolve todos os elos da cadeia do café
O trabalho de "formiguinha", o passo a passo da história realizado pelos corretores da época, continua sendo um dos pilares da atual gestão do Museu do Café. Com uma história consolidada e importância reconhecida enquanto maior produtor e exportador de café do mundo, daqui pra frente o trabalho passa ter o objetivo de manter a história viva e mostrar cada vez mais que a cafeicultura brasileira é sustentável de ponta a ponta, valorizando sempre todos os elos que envolvem muito trabalho que vai do campo à xícara.
Entre as ações realizadas pelo Museu, vale destacar que recentemente a fachada do Museu foi 100% restaurada, que marcou o início das comemorações do Centenário da Bolsa de Santos. Com um investimento de mais de R$ 5 milhões, as obras foram realizadas com objetivo de manter a história viva de um monumento que tem peso cultural e político muito significativo para o país.
Mas, além disso, o Museu do Café, há pouco mais de dois anos se uniu também às lideranças do setor agronegócio para buscar mais informações, promover a imagem do café do Brasil em importantes polos consumidores da bebida, o que além de mostrar o lado humano dos produtores e o peso social da cultura, ainda pode garantir a abertura de novos mercados para o Brasil.
Alessandra Almeida, diretora executiva do Museu do Café, explica que atualmente os trabalhos, sejam eles de pesquisa, educativos, promoção de imagem e tantos outros, são realizados por equipe ainda enxuta, de cerca de 40 pessoas, mas que se dedicam diariamente para acima de qualquer coisa, manter a cafeicultura brasileira em evidência.
"A gente começou a ter um olhar um pouco mais crítico de tudo que temos aqui dentro. O prédio realmente é o acervo do Museu, mas o café é muito mais que isso. Começamos então a observar as temáticas que não eram abordadas pelo Museu. A partir das pesquisas a gente começa a ver a importância do café. Começamos a ver que estávamos afastados dos setores. Temos conselheiros que participam, mas que não estavam na etapa anterior para ajudar a gente, trazer todo o conhecimento que eles têm, nas áreas que a gente não domina, mas que precisa ser levado para o público", afirma contando como a aproximação com teve início.
Atualmente o posicionamento do Museu do Café tem como foco continuar buscando os fatos históricos no âmbito econômico, social, cultural e até educacional do país, mas também mostrar o que está acontecendo hoje. "A gente entendeu que o café vive um novo capítulo da história e ela precisa ser guardada. Estamos tentando entender tudo o que está sendo processado pelo café, o que está acontecendo na cadeia para contar guardar essa história daqui pra frente", comenta.
As ações do Museu, sejam elas internas ou externas, também contam com o apoio da Cooperativa Cooxupé, que reconhece o importante trabalho feito pelo Museu na preservação da história da cafeicultura nacional.
Para Carlos Augusto Rodrigues de Melo, presidente da maior cooperativa de café do mundo, o Centenário do Palácio da Bolsa de Santos precisa ser reconhecido por todo o setor no Brasil. "A comemoração se torna ainda mais especial. Nós produtores e cooperativistas, em nome da Cooxupé – cooperativa que, também, está seguindo rumo aos 100 anos -, sentimos grande orgulho por fazer parte da trajetória cafeeira e contribuirmos com o desenvolvimento dessa história”, afirma ao Entrelinhas.
A diretora executiva conta ainda que o propósito é ir além da xícara da café. Com uma produção que é composta em sua maioria por pequenos produtores, o café é também repleto de histórias que precisam e merecem ser contadas para o consumidor final. Apesar dos números chamarem atenção ao longo da história, o lado humano e social, tem um peso significativo quando estamos falando sobre café.
"A bebida é o comercial do café, mas antes da bebida tem a relação humana, o lado social que permeia toda essa relação com o café. E a gente tem que mostrar a cafeicultura brasileira também no âmbito internacional. Existe outros produtores? Existe, mas o Brasil é líder nisso, na produção, na exportação e quase chegando no consumo. Então para poder falar disso eu tenho que trazer também os outros países para todo mundo entender a grandiosidade da cafeicultura brasileira", acrescenta.
Em linha com o Museu do Café e conectado com a ponta compradora dos cafés do Brasil, o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) também vem ampliando a promoção de imagem do Brasil no exterior em uma série de ações que vão além da produção e exportação em números, mas também com o proposito de valorizar o trabalho do campo e apresentar a sustentabilidade e as novidades do setor ao mercado comprador.
Marcos Matos, diretor executivo do Cecafé conta ao Entrelinhas que as ações, que devem ser de longo prazo, têm sido positivas e que de fato abrem a oportunidade de ampliar o diálogo. "Nós notamos que a parceria com o Museu do Café em que o Museu destaca a importância da cultura e o Cecafé com a qualidade e sustentabilidade, e os dois juntos mirando a sustentabilidade futura e olhando esse lado humano muito importante do café, era uma forma de aprimorar a nossa entrada e nosso diálogo com esse mercado consumidor", explica.
As primeiras ações em conjunto foram realizadas este ano na Itália, um dos maiores parceiros comerciais do Brasil. Com o resultado positivo, surgiu a possibilidade também de atender jornalistas interncionais que escrevem de forma crítica sobre a produção agrícola mundial, encontrando aí a oportunidade de explicar através de números oficiais a potência da produção brasileira.
Marcos explica ainda que unir as duas pontas foi ponto importante para responder aos questionamentos. Houve também uma mudança na forma de apresentar a cafeicultura brasileira.
"O marketing do agronegócio por muitos anos foi mostrar uma grande propriedade, máquinas trabalhando e eles querem ver o lado humano. Então levar o Museu do Café para contar do ponto de vista histórico e o futuro, mostrando índice de desenvolvimento humano, compromissos ambientais, a renda sustentável do ponto de vista econômico, é a construção de uma narrativa e que é o marketing que eles querem ver nos produtos que consomem", acrescenta.
A expectativa é que as ações continuem acontecendo em parceria com lideranças do setor no Brasil. Atualmente, o café brasileiro chega a mais de 120 países por ano, de acordo com dados do Cecafé e a representatividade do lado humano, social e sustentável do trabalho feito pelo produtor no campo e apresentado pelo setor ao consumidor final, trazem as expectativas de um futuro ainda mais promissor, com boas histórias, cafés de qualidade e que sustentabilidade de ponta a ponta para o agronegócio café.
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Rodrigo Octavio de Campos Ramos Itupeva - SP
Tive a oportunidade de, junto com meu pai corretor de café, frequentar a Rua XV de Novembro entre anos 80 e 90. Ali auge e queda do café oscilaram e felizmente a Bolsa foi restaurada. Preciso levar meus filhos para conhecerem a história viva que ali está. Parabéns pela revitalização e preservação da história!
O avô de minha esposa negociava na Bolsa do Café de Santos lá pelos idos de 1920/30...
perdeu tudo na derrocada do café que se seguiu à quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1.929. Lá pelo anos 2.000 eu, esposa e filhos visitamos o Palácio do Café...visita maravilhosa que recomendo a todos. Ah, não se esqueçam de comprar um blend de cafés e torrá-los na hora (se quiserem) na cafeteria ali existente.