Embrapa valida diretrizes técnicas para produção de Carne Baixo Carbono (CBC)
O protocolo Carne Baixo Carbono (CBC) complementa o de Carne Carbono Neutro (CCN), abrangendo sistemas produtivos sem a presença de árvores.
O potencial sustentável é mantido pelo manejo adequado das pastagens, considerado a segunda tecnologia agrícola mais importante para a mitigação das mudanças climáticas globais.
Para validar as orientações técnicas do protocolo CBC, a Embrapa realizou experimentos durante dois ciclos de produção (2019 a 2021) em um ambiente de produção comercial no Oeste baiano.
Essa validação serve como modelo de certificação da marca-conceito CBC nas fazendas de pecuária de corte que desejarem adotar esse modelo.
O Protocolo estará disponível para os produtores ainda em 2024 na plataforma Agri Trace Rastreabilidade Animal, da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
Depois de lançar a marca-conceito Carne Carbono Neutro (CCN), que valoriza sistemas pecuários com a presença do componente florestal e neutralização da emissão de gases de efeito estufa (GEE), a Embrapa validou as diretrizes de mais um protocolo que vai ajudar o pecuarista a produzir com foco em sustentabilidade: o Carne Baixo Carbono (CBC). Os resultados da avaliação de parâmetros técnicos do protocolo CBC durante dois ciclos produtivos no Cerrado baiano contemplam sistemas pecuários sem a presença de árvores na pastagem, mas com potencial de mitigação das emissões de GEE a partir da adoção de boas práticas agropecuárias, envolvendo os componentes solo, pasto e animal.
Oito foram os parâmetros técnicos avaliados durante os dois anos de validação do protocolo CBC: densidade do solo, estoque de carbono e qualidade do solo, disponibilidade da forragem e cobertura do solo, ganho de peso médio diário dos animais, ganho de peso por área dos animais e emissões entéricas. Esses parâmetros estão sendo contemplados nos requisitos obrigatórios propostos no Protocolo CBC juntamente com requisitos de legislação trabalhista e ambiental.
Segundo a pesquisadora que coordenou o trabalho de validação das diretrizes para produção de CBC, Márcia Silveira, à época na Embrapa Pecuária Sul (RS) e atualmente na Embrapa Milho e Sorgo (MG), os resultados mostram que a implantação do protocolo garante produtividade e qualidade da carne, de forma a aumentar a lucratividade do produtor, sem abrir mão da manutenção ou aumento do estoque de carbono do solo e da mitigação da emissão de GEE, além do efeito poupa-terra, ou seja, com menor pressão sobre a vegetação nativa. “É mais um passo na busca pela eficiência produtiva que leva em conta a qualidade do produto e do seu ambiente de produção”, destaca Silveira.
Estas marcas, como a CBC e a CCN, vêm sendo desenvolvidas no âmbito da Plataforma Pecuária de Baixa Emissão de Carbono, que visa valorizar produtos pecuários produzidos em sistemas mais eficientes e com menor impacto ambiental. As diretrizes técnicas para a produção de Carne Baixo Carbono foram lançadas em 2020, e estão alinhadas ao Plano Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC+). Estes parâmetros necessitavam de validação em um ambiente de produção comercial antes da disponibilização do protocolo para adesão voluntária por parte dos pecuaristas. “Nesse sentido, o trabalho de validação desenvolvido pela Embrapa servirá como modelo para certificação da marca-conceito CBC nas fazendas de pecuária de corte que desejarem produzir carne dentro deste escopo”, ressalta Roberto Giolo, pesquisador da Embrapa Gado de Corte e líder da Plataforma Pecuária de Baixo Carbono.
Projeto Trijunção
O estudo de caso foi realizado na Fazenda Santa Luzia, pertencente à Fazenda Trijunção, localizada entre os municípios de Cocos e Jaborandi (BA). A propriedade é referência na produção de bovinos de corte mediante as Boas Práticas Agropecuárias (BPA), com dados estruturados e sequenciais de todo o sistema produtivo. O período utilizado nessa fase de validação das diretrizes técnicas foi de maio de 2019 a setembro de 2021, totalizando dois ciclos completos de avaliações de produção animal no sistema.
A Unidade de Referência Tecnológica (URT) foi composta por dois talhões, bem como por uma área de vegetação nativa (Cerrado). O primeiro talhão, com a forrageira Brachiaria brizantha cv. Marandu, contou com 115 hectares divididos em quatro piquetes, representando o manejo convencional. O segundo talhão, de pastagem recuperada, com Brachiaria brizantha cv. BRS Piatã, contou com 85 hectares, também dividido em quatro piquetes e manejado segundo as diretrizes técnicas para produção de CBC. As áreas foram usadas para recria e terminação de machos da raça Nelore.
Essa pesquisa faz parte de um projeto coordenado pela pesquisadora Flávia Santos , também da Embrapa Milho e Sorgo, intitulado: “Intensificação agrícola visando à sustentabilidade do uso de solos arenosos – Projeto Trijunção”. As diretrizes decorrentes dos estudos contribuem com o principal objetivo do trabalho, de definir a melhor estratégia de intensificação agrícola com base em sistemas de produção sustentáveis para solos arenosos.
Santos considera que a importância de se trabalhar em solos arenosos incide sobre o fato de que eles correspondem a cerca de 20% da área do Matopiba, que é a última fronteira agrícola do País. “Contudo, por esses solos apresentarem matriz arenosa, em que os teores de argila não alcançam 15% nos primeiros 50 cm de profundidade, há uma série de limitações: baixos teores de matéria orgânica, baixa CTC (capacidade de troca de cátions), baixa retenção de água, estruturação fraca, elevada acidez, baixa fertilidade, entre outros”, pontua a pesquisadora.
“Portanto, o manejo adequado desses solos é um grande desafio e deve-se focar em construção de fertilidade em profundidade, aumento de matéria orgânica, cobertura de solo, rotação e consorciação de culturas, integração da produção, etc., fatores fundamentais para a sua incorporação ao processo produtivo de forma sustentável. Nesse sentido, os sistemas integrados são alternativas viáveis de manejo e as diretrizes técnicas apresentadas estão perfeitamente alinhadas a esse propósito”, complementa Santos.
O trabalho de validação das Diretrizes CBC foi dividido em pesquisas com os componentes solo, forrageiro e animal, envolvendo desempenho e emissões entéricas, além da avaliação econômica dos resultados da URT. Para tanto, houve o envolvimento de uma equipe multidisciplinar da Embrapa Pecuária Sul, Embrapa Milho e Sorgo, Embrapa Gado de Corte, Embrapa Cerrados e Embrapa Cocais.
Resultados em números
A pesquisadora Flávia Santos ressalta que os dados do componente solo mostraram que os teores de nutrientes se mantiveram mais altos no CBC em relação ao manejo convencional, e também em relação ao Cerrado, bem como a atividade biológica avaliada por meio das enzimas betaglicosidase e arilsulfatase.
“Considerando a camada de 0-20 cm do solo, no ano de 2019, o estoque de carbono no solo sob o CBC foi maior que no solo sob Cerrado (5,4 toneladas por hectare a mais), e no ano de 2021 foi maior que o manejo convencional (2,5 toneladas por hectare a mais), diferença essa que não foi observada na camada de 0-40 cm de solo. Mas, devido à textura arenosa, em que não há proteção física da matéria orgânica pelas partículas do solo, o acúmulo de matéria orgânica e de estoque de carbono é mais difícil e demorado”, relata Santos.
Como destacado pelos pesquisadores Manoel Ricardo, da Embrapa Milho e Sorgo, e Manuel Macedo, da Embrapa Gado de Corte, “esses resultados mostram que, em solos arenosos, é preciso monitorar mais frequentemente a fertilidade, densidade e os estoques de C, pois seu baixo teor de argila, menor proteção da matéria orgânica e estrutura física fraca levam também a variações mais frequentes em suas características”.
“Em relação ao componente forrageiro, a massa de forragem (quilograma por hectare, kg/ha, de matéria seca – MS) e a cobertura do solo (%) foram maiores no tratamento CBC quando comparadas ao tratamento convencional, apresentando valores superiores a 2.000 kg/ha de MS e cobertura do solo acima de 80%, conforme preconizado nas diretrizes do CBC”, observa a pesquisadora Márcia Silveira.
Quanto ao desempenho animal, os ganhos médios diários de peso por animal foram semelhantes entre os tratamentos, sendo os ganhos médios diários (GMDs) de 440 gramas por dia (g/dia) e 404 g/dia no CBC, no primeiro e segundo ciclos avaliados, e 430 g/dia e 375 g/dia no manejo convencional, no primeiro e segundo ciclos avaliados. Porém, Silveira destaca que no tratamento CBC foram registrados maiores ganhos por área em função da possibilidade de trabalhar com maiores taxas de lotação, no caso, 2,33 e 2,77 unidades animal por hectare (UA/ha) nos dois ciclos de avaliação do CBC e 0,89 e 0,70 UA/ha nos dois ciclos de manejo convencional. Esses maiores ganhos por área não proporcionaram aumento de intensidade de emissão de metano entérico.
Quanto à visão econômica, as análises comprovaram maior lucratividade do CBC em comparação ao manejo convencional, devido à maior produção por área ao longo do período analisado e, na segunda safra, à possibilidade dos animais CBC terem alcançado o peso mínimo de entrada no confinamento e, posteriormente, terem sido abatidos. “Logo, os resultados indicam que a implementação do protocolo CBC proporciona maior produção por área de carne, com aumento da lucratividade”, destaca Mariana Aragão, pesquisadora da Embrapa Gado de Corte.
“Na perspectiva ambiental, o sistema de produção CBC propiciou boa cobertura do solo, que impactou na manutenção do estoque de carbono, na mitigação da emissão de gases de efeito estufa, além de promover o efeito poupa-terra e a resiliência do sistema de produção”, completa Giolo.
Marcas-conceito
A Plataforma Pecuária de Baixa Emissão de Carbono é uma iniciativa genuinamente brasileira, desenvolvida pela Embrapa e empresas parceiras. Ao longo de dez anos, a proposta trouxe a concepção de marca-conceito para a realidade do pecuarista. “As marcas-conceito carregam a concepção de ciência e seguem padrões internacionais, além de estarem associadas a um processo de certificação – monitoramento, reportagem e verificação”, destaca Giolo.
Ainda segundo Giolo, as marcas CCN e CBC buscam a sustentabilidade do sistema agrícola. Criada entre 2012 e 2020, a CCN pode ser usada em sistemas pecuários com árvores, como silvipastoris e agrossilvipastoris, sendo o componente florestal responsável pelo sequestro de carbono para compensar as emissões dos animais em pastejo. No Brasil, o protocolo CCN tem potencial para ser aplicado entre dois e dez milhões de hectares.
Lançamento do protocolo CBC
Para entrar em vigor, o Protocolo CBC deverá ser disponibilizado ao público na plataforma Agri Trace Rastreabilidade Animal, da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), em 2024. Para aderir à certificação, o produtor deverá demonstrar, já na auditoria inicial, que a propriedade está em conformidade com 20 requisitos mínimos obrigatórios para a implantação do sistema, de um total de 67, que serão requeridos progressivamente ao longo de auditorias bienais. O protocolo na íntegra será disponibilizado apenas aos produtores que ingressarem na plataforma. A adesão ao protocolo CBC, assim como a do protocolo CCN é voluntária. O intuito da criação da marca-conceito é possibilitar a valorização de sistemas pecuários que apresentem potencial de mitigação das emissões de gases de efeito estufa.
Por sua vez, a marca CBC está associada a sistemas pecuários sem a presença de árvores, que a partir das boas práticas agropecuárias, envolvendo a recuperação e manejo correto da pastagem, e integração lavoura-pecuária, promovem aumento do estoque de carbono no solo, mitigando as emissões de GEE do sistema. Estima-se que as pastagens armazenem de 20% a 30% do carbono do solo no mundo e que possuam potencial para sequestrar carbono por meio da melhoria no manejo do sistema de produção animal em pasto, trazendo benefícios significativos para a sustentabilidade ambiental, em virtude da grande extensão de área que ocupam. Assim, estudos apontam que o correto manejo das pastagens pode ser considerado a segunda tecnologia agrícola disponível mais importante para a mitigação das mudanças climáticas globais.
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