Assistia a um filme com as minhas filhas (Dona Reinalda preferiu um livro), que foi interrompido por uma propaganda da Caixa Econômica Federal - uma das incontáveis intervenções de estatais ou do próprio governo . O país permite esta sem-vergonhice, que é a propaganda oficial. Governos, nas três esferas, deveriam “se comunicar” com a população para anunciar serviços ou dar instruções a respeito deles. Nada mais. Mas não faremos a coisa certa nisso também. Se falta o devido apuro ético para acabar com essa bandalheira, ele não excederia na propaganda propriamente dita, não é mesmo?
E lá foi ao ar a mensagem da Caixa, exaltando as “conquistas” do pré-sal e a Olimpíada de 2016. E então me indagou a mais velha, indagação já com uma ponta de escárnio, com aquela inclinação, felizmente, para o maldizer: “O que é que o pré-sal e a Olimpíada têm a ver com a Caixa? Isso não é campanha eleitoral, Reinaldo Azevedo? Deveria ser proibido fazer propaganda para não anunciar nada”.
Ela me chama de “pai”, claro. O “Reinaldo Azevedo” de sua fala era parte da ironia; ela faz assim quando brinca de convocar, em família, o meu lado, digamos, “profissional”. E eu: “Sim, senhora M…C…, trata-se da mais descarada, óbvia e indecente campanha eleitoral. Até porque, se você reparar, daqui a pouco, entra a propaganda de uma mineradora e depois a de um banco privado. E todos eles exaltando, em consonância com a patriotada oficial, os valores do povo. Parece que nem o banco nem a CEF vendem produtos bancários; parece que a mineradora não tira ferro da terra; até parece que todos eles estão ocupados unicamente em dar lições de moral, civismo, nacionalismo - e, obviamente governismo”.
Mas, aos 15 anos, os espíritos são realmente inquietos: “Isso não é ilegal, não?” E eu respondi que sim. “Entendi. Então vai ver eles fazem por isso. Se fosse legal, acho que eles não fariam”. Eu juro! As coisas aconteceram assim mesmo. Essa é a minha filha cética. Já contei aqui. Leu Hamlet para a escola e achou Polônio um bobalhão. “Mas M… C…, você não reparou que ele era um cara racional, um negociador, em meio a um monte de gente atormentada?”, perguntei, um tanto orgulhoso do meu papel de instrutor de uma jovem fazendo suas descobertas políticas. A resposta, confesso, me deixou mudo por alguns instantes: “Ah, pai, dava pra sacar que, com Hamlet, não iria adiantar, né? Era perda de tempo.” Era perda de tempo.
Aprendi, assim, que, com efeito, não adianta mobilizar os idiotas para a causa da razão. Como não adianta convocar um exército de injustos para a causa da justiça. Mas isso fica para outra hora. Volto para a questão da propaganda. Depois da CEF, da Vale, do Bradesco, do Banco do Brasil, da Ford, da Brahma, entre outras, a exaltar o Brasil grande, único, sem par, que parece ter sido fundado ontem, veio a inserção sobre Lula, O Filho do Brasil, que estréia no dia 1º. É aquela fita que dispensou incentivos da Lei Rouanet porque as empresas que amam o Brasil, muitas delas pertencentes a setores altamente regulados, faziam fila para dar a sua contribuição à arte. Ainda não vi. Mas até amigos de esquerda ficaram com vergonha.
Não quero me desviar do principal. As empresas privadas - ou quase - façam o que quiserem do seu dinheiro. Indecente é que empresas publicas levem ao ar uma propaganda que repete a linguagem - incluindo as palavras de ordem - da propaganda oficial e do próprio PT em suas inserções na televisão. Trata-se, obviamente, de um abuso.
Aí os petralhas tentam zombar, com aquele senso de humor que lhes brota entre o casco e a ferradura “Mas você não se cansa de denunciar abusos?” Não! Não enquanto “eles” não se cansarem de praticá-los. Imaginem se o Ministério Público já não teria gritado “Fogo, fogo na floresta!” se os petistas estivessem na oposição.
Nunca antes nestepaiz o estado e as empresas estatais foram tão instrumentalizadas a serviço dos poderosos da hora. E nunca é “nunca” mesmo - incluindo as ditaduras do Estado Novo e militar. Quando não fala a propaganda oficial, fala o próprio dirigente de uma estatal, a exemplo daquela “entrevista” concedida por Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras, ao Estadão.
Qual a utilidade de escrever textos como este? Dizer a verdade e deixar o registro histórico!!! Para um jornalista, é o bastante. Os homens de estado e os políticos que se encarreguem de tomar as providências legais.