Um ministro de Estado ou do Supremo continua a ser uma autoridade mesmo tomando um Chicabon ou dando pipoca aos macacos.

Publicado em 13/08/2012 17:59 e atualizado em 23/08/2013 12:51
por Reinaldo Azevedo, de veja.com.br

Um ministro de Estado ou do Supremo continua a ser uma autoridade mesmo tomando um Chicabon ou dando pipoca aos macacos. Imaginem, então, com um copo na mão!

Contam-me uma cena interessante. O poderoso estava no Piantella, o restaurante dos poderosos de Brasília, de propriedade de Kakay — o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, que defende um dos mensaleiros —, e, num dado momento, já tomado pelo espírito do álcool, anunciou: “Aqui eu sou eu, não sou autoridade”. Não obstante, o carro oficial o esperava na porta, com seguranças. Um homem público tem direito a uma vida privada? Claro que sim! Mas menos do que qualquer um de nós, que não temos poder nenhum. Não somos operadores de políticas de estado, não somos operadores da lei, não representamos um conjunto de pessoas, não encarnamos as prerrogativas de um Poder, não nos oferecemos, enfim, para ser notáveis da República.

Um ministro do Supremo deixa de sê-lo porque está numa festa? Não! Ele é um ministro do Supremo numa festa. Um ministro do Supremo que toma uma taça de champanhe é um ministro do Supremo a que se agregou uma taça de champanhe. Um ministro de estado que toma duas taças de champanhe é um ministro de estado a que se agregaram duas taças de champanhe. Um senador que toma dez taças de champanhe é um senador a que se agregaram dez taças de champanhe, além de representar um risco para a reputação da instituição a que pertence.

Sem essa! Os 11 do STF — já que somos 190 milhões — têm, sim, de ser exemplos de retidão e de virtude (e peço perdão pelas palavras antigas, fora de moda…). Espera-se deles que se comportem com decoro. Não! Exige-se deles tal conduta. Até porque continuam, na festa ou no recôndito do lar, a gozar de benefícios especiais, não é?, que lhes confere a República — esta, afinal, é ciente do seu papel e de sua importância.

É claro que estou me referindo a José Antonio Dias Toffoli e aos episódios lamentáveis envolvendo o jornalista Ricardo Noblat. Este não precisa da minha defesa, é evidente. Tem a sua própria página para escrever o que achar que deve. Não é homem público. Se alguém se desagrada do que ele escreve ou faz, basta não acessar mais o seu blog. E pronto! O mesmo vale pra mim! “Ah, esse Reinaldo aí…” E pimba! Pode até vir um daqueles palavrões com que o ministro brindou o jornalista. Basta não me ler, e fica tudo certo!

Com Toffoli e com qualquer outra autoridade da República, a coisa é diferente. Não podemos nos livrar deles ainda que queiramos. Não dependem da nossa vontade para estar onde estão. Sim, encontram-se inseridos na ordem democrática; também derivam da representação — Lula, eleito pelo povo, indicou Toffoli para o cargo, e ele teve o nome aprovado por senadores, que também passaram por processo eletivo. Mas é evidente que cada um de nós não pode eliminar a autoridade, assim como um leitor decide dar um pé no traseiro de Noblat ou de Reinaldo. Ainda que a gente não queira mais saber de Toffoli — ou de qualquer outro —, eles continuarão a ser quem são. E justamente porque derivam do processo de representação, sagrado na democracia, estão obrigados a um decoro, sim!, também na vida privada.

Em parte, e vou repetir a crítica que já fiz aqui, a imprensa é culpada por isso. Anotem aí: não existe nada parecido com Brasília em democracia nenhuma do mundo. Barack Obama gosta de se referir a “Washington” como uma espécie de ilha de fantasia da burocracia, mas é evidente que o centro do poder nos EUA está a léguas de distância, nos costumes, do que se vê ali no meio do cerrado. Sabem quando se vão encontrar numa mesma festa, numa feijoada, num casamento ou num convescote um ministro da Suprema Corte e um advogado que tenha apresentado uma petição a esta mesma corte? NUNCA! Curiosamente, também estava presente Sepúlveda Pertence, o presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República.

O que estou a lhes dizer é que se respira um ambiente ético em Brasília que é único no mundo. E a imprensa, de maneira geral, tem se negado — com as exceções de sempre — a retratar esse ambiente. Porque muitos de nós, os jornalistas, frequentamos esses lugares para conversar, colher informações, saber dos bastidores — alguns vão mesmo é se esbaldar, claro! Ocorre que, muitas vezes, a própria existência do evento e as personagens que o abrilhantam são a notícia.

“Ah, então você acha que jornalista pode falar com quem bem entender, mas não um ministro de estado, um ministro do Supremo, um juiz?” Sim, é exatamente isso o que eu acho! Escolheram ser homens de estado; escolheram nos representar. Nos EUA, como é público e notório, o político perde o direito à privacidade de que desfruta o homem comum. Por aqui, a franja ética é tão extensa que tudo, no fim das contas, acaba sendo permitido. Só vira notícia aquele que é flagrado com a mão no cofre. Ocorre que essa mão no cofre é uma consequência da falta mais geral de decoro e de limites.

Lembro que Lula se zangou quando resolveram noticiar os negócios supostamente privados de Lulinha, o seu “Ronaldinho” dos negócios. Segundo ele, tentaram avançar na vida particular do rapaz. Então vamos ver: a Gamecorp recebeu uma dinheirama da então Telemar (hoje Oi), uma concessionária de serviço público, de que o BNDES, um banco também público, era sócio. Assim como ministro da Suprema Corte nos EUA jamais se confraternizaria com quem tivesse apresentado uma petição ao tribunal, o filho de um presidente jamais faria negócio com uma empresa com essas características.

Para encerrar
Encerro lembrando um caso exemplar de como, na política, a vida privada e a vida pública devem estar unidas o bastante para que uma sirva de referência à outra e devem estar separadas o bastante para que uma não sirva para alavancar a outra. Às vésperas na nomeação de Toffoli, eu lhes contei aqui esta história.

Em 2007, o então presidente dos EUA indicou Harriet Miers, 60 anos, para a Suprema Corte. Formada em matemática e direito, era conselheira jurídica da Casa Branca, chefiava um escritório de advocacia de 400 pessoas e era tida como uma das profissionais mais influentes do país em sua área. Só que havia um problema: em 1994, enquanto Toffoli era advogado de Lula aqui, Harriet era advogada de Bush, então governador do Texas. Quando ele fez menção de nomeá-la para a corte, a grita nos EUA foi tal — INCLUSIVE DOS REPUBLICANOS — que o presidente americano foi obrigado a retirar a sua indicação. Como as coisas por lá funcionam de outro modo, Harriet pediu demissão também da função de conselheira. A imprensa não perdoou: considerou simplesmente inaceitável, embora não fosse ilegal, que uma ex-advogada do presidente fosse parar no cargo mais alto do Judiciário americano. Sim, ela era qualificada, mas ficaria parecendo ação entre amigos, e uma República repudia isso. 

Entenderam? No Brasil, o ex-advogado do PT, ex-advogado de Lula, ex-subordinado de José Dirceu, ex-sócio do escritório que teve três mensaleiros como clientes e atual companheiro estável da advogada de um mensaleiro não vê motivos para se declarar impedido de participar do julgamento.

O país não tem as mazelas que tem por acaso. Não! Não é por culpa desse ou daquele em particular, mas da tolerância com a lambança. Lembrei, então, naquela oportunidade que Banânia entrou no século 19 como a maior economia das Américas. Entre 1800 e 1900, seu PIB passou a ser um décimo do PIB dos EUA. Por quê? Porque fomos criando, como nação, instituições ruins. Elas nos empobrecem ou tornam nossas vantagens irrelevantes.

O maior crime dos petistas não foi o escândalo do mensalão, dos aloprados ou sei lá o quê. O maior crime do PT foi e é tentar transformar essa sem-vergonhice numa categoria política e numa categoria de pensamento de… resistência! E nada escapa, como se nota, à sua fúria destruidora.

Por Reinaldo Azevedo

 

Assim não, ministro Celso de Mello! Ou: Na sexta, Lewandowski tem viagem “inadiável”

Vou voltar ao assunto porque, francamente, fiquei um tanto constrangido com a fala de ontem de Celso de Mello, decano do STF, por todos reconhecido como um ministro cumpridor dos seus deveres. Os advogados desta segunda fizeram intervenções mais breves, e sobraram 69 minutos, que poderiam ter sido usados para a fala de outros defensores. Desde o primeiro dia estava claro que a escala fora feita na hipótese de uma fala de ATÉ uma hora. Por isso mesmo, ela é flexível.

Ayres Britto cometeu um primeiro erro ao indagar ao plenário se deveriam continuar ou não. Ora, por que não? O que impedia? Marco Aurélio foi o primeiro a dizer um “não”, conforme o esperado, e alegou, se não me engano, uma questão de “costume” ou algo assim. Referia-se a quê? A que norma? Celso de Mello entrou em seguida para lembrar o excesso de trabalho e coisa e tal. Certamente não é o único assoberbado. Mas esbarrou numa questão lógica: se os advogados tivessem falado por até uma hora, aquela sobra de tempo não existiria, certo, ministro? Considerando que ela pertencia ao processo do mensalão, devo entender que ele decidiu agilizar outros trabalhos?

Ora, dado o tamanho do julgamento do mensalão, não só se deve dispensar a ele todo o já parco tempo que lhe cabe — sem sequestrar preciosos minutos para outros afazeres — como será necessário, e isso ficará logo claro, dispensar-lhe ainda mais horas, não é?

Os dias seguintes serão confusos. Na quinta, numa sessão já encurtada por causa das sessões do TSE, o ministro Joaquim Barbosa deve começar a ler as preliminares de seu voto. Depois, creio, será preciso estabelecer um modo para que vote por blocos, núcleos, etapas, sei lá eu. O mais sensato seria, entendo, que todo o julgamento se desse por partes.

Lewandowski e a viagem inadiável
Desde o início, cometeu-se um erro ao não se marcarem sessões às sextas-feiras. Ora, se não fossem necessárias, bastaria suspendê-las. Vejam o caso: o ministro Ayres Britto tentou marcar uma sessão extra para a próxima sexta. Quem não pôde? Ricardo Lewandowski, que afirmou ter uma viagem “inadiável”. Como é dia útil — lá na roça de onde venho, todo mundo trabalha às sextas (no meu blog, também aos sábados, domingos e feriados…) —, suponho que seja coisa ligada ao tribunal, né? E suponho também que a Casa o dispensaria de tal missão. A essa altura das coisas, inadiável é só tirar o pai da forca.

O que querem? Empurrar esse troço setembro adentro? Ora, é evidente que os ministros já têm firmadas as suas convicções e seus votos praticamente redigidos. As defesas podem, no máximo, servir a um ajuste aqui, outro ali. Todos os atos que resultem em atraso e procrastinação ficam, lamento — é a lógica da ordem dos fatos —, com o indisfarçável cheiro da manobra para tirar um ministro do julgamento: Cezar Peluso, que completa 70 anos no dia 3.

Todo cuidado é pouco, não é? Mesmo aqueles de biografia respeitável devem tomar cuidado para não ser confundidos nestes dias de bruma. Ninguém quer atropelar o devido processo legal coisa nenhuma! Todas as excelências sabem que estão prontos para votar. Inaceitável e golpista é criar dificuldades artificiais para que isso não aconteça. Ou me digam onde está o furo desse pensamento.

Por Reinaldo Azevedo

 

Naquela festa, circulou a informação de que o voto de Lewandowski já conta com 1.400 páginas

Naquela festa de Brasília na noite de sexta, avançando pela madrugado do sábado, houve quem assegurasse: o cartapácio do ministro Ricardo Lewandowski, revisor do processo do mensalão (e autor de um “voto alternativo”, como ele mesmo alardeou, para escândalo do bom senso), segundo o próprio estaria dando a entender, já alcançaria 1.400 páginas. Se isso for mesmo verdade, considerando que ele levou 80 minutos para ler as 70 de uma simples questão de ordem, só ele ocuparia 1.225 minutos dos colegas — mais de 20 horas, nada menos de quatro dias (e olhe lá…). Ontem, como a gente viu, ele não quis acelerar o processo em ao menos uma horinha… Num dado momento, reclamou de excesso de trabalho. Se for como dizem, o homem anda mais prolífico do que Gabriel Chalita.

Essa gente pode não acreditar, mas há algo mais do que petistas interessados e interesseiros de olho na coisa. Há a história.

Por Reinaldo Azevedo 

 

Para tristeza de Dirceu, julgamento do mensalão não afeta avaliação do governo, diz Datafolha

José Dirceu bem que gostaria que o julgamento do mensalão representasse uma espécie de ameaça ao governo Dilma. Assim, quem sabe a máquina se mobilizaria de algum modo para pressionar e tal. E ele poderia ainda apontar conspiração da direta e coisa e tal. Essa bobajada que Janio de Freitas anda escrevendo. Mas quê… A população sabe que não é o governo Dilma que está sendo julgado, mas os que cometeram crimes. Aliás, como já escrevi aqui, nem mesmo se trata de um julgamento do governo Lula. Isso tudo é besteira. Aliás, Dilma mantém alta a sua avaliação apesar dos tropeços na economia. Talvez o seu comportamento frio em relação ao mensalão e sua atitude até agora discreta nas eleições — sem chicanas; vamos ver se continua assim — colaborem para o seu bom desempenho.

Lula e Dirceu tentaram arrastá-la para a lama do vale-tudo. Ela não foi. Tomara que não vá. Como se vê, também é para o seu bem, não só do país. Ela segue muito bem avaliada, como vocês verão. Visto o governo de perto, trata-se, obviamente, de uma avaliação injusta, já que a gestão é fraca. Mas a voz do povo é a voz do povo. É por coisas como essa que não é a voz de Deus, hehe. Leiam o que vai na Folha.

*
Após atingir seu recorde em abril, a taxa de aprovação do governo Dilma Rousseff oscilou dois pontos para baixo. De acordo com pesquisa realizada pelo instituto Datafolha no dia 9 de agosto, o governo agora é classificado como ótimo ou bom por 62% dos eleitores. Outros 30% avaliam que a administração Dilma é regular. A desaprovação (soma de ruim e péssimo) está em 7%. O Datafolha ouviu 2.562 pessoas com 16 anos ou mais em 159 municípios. A margem de erro é de 2 pontos.

A aprovação do governo varia pouco conforme o nível de conhecimento das pessoas em relação ao julgamento do mensalão, em curso no Supremo Tribunal Federal. Entre os que dizem ter tomado conhecimento do julgamento, o governo é aprovado por 62%. No grupo dos que ignoram o julgamento, a aprovação é quase idêntica, 63%.

Na comparação com os quatro mandatos presidenciais anteriores, só o ex-presidente Lula atingiu mais de 60% de aprovação no período equivalente. Em setembro de 2008, já em seu segundo mandato, ele tinha 64% de ótimo e bom.

A taxa mais baixa de aprovação da administração Dilma está entre os eleitores mais instruídos. No universo dos que responderam ter ensino superior completo (14% da amostra), o governo tem 52% de ótimo e bom. A margem de erro nesse grupo, porém, é bem maior.
(…) 

Por Reinaldo Azevedo

 

Nunca antes na história “destepaiz” o Supremo foi submetido a tal enxovalho. Ou: Não há escapatória: os 11 do STF também estarão votando o destino de uma instituição

Nunca antes na história destepaiz, como diria aquele, o Supremo foi submetido a tal enxovalho. É inútil tapar o sol com a peneira ou buscar uma leitura benigna para as coisas que estão em curso. Dia desses, um querido amigo, contaminado, quem sabe?, pela leitura de Cândido, de Voltaire — e tomando ao pé da letra o que lá ia, não como ironia —, sugeriu que o fato de o Supremo estar constantemente na berlinda era um bom sinal. Evidência, disse ele, de que temos uma democracia viva, de que os senhores ministros não se fecham mais numa torre de marfim. Trata-se, sem dúvida, de uma leitura benigna e otimista do que, entendo, é manifesta expressão de decadência. Caberá aos ministros ciosos do seu papel institucional pensar também no destino do tribunal — e, pois, no futuro de todos nós.

Não! Os fanáticos de Dirceu podem ensarilhar seus adjetivos de guerra. Não estou aqui a sugerir que os ministros ignorem os autos e votem de acordo com a opinião pública. Aliás, segundo o presidente do PT, este bom povo brasileiro está mesmo é interessado no destino das personagens de “Avenida Brasil”. Pode ser. De tanto ver triunfar na vida real os pilantras, há a possibilidade de que busque viver a satisfação, ao menos na fantasia, de ver os espertalhões passando por algum aperto.

Do que vi da novela até agora, senhor Rui Falcão, aquilo a que se chama “povo” — essa categoria que vocês por aí têm a ambição de manter sob controle — pode não ter lá o gosto muito apurado, pode ser ruidoso e pouco refinado, pode chocar pela franqueza, mas tem caráter e vive com o suor do próprio rosto, não com o do alheio. E, claro!, há por lá os pilantras, os enganadores, os safados. É possível, sim, senhor Rui Falcão, que uma boa parte da opinião pública prefira a ficção como critério de realidade porque a realidade consegue ser mais estupefaciente do que qualquer ficção.

Quero, sim, que os ministros julguem de acordo com os autos, mas espero que não brindem o país com a vigarice teórica — ninho retórico da impunidade e do enxovalho ao estado de direito — de transformar os tais autos numa janela para a impunidade, CONTRA O DOMÍNIO DOS FATOS. Não há escapatória: os 11 do Supremo estarão dizendo até onde os homens públicos podem ir e, também, até onde aquela Casa se presta à intervenção de forças que lhes são externas.

Não, eu não quero que o Supremo julgue sob a pressão das ruas. Mas eu também não quero que o Supremo julgue sob a pressão de um partido. Não, eu não quero que o Supremo julgue para atender aos reclamos da opinião pública. Mas eu também não quero que o Supremo julgue para atender aos reclamos de opiniões privadas. Não, eu não quero que o Supremo julgue contra as provas. Mas eu também não quero que o Supremo julgue contra os fatos.

Que futuro terá um país em que um Marcos Valério saia do tribunal com atestado de boa conduta? E que futuro terá esse tribunal? Que futuro terá um país em que um Delúbio Soares saia do tribunal com atestado de boa conduta? E que futuro terá esse tribunal? Mas e Dirceu? Faltam evidências de que fosse o chefe inconteste do partido, de sua política de alianças e de sua relação com os aliados??? Como se realizava materialmente, e segundo quais critérios, essa convergência de interesses? Tenham paciência!

Estou nessa profissão há 25 anos. Saibam, senhores ministros do Supremo: nunca se fez tanta chacota do STF, se desconfiou tanto de seus critérios, se especulou tanto sobre a motivação de alguns de seus integrantes. E não porque isso seja consequência do escrutínio democrático. O ponto é outro. Dá-se como certo que, para alguns, os princípios da lei e do decoro se subordinam às imposições de uma tarefa de natureza partidária. Antes, debatia-se a doutrina; agora se debate quem obedece ao comando de quem.

O Supremo estará decidindo, em suma, se vai fazer réu o povo brasileiro e condená-lo a uma pena eterna: viver num país esculhambado, em que aquele que deveria dar o exemplo só resta impune porque se aprimorou nas artes do crime.

Por Reinaldo Azevedo

 

Ideb 1 – A vergonha da educação e, de novo, a proposta intelectualmente criminosa das cotas nas universidades federais

O governo divulgou os dados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Brasileira) de 2011 dos ensinos fundamental e médio. No primeiro caso, houve um avanço (falarei a respeito em outro post). No ensino médio, tem-se uma tragédia. Vejam quadros com síntese de dados publicados pela Folha Online.

 

Estadão Online fez uma síntese dos dados do ensino médio. Leiam. Volto em seguida.

Por Rafael Moraes Moura e José Eduardo Barella:
A qualidade do ensino médio piorou no Distrito Federal e em nove Estados brasileiros, aponta o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2011, divulgado nesta terça-feira, 14, pelo Ministério da Educação (MEC). Apesar de a meta nacional ter sido atingida para esta etapa de ensino (3,7), os sistemas estaduais de dez unidades da federação apresentaram índices inferiores aos conferidos na edição de 2009. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) estipulou uma meta nacional de 5,2 para ser alcançada no ensino médio em 2021.

Na comparação Ideb-2011 com Ideb-2009, considerando apenas as redes estaduais, caíram de desempenho Rondônia (-0,4), Acre (-0,2), Pará (-0,2), Paraíba (-0,1), Alagoas (-0,2), Bahia (-0,1), Espírito Santo (-0,1), Paraná (-0,2), Rio Grande do Sul (-0,2) e o Distrito Federal (-0,1). O ministro da Educação, Aloizio Mercadante admitiu que o fraco desempenho do ensino médio no Ideb é “um imenso desafio” para o ministério. Segundo ele, os problemas são conhecidos e o governo prepara ações para enfrentá-los. “Um fator claro é a estrutura curricular, muito extensa”, disse. “São 13 disciplinas, que chegam a 19 se consideradas as disciplinas complementares. São muitas matérias.”

Outro fator é o número elevado de estudantes do ensino médio matriculados no ensino noturno. “O rendimento já é comprometido porque muitos desses alunos trabalham e, com tantas disciplinas, eles ficam destimulados”, afirmou o ministro. De acordo com o Inep, a rede estadual é responsável por cerca de 97% da matrícula do ensino médio na rede pública, o que torna a questão uma responsabilidade dos governos locais. O avanço do Ideb no ensino médio é mais lento que o observado no ensino fundamental.

Embora o Ideb do ensino médio tenha subido de 3,6 para 3,7 (considerando todas as redes de ensino), o índice das redes estaduais ficou estável – manteve-se em 3,4. O Ideb da rede privada é de 5,7. A distância do Ideb das redes estaduais para o do sistema privado, que hoje é de 2,3 pontos, já foi de 2,6 pontos, conforme dados do Ideb de 2005. Segunda melhor do País, a rede estadual de São Paulo ficou com 3,9 em 2011, ante 3,6 em 2009. Santa Catarina é a unidade da federação que obteve a maior nota – 4,0; Alagoas, a que obteve a pior – 2,6.

Além de Alagoas, a rede estadual apresenta Ideb inferior a 3,0 em outras cinco unidades da federação: Pará, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba e Sergipe. Os maiores saltos numéricos nos dois últimos Ideb ocorreram nas redes estaduais de Goiás, que passou de 3,1 para 3,6 (aumento de 0,5), e no Rio de Janeiro (0,4), que subiu de 2,8 para 3,2. Na distribuição por regiões, a média dos Estados do Norte (3,1) e do Nordeste (3) fica abaixo da do Centro-Oeste (3,3), Sudeste (3,6) e Sul (3,7). Na rede privada, o maior Ideb no ensino médio é o de Minas Gerais e Paraná, que é de 6,1.

Voltei
Sim, leitor, a escala vai de zero a 10, mas não se deve tomar o topo como referência. Considera-se que o patamar 6 já caracterizaria uma educação própria de país desenvolvido. “Então estamos perto!” Não! Estamos longe! Nesse tipo de medição, cada décimo pode levar tempo — às vezes, anos. É preciso deixar claro que as metas do Brasil são bastante modestas e trazem embutido o que eu chamaria de “crime do realismo conformado” (no post seguinte, em que tratarei do ensino fundamental, explico o que quero dizer).

Vejam o retrato do ensino médio no país. A presidente Dilma Rousseff e o ministro Aloizio Mercadante querem despachar esses alunos para as universidades. Como evidencia a lógica elementar, se não há pressão pela melhoria do ensino médio, por que ele vai melhorar? A quase garantia de vaga na universidade, sem qualquer crivo de natureza intelectual, concorre, por óbvio, para o rebaixamento da qualidade do ensino público.

A rigor, à medida que se estreitam as vagas reservadas ao ensino privado — e a lei faz isso de maneira radical —, sabem o que tende a acontecer, e isso também é elementar, lógico e fatal? Um acirramento da concorrência entre as escolas privadas e um distanciamento ainda maior do ensino público. Como não haverá tantas vagas nas universidades públicas para os melhores, esses estudantes, com um desempenho intelectual muito superior ao daqueles que tiveram vagas garantidas nas universidades públicas, migrarão para o ensino privado. Na prática, Dilma e Mercadante estão empurrando a qualidade para as escolas privadas e a mediocridade para as públicas. Não é questão de gosto. É uma lei da física!

Vocês vão se cansar de ler especialistas a apontar problemas no ensino médio e coisa e tal. Outra hora trato do assunto. Acho que o debate está meio vesgo, mas não entro nele agora. Quero destacar o óbvio: sem que se faça, então, uma reforma para valer no ensino médio, como se pode pensar na tal lei de cotas? É uma sandice! Para começo de conversa, escolas no país inteiro — INTEIRO! — deveriam cumprir um currículo mínimo. O Enem poderia ter forçado essa uniformização, mas não está acontecendo. Esse trabalho tem de ser coordenado.

Eis aí. Esses números miseráveis são o resultado da omissão criminosa na área da educação. E Dilma e Mercadante se mostram dispostos a passar o problema, sem resolvê-lo, para o terceiro grau.

Por Reinaldo Azevedo

 

Ideb 2 – Mercadante, como não poderia deixar de ser, comemora os números vergonhosos do ensino fundamental. E, mais uma vez, a opção pelo desastre

Se o resultado do Ideb 2011 para o ensino médio é uma porcaria, o do ensino fundamental não é muito melhor, embora o ministro Aloizio Mercadante não coubesse no bigode ao anunciá-lo. Parecia ser a redenção. Vejam os quadros publicados na Folha Online com a síntese dos dados nacionais do 5º e do 9º anos do ensino fundamental público (atenção para os dados sobre o Rio de Janeiro). Na sequência, leia reportagem da VEJA.com. Volto em seguida.

 

O Ministério da Educação divulgou nesta terça-feira os novos números do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o Ideb, com os resultados de 2011. Em que pese a euforia do ministro Aloizio Mercadante, apressado em vender o estudo como prova de que todos os estados bateram as metas estabelecidas, os números mostram que a educação no Brasil continua lamentável, especialmente a pública. Pelos dados, as notas de mais de 37% das cidades brasileiras nos anos finais do Ensino Fundamental ficaram abaixo da meta estipulada pelo Ministério da Educação para 2011. Não seria tão mau se não fosse a tal meta, por si só, pífia: em média, o MEC esperava que as redes públicas, ao final da 8ª série, fossem capazes de atingir nota 3,7. Mesmo assim, muitas não conseguiram.

Em oito estados – Amapá, Alagoas, Maranhão, Sergipe, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima e Tocantins –, menos de 50% dos municípios atingiram essa nota. No Rio de Janeiro, único estado da região Sudeste nesse grupo, apenas 41,3% das cidades atingiram a meta. Em Roraima, um recorde macabro: nenhum dos 17 municípios foi capaz de chegar aos 3,7. A nota do estado como um todo — 3,6 — foi inferior à nota que havia sido registrada pelo Ideb em 2009 – quadro que se repetiu no Amapá, em Alagoas e no Mato Grosso do Sul. Mesmo na região Sul do país, apenas 60% das cidades atingiram a meta.

Para Priscila Cruz, diretora do Instituto Todos Pela Educação, os números ruins para essa etapa do ensino não surpreendem. São frutos da falta de projeto educacional. “A segunda parte do ensino fundamental é metade gerida pela rede municipal e metade, pela estadual”, explica. “Ou seja, o Ministério da Educação (MEC) não tem projeto para essa etapa, parece terra de ninguém.”

Segundo ela, diversas razões explicam o baixo desempenho dos estudantes nessa fase. Entre elas estão o aumento do número de professores que ministram as disciplinas em sala de aula — grande parte deles, é bom que se registre, sem a especialização adequada — e a fragmentação curricular. “Os últimos anos do ensino fundamental já refletem a grande crise que se observa no ensino médio”, critica Priscila. “Mas ninguém parece disposto a encarar este fato.”

Do total de municípios do país, 73,5% tiveram notas até 4,4 – que são ruins. Na ponta oposta, a da excelência, apenas 1,5% das cidades conseguiram notas superiores a 5,5. Destas, 53 ficam no Sudeste, 20 no Sul e, apenas uma no Nordeste, o heroico município de Vila Nova do Piauí, no estado homônimo do Piauí. Alagoas conseguiu outro recorde negativo: todas as cidades do estado ficaram com notas abaixo de 3,4.

Início do fundamental
Ao comentar os dados dos primeiros anos do ensino fundamental, o governo alardeou o fato de todos os estados terem batido a meta do Ideb. As metas batidas, porém, são diferentes para cada estado e, mais uma vez, mostram abismos entre as regiões do país. Enquanto a região Nordeste precisava atingir a nota média de 3,5; na região Sudeste a meta foi de 5,2. É como se o governo se contentasse em exigir menos das crianças em estados mais pobres, por não acreditar que seriam capazes, ali, de aprender mais.

Destacando a participação individual dos municípios, os dados mostram que 22,3% deles não alcançaram a pontuação esperada. Ao todo, 55,1% das cidades com rede de educação municipal – que no início do ensino fundamental responde por 80% das matrículas do Brasil – tiveram Ideb inferior a 5. As disparidades regionais se mantêm: enquanto Sergipe tem 80,9% das escolas municipais com notas inferiores a 3,7, em Santa Catarina, esse mesmo número não passa de 0,7%. Apenas 674 dos 5.136 municípios do país avaliados conseguiram Ideb igual ou superior a 6, sendo que nenhum deles na região Norte. Onze estão localizados no Nordeste, 25 no Centro-Oeste, 179 no Sul e 459 no Sudeste. 

O governo espera que as cidades se igualem apenas em 2021, quando todas alcançariam nota 6 no Ideb. Para isso, estados como Alagoas, por exemplo, que teve o pior Ideb do Brasil nos anos iniciais (3,5), terão de avançar muito mais rapidamente do que outros como Minas Gerais, por exemplo, onde a nota já chegou a 5,8. Conforme a nota sobe, torna-se mais difícil mantê-la em crescimento, explica Priscila Cruz.

Como o Ideb mede também a taxa de reprovação, a tendência imediata, afirma ela, é que as escolas tentem melhorar o fluxo de seus alunos para conseguir turbinar o desempenho. “A política imediata e mais fácil é aumentar a aprovação, sem que necessariamente venha acompanhada pela efetiva aprendizagem do aluno”, explica Priscila. “De nada adianta passar alunos de série sem que eles tenham aprendido. Melhorar a aprendizagem em todos os níveis, porém, é muito mais difícil”, completa Priscila.

Voltei
Os macrodados já dão uma ideia da maluquice que está em curso no país. É o que chamei, no post anterior, de “crime do realismo conformado”. A meta estabelecida para o Norte e para o Nordeste brasileiros, por exemplo, é a confissão de um gigantesco fracasso. O país aceita de bom grado ter, durante muitos anos, vai se saber quantos, um padrão de educação absolutamente rebaixado nessas regiões – e olhem que o conjunto da obra já é ruim. “Ah, mas refletem as diferenças na economia e coisa e tal.” Eu sei. Por isso mesmo, porque as metas são muito tímidas no que concerne à qualidade, o ministro Aloizio Mercadante deveria ser menos exultante ao anunciar os números. De resto, riqueza do estado não significa maior qualidade na educação – e a inversa também pode ser verdadeira.

Há dados que são a confissão de um vexame. Os números do Rio, por exemplo, merecem qual explicação? No ensino médio, já é o último colocado dos estados do Sul e do Sudeste. No ensino fundamental, o que se tem é um descalabro: no 5º ano, o estado está abaixo de Acre, Rondônia, Roraima e Ceará. No 9º, amarga a 21ª posição entre as 27 unidades da federação. Mas cumpriu a meta, e o ministro Mercadante está feliz.

Vejam agora o resultado nacional para os mesmos 5º e 9º anos do ensino fundamental da escola privada. A diferença é gigantesca, assustadora. Representassem esses números o padrão da educação do país, o Brasil estaria entre as nações desenvolvidas. Volto para encerrar.

Encerro
Critiquei ontem, com dureza, uma matéria notavelmente vesga publicada pelo Estadão. Num esforço evidente de justificar a aloprada lei das cotas sócio-raciais para as universidades federais, cometia-se o desatino de comparar o desempenho de negros das escolas públicas com o de brancos das escolas privadas.

Como o próprio texto evidenciava, a questão da cor da pele não tinha peso nenhum na diferença. O achado percentual refletia, por óbvio, diferenças regionais. A grande disparidade não estava entre negros e brancos, mas entre alunos da rede pública e da rede privada. Aí Dilma e Mercadante tiveram uma ideia: vamos garantir aos nossos alunos da escola pública o acesso à universidade, ainda que eles não saibam quase nada.

É a revolução na educação de modelo petista. Entre ser justo e ser justo com quem não sabe, o partido escolhe a segunda opção. Por isso o socialismo foi um sucesso no mundo!

Por Reinaldo Azevedo 

 

CPI do Cachoeira marca depoimento de ex-diretor da construtora Delta

Por Tai Nalon e Gabriel Castro, na VEJA Online:

A CPI do Cachoeira agendou nesta terça-feira o depoimento do ex-presidente da construtora Delta, o empresário Fernando Cavendish, para o final de agosto. A previsão é que ele seja ouvido nos dias 28 ou 29 de agosto, quando a comissão também tomará o depoimento do ex-diretor do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) Luiz Antonio Pagot. O presidente da CPI, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), ainda vai decidir qual dos dois será ouvido primeiro.

Cavendish é suspeito de ter utilizado a empreiteira para repasses, por meio de laranjas, para abastecer o esquema do contraventor Carlinhos Cachoeira em troca de benefícios em obras. A expectativa é que o empresário consiga habeas corpus para permanecer em silêncio durante o interrogatório da CPI – mesma estratégia utilizada na semana passada pela atual e pela ex-mulher do bicheiro no Congresso.

Tanto Cavendish quanto Pagot podem expor práticas recorrentes de empreiteiras: para dificultar o rastreamento de propina, as companhias repassam recursos a laranjas que, por sua vez, os destinam à autoridade corrompida. A Delta firmou nos últimos anos uma série de contratos com o governo federal e com os Estados.

Sob constantes críticas de ineficácia nas investigações, congressistas avaliam mudar os rumos da comissão de inquérito e priorizar acareações entre as testemunhas. “Espero sempre habeas corpus, que são nada mais que demandas para fortalecer do belos e competentes escritórios de defesa constratados pelos depoentes”, disse o presidente da CPI.

Cachoeira
Mais cedo, a CPI aprovou requerimento para reconvocar o contraventor Carlinhos Cachoeira para novo depoimento no Congresso. Trata-se, no entanto, de um convite protocolar, para quando, segundo o presidente da CPI, “estiver disposto a falar”. Os parlamentares apostam em uma eventual mudança de estratégia da defesa bicheiro, que optaria, ao fim dos trabalhos da CPI, pela delação premiada.

Cachoeira esteve na CPI em 22 de maio, mas recusou-se a falar. Na ocasião, ele prometeu retornar à comissão e contar o que sabe, mas somente depois de prestar depoimento à 11ª Vara da Justiça Federal, em Goiânia. No mês passado, o contraventor finalmente compareceu para a audiência judicial, mas também recusou-se a colaborar. Ainda assim, a CPI pretende tentar novamente ouvir o bicheiro. A comissão ainda aprovou a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico da mulher do bicheiro, Andressa Mendonça, a partir de requerimento do deputado Odair Cunha.

Outros requerimentos
A CPI aprovou também requerimento que convoca o deputado Carlos Alberto Lereia (PSDB-GO) para depor na primeira semana de setembro. Segundo a Polícia Federal, Lereia teria recebido dinheiro de Cachoeira. Ainda nesta terça, o deputado Maurício Quintela Lessa (PR-AL) defendeu o sobrestamento do requerimento convocando Sandes Júnior (PP-GO), sob o argumento de que não há elementos concretos contra o parlamentar: “Não me parece justo e prudente que você coloque um deputado sentado como interrogado na CPI nessas condições”, disse Lessa. 

O deputado Sílvio Costa (PTB-PE) protestou: “Ou convoca os dois ou não convoca nenhum. Até porque as gravações são semelhantes”. Os tucanos não se opuseram à convocação de Lereia: disseram que o parlamentar está disposto a comparecer à CPI. O presidente da CPI acabou colocando em votação um requerimento que, em vez de convocar Sandes Júnior, pede informações ao parlamentar. Se considerar a resposta insatisfatória, a comissão pode voltar a discutir a convocação do parlamentar.

Por Reinaldo Azevedo

 

14/08/2012 às 17:17

Chalita e “aquele homem que cuida há 40 anos dos abóboras”

Gabriel Chalita, candidato do PMDB à Prefeitura de São Paulo, não gosta de mim faz tempo, desde quando era tucano (depois disso, ele já foi socialista)… Não posso condená-lo e entendo seus motivos. Mexo com a sua vaidade e costumo evidenciar as bobagens que diz, motejando de sua falsa profundidade. Como ele pretende ser reconhecido como um intelectual, não como padrinho de festa de debutantes do pensamento, fica agastado. Como sabe que vou votar em José Serra (PSDB), acusa-me de ser o braço terceirizado de um de seus adversários. Huuummm… Entendo. Acha impossível que alguém possa discordar dele em razão de suas qualidades — ou da falta delas. Coisas da vaidade.

Leio na Folha Online que, na sabatina do UOL de que participou, defendeu que a cidade arranje recursos para Woody Allen fazer um filme sobre São Paulo. O cineasta americano, dono de obra respeitável, optou, a essa altura da vida, como sabem, por fazer releases cinematográficos, mas para pessoas inteligentes. Qualquer outro seria só um tolo mercenário; ele representa a reinvenção do mecenato. Então tá. Não vou entrar nisso agora. Indagado sobre as paisagens urbanas que gostaria de ver retratadas no filme de Allen, Chalita citou o Ceagesp, o Mercado Municipal e a Represa Guarapiranga. E poetizou:
“É fascinante [ir ao Ceagesp]. Você fica ouvindo a história de vida das pessoas. Aquele homem que cuida há 40 anos das abóboras”…

Não sei o que quer dizer essa frase nominal. Noto que há um frêmito que pode conduzir à poesia, aquela extraída das coisas, da materialidade da vida, em que se especializou, por exemplo, a mineira Adélia Prado. Percebo que o pensador pretende alçar esse homem das abóboras a uma espécie de metafísica do cotidiano, elevando o anônimo à condição de verdadeiro agente da história. Mas lhe faltaram fôlego teórico e a iluminação poética que faz o Pégaso meter os cascos na Fonte de Hipocrene, de onde jorra, então, aquela cascata de metáforas… Fico pensando nas suas plateias habituais, tentando entender o significado oculto do homem das abóboras. No próximo livro, o 9.856º da carreira, ele explica o que quis dizer.

Santo Deus!

Kit gay
Em sabatinas assim, especialmente num portal “progressista” como é o UOL, sempre é preciso discutir temas como o kit gay (“anti-homofobia” em politiquês-corretês) e aborto. São temas pertinentes, sim, embora se refiram a áreas que não são primordialmente da Prefeitura. De todo modo, o prefeito da maior capital do país, um das três maiores cidades do mundo, tem o que dizer a respeito porque o município administra uma infinidade de escolas e responde por boa parte do atendimento à saúde da mulher. Muito bem.

Ele se disse favorável ao kit gay, mas não àquele que foi produzido por Fernando Haddad, que considerou de “mau gosto”. Mau gosto? De que natureza? Estético? Pedagógico? Moral? O Chalita que quer ser candidato de Alckmin e de Dilma ao mesmo tempo também quer ser a favor do kit e contra ele, também ao mesmo tempo. O que precisaria ser mudado? O que havia de errado com aquilo? O material opta pelo proselitismo escancarado. Ele é contra ou é a favor? Segundo o texto da Folha Online, o tema “acirrou os ânimos” da plateia. Não sei o que se quis dizer com isso. Mas é fato que gente que dispõe de tempo para participar de uma sabatina em plena terça-feira costuma pertencer a setores mobilizados de opinião, a militâncias… No geral, trata-se de pessoas bem pouco tolerantes com aquilo de que discordam. Para não chatear a plateia, mas também não se comprometer com uma fatia do eleitorado, ele não foi nem contra nem a favor…

Indagado sobre a posição da Igreja a respeito do homossexualismo, informa a reportagem que ele demonstrou irritação: “Pergunta para o papa”. Heeeinnn? Como assim? O que custa Gabriel Chalita afirmar que as religiões têm o direito de pensar o que lhes der na telha a respeito dos mais variados temas e que as orientações morais e religiosas que passam são dirigidas a seus fiéis e não têm poder de lei? Por que Chalita não indagou aos repórteres — ou a quem lhe tenha dirigido a pergunta — por que seria imperioso que a Igreja Católica tivesse uma opinião favorável? Posso até discordar — e discordo — da posição da Santíssima Madre sobre o tema, mas o que custa a um político deixar claro que tanto quanto o Estado não é obrigado a assumir as posições de uma religião, uma religião não tem de se subordinar a políticas de estado? Ocorre que os políticos — e esse mal não é só de Chalita — têm medo de dizer o que pensam. Quanto mais anódinas forem as opiniões, melhor.

Aborto
No que concerne ao aborto, a coisa piora. A opinião que expressou, sendo verdade o que informa a Folha Online, beira o cretinismo. E, aí sim, tenta contornar, desta feita de modo grave, um fundamento de sua religião declarada ao menos. Para ele, não se trata de uma questão religiosa. E mandou ver: “Tudo o que é contra o direito à vida não há recepção possível no ordenamento político brasileiro.” Vertido isso para um português mais inteligível, ele diz uma verdade. É o que eu também entendo sobre a Constituição. Mas há, sim, senhor!, a questão religiosa. Para um católico — e é assim que ele se apresenta —, há.

Mas, de novo!, há o medo da plateia, não é? Como enfrentar a, aposto!, maioria presente favorável ao aborto? Não que faltem argumentos a um bom católico — não vou aqui abrir um bolsão para debater o tema; já escrevi muito a respeito — para combater a cultura da morte. Não que faltem números objetivos demonstrando as mentiras da militância abortista. Mas o homem que quer ser Alckmin e Dilma e que quer ser contra o kit gay e a favor também se mostra contrário, mas não muito, ao aborto, preferindo fugir do mérito e se esconder na questão legal.

Patrimônio
Chalita também tentou explicar a milagrosa multiplicação de seu patrimônio. Em 2000, era de R$ 741 mil. Em 2008, já havia chegado a R$ 7 milhões. A aceleração verdadeiramente vertiginosa se deu entre 2008 e 2011: alcançou a marca dos R$ 15 milhões. Como? Aos sabatinadores do UOL, ele atribuiu tudo à herança familiar e à venda de livros: 10 milhões de cópias, segundo ele, o que ninguém consegue comprovar nem com reza braba. Basta fazer uma pesquisa para constatar que ele não é um assíduo frequentador das listas de mais vendidos. Quando entra, fica um tempinho e sai. Como já demonstrou reportagem de VEJA, a marca o colocaria à frente de J.K. Rowling, autora da série Harry Potter (3,6 milhões de exemplares vendidos no Brasil), e próximo de Augusto Cury, fenômeno editorial da década (11 milhões de livros vendidos desde 2002). Não há um só editor ou especialista na área que confie nesses números. Reproduzo trecho da reportagem:
“A pedido de Chalita, suas editoras também não divulgam os seus números de venda. Uma espiada nas planilhas da rede de livrarias Saraiva, no entanto, autoriza a suspeita de que o cálculo não é o forte de Chalita. Considerada um termômetro do mercado editorial, a Saraiva negociou apenas 70.000 exemplares do autor nos últimos três anos.”

Eu não tenho explicação para a multiplicação de seu patrimônio. Pelo visto, a melhor que ele consegue encontrar são os livros. Quanto à herança… Ele costumava evocá-la quando precisa justificar o patrimônio e “costuma ter sido” (se me permitem a construção estranha) um menino pobre, que vendia “geladinho” em jogo de futebol, quando isso interessa. Já escrevi a respeito.

É por aí… O homem que quer financiar um filme de Woody Allen sobre São Paulo já comparou, numa palestra que deu nos EUA, as favelas do Rio à costa da Grécia:
“Algumas favelas se localizam nas áreas mais bonitas da cidade, então as pessoas estão comprando esses barracos e transformando em casas. Analistas dizem que várias dessas favelas estão parecendo com a Grécia pela beleza do oceano, pela montanha e [por] como as casas vão ficando bonitas.”

Não sei que especialistas são esses. Acho que, de novo, era só o Pegaso rondando Hipocrene. “E as ideias de Chalita?” Quais?

Agora vou refletir sobre aquele homem que cuida há 40 anos das abóboras.

Que tempos estes, não?

Por Reinaldo Azevedo

 

“Lula não só sabia do mensalão como ordenou” o esquema

Leiam uma boa síntese das defesas do dia, publicada na VEJA Online.

Por Gabriel Castro e Laryssa Borges:
O oitavo dia de julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF) foi marcado pela participação do incisivo advogado do ex-deputado Roberto Jefferson, Luiz Francisco Barbosa. O defensor gastou boa parte de seu tempo na sessão desta segunda-feira para questionar a ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como réu no processo.

Sem rodeios, ele disse que o petista é o maior responsável pelo esquema de compra de apoio político de deputados: “Lula é safo, é doutor honoris causa e não só sabia como ordenou o desencadeamento de tudo isso que deu razão à ação penal. Sim, ele ordenou. Aqueles ministros eram apenas executivos dele”, afirmou Barbosa. 

Como antecipou o site de VEJA, o representante de Jefferson disse que o esquema interessava a quem tinha o poder de enviar projetos de lei ao parlamento: o presidente da República. O advogado também acusou Lula de favorecer o banco BMG, que depois viria a abastecer generosamente o valerioduto. O governo criou uma lei que permitiu à instituição oferecer crédito consignado para aposentados, o que rendeu grandes lucros ao BMG.

A tática de Barbosa é citar a omissão de Lula para criticar o Ministério Público e sustentar que Roberto Jefferson foi vítima de uma ação seletiva da Procuradoria-Geral da República. Sobre os mais de 4 milhões e reais recebidos pelo PTB eram resultado de um acordo lícito para as eleições municipais de 2004, e não o fruto da adesão da sigla ao governo Lula: “As direções nacionais do PT e PTB ajustaram, para aquela eleição, apoio material por transferência de recursos”, disse. 

Barbosa alegou ainda que seu cliente foi transformado em réu para que não prosseguisse denunciando o mensalão. “Denunciaram Roberto Jefferson para silenciá-lo. É acusado só para não abrir aqui sua boca enorme. Tem gente que praticou crime e nada aconteceu”, disse.

José Borba
Representante do ex-deputado José Borba (PP), o advogado Inocênio Mártires Coelho alegou que faltam provas de que seu cliente recebeu mais de 2 milhões de reais do valerioduto. Citando uma lista interminável de juristas, ele gastou relativamente pouco tempo a análise direta da acusação. Criticou a “volatilidade das declarações” de Marcos Valério e atacou o Ministério Público, que teria montado uma peça de acusação sem elementos concretos: 

“Desde o início do processo, embora devessem agir com a isenção de magistrado, os representantes do Ministério Público vêm se comportando como advogados”, disse o defensor, que destacou o fato de não haver documentos ligando seu cliente ao esquema de corrupção.

Romeu Queiroz
Suspeito de ter embolsado cerca de 102 000 reais do esquema do valerioduto, o ex-deputado federal Romeu Queiroz (PTB-MG) seguiu a linha-base da defesa dos mensaleiros e disse que o dinheiro que recebeu por meio da agência de publicidade SMP&B, de Marcos Valério, não passou de recursos não contabilizados de campanha. A origem do montante seria, segundo ele, uma doação da Usiminas para as eleições de 2004. 

“Nem sempre a gente quer fazer essa doação (de campanha) de modo que gostaríamos de ser identificados. A Usiminas disponibilizou o dinheiro via SMP&B”, disse o advogado Ronaldo Garcia Dias. “A consciência da ilicitude nunca existiu. O dinheiro tinha aparência de uma origem sadia”, resumiu. Em sua defesa, o ex-deputado Romeu Queiroz ainda negou ter vendido seus votos durante a análise das reformas previdenciária e tributária na Câmara dos Deputados.

Bispo Rodrigues
O primeiro advogado a falar nesta segunda-feira foi Bruno Braga, representante do ex-deputado Bispo Rodrigues (na época, filiado ao extinto PL).Acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o réu recebeu, em 2003, 150 000 reais do esquema de Marcos Valério. Assim como fizeram outros advogados, Braga afirmou que tudo não passou de acertos de campanha.

“Esse montante veio do PT com destinação absolutamente daquela imaginada e sustentada pela acusação”, justificou o representante de Rodrigues. O advogado disse ainda que seu cliente não pode ser acusado de vender seu voto na Câmara porque integrava o PL, partido do então vice-presidente José Alencar: “Anormal seria o PL, nessas condições, votar contra o governo do qual fazia parte”, disse.

Palmieri
O Supremo ouviu ainda o representante de Emerson Palmieri, que ocupava o cargo de tesoureiro informal do PTB na época dos pagamentos recebidos via valerioduto. O advogado Itapuã de Messias disse que seu cliente não tinha ingerência sobre as movimentações financeiras da sigla: “Emerson não é e nunca foi tesoureiro do PTB. Tem funções específicas, subalternas ao tesoureito, ao presidente e ao secretário”, alegou.

Por Reinaldo Azevedo 

 

O caso Noblat-Toffoli e a promiscuidade de Brasília. Ou: A República dos Fidalgos cercada pela ralé — nós todos!

Recebi muitos pedidos para que escreva algo sobre o post publicado na madrugada de sábado pelo jornalista Ricardo Noblat em seu blog, relatando um episódio estupefaciente. Saía ele de uma festa, em Brasília, quando, disse, foi colhido por uma metralhadora de impropérios disparados por ninguém menos do que José Antonio Dias Toffoli, ministro do Supremo Tribunal Federal, membro de um colegiado que distingue apenas 11 pessoas na República.

O ministro estaria descontente com uma opinião expressa por Noblat, que também havia defendido que ele se declarasse impedido de participar do julgamento. Reproduz o jornalista as palavras que teriam sido ditas pelo ministro (em vermelho):
— Esse rapaz é um canalha, um filho da puta.
Repetiu “filho da puta” pelo menos cinco vezes. E foi adiante:
— Ele só fala mal de mim. Quero que ele se foda. Eu me preparei muito mais do que ele para chegar a ministro do Supremo.

Comentar o quê?

Divirjo de Noblat em muitas escolhas. Quando se trata de coisa relevante, digo aqui a razão. Mas pergunto: por que motivo inventaria uma história cabeluda como essa? O jornalismo petralha definiu os seus inimigos de estimação, não é? Aqueles que estariam sempre, segundo seus delírios, perseguindo os heróis petistas. Noblat não está entre os alvos fixos da turma. José Dirceu, se não me engano, é colunista do seu blog — Toffoli também teria se referido a esse fato com esta fala:
— O Zé Dirceu escreve no blog dele. Pois outro dia, esse canalha o criticou. Não gostei de tê-lo encontrado aqui. Não gostei.

Tendo acontecido assim, vê-se um Toffoli tomando, de público, as dores de Zé Dirceu.

Brasília promíscua
Trabalhei em Brasília em 1996. Detesto sair de casa, mas fui a algumas poucas festas — poucas: minha filha mais velha tinha acabado de completar um ano, e minha mulher estava grávida da segunda; preferia ficam com elas. Já então estranhava o que chamei de “promiscuidade brasiliense”.

Não havia beberagem no Planalto Central que não juntasse jornalistas, deputados, senadores, ministros, quadros da burocracia… Desenvolvi, desde aquela época, tese que tenho até hoje: houvesse no Brasil tabloides de modelo inglês, a República cairia. E não seria necessário praticar nenhuma das delinquências do “News of the World”.  Se querem saber, o Brasil seria muito mais saudável. Quantas vezes se viram e se veem respeitáveis autoridades a sair carregadas de restaurantes da moda, entupidas de álcool, sem que se tenha publicado uma miserável nota nos jornais? Por que não? Ah, isso tudo é vida privada!

Uma ova!!! O jornalismo brasiliense desenvolveu uma gigantesca tolerância para desvios de conduta de homens públicos. O pior é que isso está ligado, lá vou eu, ao “fontismo”. Faz parte da camaradagem. Jornalista que decidir contar o que viu nessas festas ou nesses convescotes sabe que está marcado. Ninguém mais vai querer falar com ele — e pode ser alvo de críticas dos próprios colegas. 

Noblat não teria escrito nada sobre a festa não fossem as ofensas de que foi alvo. Tratava-se, segundo fiquei sabendo, de um encontro na casa de Fernando Neves, ex-ministro do TSE. O blogueiro do Globo não era o único jornalista. Havia outros. Toffoli não era a única autoridade. Havia outras. Lá estava Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, um dos advogados de defesa do mensalão — dos mais estrelados —, em processo no qual Toffoli é… juiz!

“É assim no mundo inteiro, Reinaldo!” Não! Errado! NÃO É ASSIM NO MUNDO INTEIRO! Não no mundo democrático. Lamento! Esses eventos reúnem todas as características da antiga corte, que separava os fidalgos — ainda que pudesse ter suas divergências — da ralé.

Testemunho
Enviaram-me há pouco uma mensagem — não sei se é comentário publicado no blog de Noblat ou carta aberta; pouco importa — em que um rapaz chamado Eduardo Pertence contesta as informações publicadas pelo jornalista. Vale a penas ler. É um mimo e um emblema do que estou dizendo aqui.

“Caro Noblat,
Aprendi a lhe respeitar e admirar desde criança, por consequência do meu pai, Sepúlveda Pertence, seu amigo e admirador.
Contudo, não posso deixar de demonstrar meu espanto com essa leviana notícia. Estava eu, junto ao meu pai, nessa mesma festa. Você foi recebido na mesa dela, com todas as loas e elogios.
Fiquei na festa até o final, chegando a acompanhar o Min. Toffoli até o seu carro, quando ele foi embora. Afirmo não ter presenciado nada parecido com o que você noticiou aqui.
Não vi, nem ouvi dele, nada assemelhado as loucuras aqui publicadas. De minha parte, testemunho que isso não houve. De sua parte, espero que o Mensalão não esteja alterando sua noção de realidade.
Continue, fora isso, sendo o grande e admirável jornalista que sempre foi. Com respeito, mas espanto.
Eduardo Pertence.”

Comento
Sendo verdadeira essa mensagem — e não há desmentido —, noto a ligeireza com que o filho evoca o nome do pai para demonstrar que, no fim das contas, todos pertencem à mesma grei: à dos homens incomuns. Noblat é tratado como aquele que é recebido à mesa — afinal, jornalistas gozam da fidalguia por uma espécie de tolerância, não de mérito de berço, né? — e que acabou traindo a confiança da turma. Eduardo Pertence assegura que o fato não se deu (se ele fala a verdade, Noblat seria o quê?), mas expressa seu respeito ao outro, que segue sendo uma pessoa admirável, embora, segundo ele, minta um pouquinho… O que Eduardo tem de seu para asseverar que o outro falta com a verdade? O nome “Pertence” e o fato de conhecer o blogueiro desde criança…

Ah, sim, para quem não lembra: Sepúlveda Pertence é ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e é o atual presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República.

Fidalgo quer dizer “filho de algo”. Se estudarem a origem espanhola da expressão, chegarão a “hi d’algo”, que designava “home de dinheiro”, por oposição ao Zé Ninguém ao despossuído.

Eu estou entre aqueles que consideram que um dos males de Brasília — apenas um deles — é ter criado uma ilha da fantasia que protege do povo os fidalgos. O poder público se tornou algo a ser compartilhado entre “os iguais” na fidalguia. Os “diferentes” ficam na periferia: literalmente, o resto do Brasil.

Estou entre aqueles que acham que deputados, senadores, ministros de estado, ministros do Supremo, autores em geral perdem boa parte do direito que os homens comuns têm à chamada “vida privada”. Eu até poderia encher a cara e dar vexame na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapé — embora nunca o tenha feito, que me lembre ao menos… Isso não é nem deve ser notícia. Não carrego a força de uma representação. Não recebo dinheiro público para ser um homem exemplar. Não disponho dos instrumentos de qualquer dos Três Poderes da República.

Autoridades da República têm de saber se portar — e, por óbvio, de saber beber. Aliás, como regra geral, todos deveriam ter um norte ético: “Se beber, não xingue ninguém”.

E fica aqui um convite aos coleguinhas de Brasília: comecem a contar tudo o que vocês veem em festas e restaurantes. Terá um poder saneador da República maior do que CPIs e julgamentos do Supremo.

PS – Ah, sim: Nelson Jobim também estava lá. Mas é inútil perguntar se ele viu alguma coisa.

Por Reinaldo Azevedo

 

Vejam este quadro do francês Jean-Baptiste Debret, que retratou o Brasil do começo do século 19. Olhem ali o escravo a proteger do sol o nhonhô que faz xixi na rua. Os “donos do poder”, para lembrar o livro de Raymundo Faoro, evocado por Roberto Gurgel na sua denúncia, continuam a fazer xixi, agora sobre a República e a Constituição. E os escravos somos nós, os pagadores de impostos do país dos fidalgos.

 

Um desmentido, outras festas, lança-perfume e a droga da promiscuidade e da impunidade

Quando escrevi o post sobre o episódio Tóffoli-Noblat, não sabia que o próprio Eduardo Pertence, um dos filhos de Sepúlveda Pertence, havia entrado em contato com o jornalista para desdizer o que dissera em sua primeira mensagem. Escreveu Noblat no Twitter:

“Eduardo Pertence acaba de me telefonar. Pediu desculpas. Reconheceu q onde estava não dava p/ouvir o que Tóffoli disse ou não.”

É mesmo, é? Parece que esse rapaz muda de ideia com a ligeireza com que evoca o nome do pai. Lamentável! Em tempo: quando o ministro Dias Toffoli disparou a sua metralhadora cheia de mágoas contra o jornalista, estava em companhia de Kakay, um dos advogados do mensalão.

Algo me dizia aqui que essas personagens todas já haviam se reunido antes numa mesma notícia: Eduardo Pertence, Dias Toffoli, Kakay… E era verdade. Reli um post escrito aqui no dia 24 de setembro do ano passado. Ele remete a uma reportagem publicada na VEJA, de autoria de Daniel Pereira e Rodrigo Rangel, que reproduzo na íntegra. Vale a pena ler até o fim. É tudo espantoso!
*
Dá-se como regra que em Brasília os assuntos mais candentes não são resolvidos nos gabinetes e nos plenários, mas em restaurantes, quartos de hotel e festas particulares. Na semana passada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a segunda mais alta corte do país, transformou em pó a mais extensa investigação já feita sobre a familia do presidente do Senado, José Sarney. Realizada entre 2007 e 2010, a operação mapeou os negócios do clã maranhense nas abas do poder público, f1agrou remessas milionárias para o exterior, além de dinheiro do contribuinte indo parar em contas de empresas controladas, segundo a polícia, por “laranjas” do primogênito do senador, o empresário Fernando Sarney. Transações quase sempre sustentadas por verbas de órgãos historicamente comandados por apadrinhados do superpoderoso parlamentar, como as estatais do setor elétrico. De tão complexo, o caso se desdobrou em cinco inquéritos. Três deles estavam prestes a se transformar em processos judiciais. Antes que isso acontecesse, porém, veio a decisão do STJ.

Uma das turmas do tribunal considerou que juízes de primeira instância não poderiam ter autorizado a quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico de Fernando Sarney e de outros investigados apenas com base em informações do Coaf, o órgão governamental encarregado de monitorar operações financeiras suspeitas. Foi uma transação de 2 milhões de reais, realizada no fim do ano eleitoral de 2006 e mapeada pelo Coaf, que serviu como ponto de partida para a investigação. Incumbidos da operação, Polícia Federal e Ministério Público discordam, obviamente, da decisão. Advogados criminalistas, claro, festejam. Independentememe de qual lado está com a razão, o fato é que o veredicto do STJ dá força à sensação de que os poderosos e aqueles que orbitam em seu redor nunca experimentam a força da lei no Brasil. É mais um elemento a confirmar a fama de paraíso da impunidade. Fama danosa ao país, mas que garante uma vida tranquila a figuras de proa da República às voltas com denúncias graves. Gente como os notórios Paulo Maluf, Luiz Estevão, Jader Barbalho e Renan Calheiros, beneficiados por um caldo cultural que tem como ingredientes a promiscuidade entre agentes públicos e empresários, a falta de apetite das instituições para punir certas castas e a letargia da população diante de malfeitos.

Para entender as razões que protegem políticos e corruptores do acerto de contas com a Justiça, é preciso retroceder ao descobrimento. Diz o professor e doutor em história Ronald Raminelli, da Universidade Federal Fluminense: “A impunidade é uma prática que veio para cá com os portugueses. Na Europa daquele período, os nobres e poderosos tinham privilégios e não eram submetidos às mesmas leis dos homens comuns. A diferença é que os europeus foram se livrando dessa tradição ao longo do tempo, mas aqui ela perdura até hoje”. Na gênese dessa prática está a necessidade de autopreservação da elite política – comportamento que se cristaliza, por exemplo, nas absolvições de parlamentares criminosos e na dificuldade do Congresso em aprovar leis saneadoras na seara ética. “Para os poderosos, até hoje fica a interpretação da lei da melhor maneira possível. Há uma rede de proteção em que as leis são sempre interpretadas de acordo com os interesses dos grupos dominantes”. prossegue Raminelli.

A Justiça é uma engrenagem indissociável desse processo. O problema começa na forma como são preenchidas as vagas nos tribunais superiores. Os ministros são escolhidos pelo presidente da República. Antes de assumirem, têm de ser sabatinados e aprovados pelo Senado. “O processo de escolha é uma verdadeira simbiose entre Legislativo. Executivo e Judiciário e foi levado a um ponto intragável, em que há sempre a perspectiva, por parte dos magistrados. de agradar aos políticos de plantão, que podem ajudá-los a galgar postos mais altos na Justiça”, afirma o procurador Alexandre Camanho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República. “Virou uma grande bancada de compadres, onde todos se protegem, se frequentam, e quem quiser ter vaga no STJ ou no STF tem de usufruir de proximidade e prestígio com os políticos.” Com mais de cinquenta anos de vida pública, ex-presidente da República e pela quarta vez no comando do Senado, ao qual cabe realizar as sabatinas, Sarney construiu uma rede de relações e de influência sem precedentes – com ramificações em todos os poderes, principalmente no Judiciário.

Relator do caso que resultou no arquivamento do processo que investigou a família Samey, o ministro Sebastião Reis Júnior foi empossado em junho passado no STJ. Um de seus amigos diletos é o  advogado Antonio Carlos de Almeida Castro. Kakay, como o advogado é conhecido em Brasília, também é amigo de Sarney e defensor do clã maranhense há tempos. Essa relação de proximidade entre os três teve alguma coisa a ver com a decisão da semana passada? Certamente não. Mas relações assim fomentam determinadas lendas. “O Sebastião é meu amigo há muito tempo, mas não atuei nesse caso, não conheço os detalhes do processo nem sabia que ele era o relator”. diz Kakay. Em fevereiro, o advogado organizou uma feijoada na mansão em que mora, em Brasília, que reuniu ministros. senadores e advogados famosos. Sebastião Reis era um dos convidados. Na ocasião, apesar de ainda ser aspirante à vaga no STJ. já. era paparicado como “ministro” por alguns convivas. O ministro do Supremo Tribunal Federal José Dias Toffoli também participou da feijoada. que varou a madrugada. Ah. as festas e os quartos de hotel em Brasflia.

Festança
No dia 17 passado, um sábado, Toffoli, Kakay e representantes de famosas bancas de advogados de Brasília voltaram a se encontrar em uma festa, em Araxá, Minas Gerais, no casamento de um dos filhos do ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence. O aeroporto da cidade não via um movimento assim tão imenso fazia muito tempo. Os convidados mais famosos chegaram a bordo de aviões particulares, inclusive o ministro Dias Toffoli. Em nota, ele explicou que o avião lhe fora cedido pela Universidade Gama Filho, do Rio de Janéiro, onde dá aulas. Naquele dia, por coincidência, o ministro, que estava junto de sua companheira, informou que tinha um compromisso de trabalho no campus que a instituição mantém em Araxá.

Sepúlveda Pertence é o presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência – uma espécie de vigilante e fiscal do comportamento das autoridades do Executivo. Além de Kakay e Toffoli, ele recebeu como convidados o ex-senador Luiz Estevão (condenado a 31 anos de prisão e que deposita suas últimas esperanças em se safar da cadeia nos recursos que serão julgados no STJ e no Supremo) e o empresário Mauro Dutra (processado por desvio de dinheiro público) – e advogados que defendem ou já defenderam ambos. Toffoli é relator de um dos processos de Luiz Estevão no Supremo. Os quartos do hotel mais luxuoso da  cidade foram ocupados, portanto, por juízes, réus e advogados que atuam em processos comuns. A feijoada de Brasília terminou na madrugada do dia seguinte, com um inofensivo karaokê. A festa de Araxá também avançou a madrugada, embalada por música eletrônica. Havia, porém, uma surpresa guardada para o final.

Lança-perfume
Depois das 3 da manhã, as bandejas dos garçons passaram a circular com frascos de lança-perfume, uma droga ilegal, que pode levar à prisão de quem a distribui. Quem a consome, se flagrado, também tem de se explicar à Justiça. “Teve gente que passou mal no banheiro, mas foi tudo de boa”, conta um dos convidados. Àquela hora, rezemos, os guardiães das leis, incluindo os anfitriões, já haviam se recolhido aos seus aposentos. Não teriam testemunhado, assim, o que, pelas leis vigentes no país, ainda é considerado crime. No dia seguinte, os jatinhos estacionados no aeroporto decolaram em direção a Brasília. Na segunda-feira, quando começa a semana de trabalho, os convivas passam a chamar-se de excelências. Voltam a ser juízes, advogados e réus. Só na aparência. infelizmente.

Volto a agosto de 2012
O noivo era justamente Eduardo Pertence, que está lá no primeiro parágrafo deste post. Era isso o que eu queria dizer quando falei em promiscuidade. Ainda voltarei a esse tema para indagar e responder: “Quando um homem público ou uma autoridade deixa de ser homem público e autoridade?”

Por Reinaldo Azevedo 

 

Para delegado que investigou o caso, mensalão é maior que o julgado no STF

Por Flávio Ferreira, na Folha:
O delegado da Polícia Federal Luís Flávio Zampronha, que investigou de 2005 a 2011 a existência do mensalão, rompe o silêncio mantido nos últimos anos e afirma: “O mensalão é maior do que o caso em julgamento no Supremo Tribunal Federal”. Em entrevista exclusiva à Folha, Zampronha diz que o esquema era mais amplo nas suas duas pontas, de arrecadação e distribuição. Deveria, afirma, ser encarado como um grande sistema de lavagem de dinheiro – e não só como canal para a compra de apoio político no Congresso. O delegado abasteceu de provas o Ministério Público Federal, que, em 2006, ofereceu a denúncia ao STF. Zampronha manteve seu trabalho na PF para aprofundar as investigações e identificar mais beneficiários. Deixou o caso em fevereiro de 2011, após entregar relatório pedindo novas apurações. Embora evite críticas diretas à Procuradoria, Zampronha revela divergências da PF em relação à denúncia em julgamento neste mês no STF.

Segundo o delegado, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares poderiam ter sido denunciados também por lavagem de dinheiro – o que não foi feito pelo Ministério Público Federal. Na ação a que respondem no STF, os dois são acusados de corrupção ativa e de formação de quadrilha (com penas máximas de 12 anos e 3 anos, respectivamente). Para Zampronha, as provas mais robustas contra eles são por lavagem de dinheiro (até dez anos de prisão). Sobre Dirceu, o delegado da PF diz: “Há vários elementos que indicam que ele sabia dos empréstimos e dos repasses para os políticos”.

ORIGEM DO DINHEIRO
O delegado diz que o mensalão “seria empregado ao longo dos anos não só para transferências a parlamentares, mas para custeio da máquina partidária e de campanhas eleitorais e para benefício pessoal dos integrantes”. ”O dinheiro não viria apenas de empréstimos ou desvios de recursos públicos, mas também poderia vir da venda de informações, extorsões, superfaturamentos em contratos de publicidade, da intermediação de interesses privados e doações ilegais.” Por outro lado, Zampronha também considera haver “injustiças” na denúncia – referência a réus que eram subordinados dos operadores e beneficiários do mensalão. ”Os funcionários não sabiam o que estava acontecendo”, afirma o delegado, citando Anita Leocádia (assessora parlamentar) e Geiza Dias (gerente da SMPB, agência do publicitário Marcos Valério).
(…)
Zampronha afirma que os recursos desviados do fundo Visanet (apontado como fonte do mensalão) e repassados à agência de Marcos Valério eram públicos, pois pertenciam ao Banco do Brasil.
(…) 

 

Corregedora Nacional de Justiça critica tese de advogados de mensaleiros

Por Felipe Recondo e Fausto Macedo, no Estadão:
A poucos metros do plenário do Supremo Tribunal Federal, a corregedora Nacional de Justiça, Eliana Calmon, acompanha o julgamento do mensalão e revela sua expectativa. “É uma grande oportunidade de estabelecermos alguns valores, morais, éticos, políticos, por isso o julgamento do mensalão é tão importante”, disse. Para ela, a defesa dos réus trata a tese do caixa 2 como “se fosse conduta corriqueira, socialmente consentida”. Eliana Calmon diz que não conhece as provas dos autos, mas para ela o escândalo “soa como corrupção”. Sobre o comportamento dos 11 ministros no julgamento que o País acompanha desde o dia 2, ela prefere não opinar. Mas perguntada sobre José Antonio Dias Toffoli, ex-assessor do PT, a corregedora salienta que “o assunto está na pauta do dia porque o povo anotou”.

Na última quarta-feira, a ministra recebeu o Estado em seu gabinete no Anexo I da sede do STF, uma sala cujas janelas se voltam para os fundos do Supremo. A ministra se prepara para deixar o cargo de xerife do Judiciário em setembro. Depois de ver a Justiça por dentro, ela se diz “assustada” com o que constatou – desvios e desmandos, corrupção, enriquecimentos pessoais e contracheques milionários. Na entrevista, afirma ainda que depois de denunciar a existência de “bandidos de toga”, sofreu resistência do então presidente do STF, Cezar Peluso: “Ele tentou me inviabilizar”.

Não é hora de o Supremo Tribunal Federal dar um basta na cultura do dinheiro sujo na política?
E quem sabe o Supremo não vai dar? É uma grande oportunidade de estabelecermos alguns valores, um julgamento importantíssimo. Valores morais, valores éticos, políticos, não é? Valores de conduta de cidadania.

A defesa dos réus do mensalão quer cravar que tudo não passou de caixa 2 de campanha eleitoral. A tese vai vingar?
Como se fosse conduta corriqueira, socialmente consentida. Não conheço as provas dos autos, mas para mim o mensalão soa como corrupção (e não caixa 2). Eu me impressionei pelas imagens (a cena da entrega do dinheiro nos Correios), até hoje me choca. Não posso ignorar que este é um país de caixa 2. Isso é relativizado na hora que se vai examinar os fatos.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) puniu juízes que agiram parcialmente por causa de relações com as partes. No julgamento do mensalão discutiu-se sobre a suspeição do ministro Dias Toffoli. O exemplo não deve vir de cima?
Isso está na pauta do dia. Não vou qualificar, por uma questão de hierarquia, questão disciplinar. Mas o assunto está na pauta do dia porque o povo anotou.

O modelo de financiamento de campanha deve ser alterado?
Ninguém ignora que nós precisamos fazer uma reforma política porque o financiamento de campanha neste país é uma vergonha. Nós, magistrados, ignoramos isso? Não. Se é um problema generalizado, é um problema que conta com a conivência de todos, de toda a Nação, tanto que até hoje não se tomou nenhuma providência.

O STF vai ser julgado pela sociedade no julgamento do mensalão?
O STF está com muito cuidado neste julgamento do mensalão porque a Nação está olhando. Será um julgamento bastante técnico. Estamos no ápice da manifestação democrática do País. Alguns magistrados ainda não se aperceberam de que nós podemos ser julgados. É assim que acontece em qualquer democracia. A sociedade julga os serviços prestados por qualquer servidor público, e ministro é servidor público. Eu sou servidora pública. O STF está numa posição difícil, tem de prestar satisfação para os jurisdicionados. Ele tem um problema político por resolver, porque há realmente interesses políticos que estão em jogo. A Nação toda está mobilizada, com os olhos voltados para o Supremo. E a saída do Supremo é julgar tecnicamente.
(…) 

Por Reinaldo Azevedo

 

Supremo já usou depoimentos para condenar políticos. E com voto de Toffoli

Por Fernando Mello, na Folha:
Atacado por advogados de réus do mensalão e apontado como fragilidade da acusação, o uso de depoimentos pela Procuradoria-Geral serviu de prova para condenar dois políticos no STF. O primeiro caso é de 2011. A defesa do deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA) alegou inexistir “prova documental, por mais tênue que seja”, mas “meras alegações, conjecturas e contradições, produzidas em depoimentos direcionados, desprovidos, por si só, de suporte probatório”. O STF não aceitou as alegações e Bentes foi condenado a três anos em regime aberto, acusado de oferecer, em 2004, cirurgias de esterilização em troca de votos de mulheres. Só Marco Aurélio Mello votou pela absolvição.

O procurador-geral, Roberto Gurgel, reconheceu que não havia “prova direta” da participação de Bentes. “É que crimes dessa natureza são tramados entre quatro paredes. Ninguém dá recibo das fraudes perpetradas.” Porém, a Procuradoria argumentou ser impossível que Bentes não soubesse de nada, pois as cirurgias haviam sido ofertadas na ONG administrada por sua mulher e feitas por amigos dele. Para a Procuradoria, ele “coordenou a ação criminosa, embora não tenha executado diretamente”. Relator do caso, o ministro Dias Toffoli concordou. ”Formo minha convicção no sentido de que o conjunto dos depoimentos aponta nesse sentido, indicando que o réu foi o principal articulador desse estratagema”, afirmou.
(…)

Por Reinaldo Azevedo

 

TCU suspende votações que envolvem réus

Por Christiane Samarco, no Estadão:
O Tribunal de Contas da União (TCU) não votará nenhum processo que possa ser usado pela defesa ou pela acusação dos réus do mensalão, até que o Supremo Tribunal Federal (STF) encerre o julgamento que deve durar pelo menos dois meses.

A decisão foi tomada depois da polêmica votação que considerou regular um contrato milionário da DNA de Marcos Valério Fernandes de Souza com o Banco do Brasil, obrigando o TCU a fazer uma operação política de emergência, para livrar o tribunal do carimbo de corte que ajudou a defender mensaleiros.

Sob pressão, o TCU definiu que, em se tratando de mensalão, o melhor para preservar a imagem do tribunal é não se intrometer no julgamento do STF.

“Temos de ter toda cautela porque a política é muito dinâmica. Hoje pedem para matar e, amanhã, para salvar”, revela um ministro que pediu o anonimato.

Além do recurso que questiona a legalidade deste contrato da DNA e ainda pode interferir na defesa de dois réus do mensalão – o empresário Marcos Valério e o ex-diretor do BB Henrique Pizzolato -, estão em aberto quatro outras tomadas de contas que apontam supostas irregularidades em contratos de publicidade que também envolvem personagens do processo no STF.

A lista de pendências, todas em grau de recurso, inclui um contrato da SMPB de Marcos Valério com os Correios, outro da mesma empresa com o Ministério do Esporte, um terceiro do publicitário Duda Mendonça – outro réu do mensalão – com a Petrobrás e, por último, um de Duda com a Secretaria de Comunicação da Presidência.
(…)

Por Reinaldo Azevedo

 

O Brasil em marcha a ré 1 – Reportagem pró-cotas comete o crime técnico de comparar desempenho de negros da escola pública com o de brancos da escola privada. Ou: Ministro que teve cota-doutorado apoia lei aloprada

Fiquei distante de vocês uma boa parte do sábado e todo o domingo. Exigência das moças aqui: “Não no Dia dos Pais, né?”. Quando noto que o negócio é sério e que não há espaço pra negociação, obedeço e pronto! E aí os temas foram se acumulando. A vida é mais breve do que tudo o que está por ser feito, mas nem tão curta que não permita ao menos um pitaco, hehe. Eu sei que há alguns temas urgentes — como o julgamento do mensaleiros, por exemplo — e outros um pouco menos, como o caso das cotas sociais e raciais nas universidades federais. Só que este é, se querem saber, infinitamente mais grave. Dilma vai sancionar a absurda lei proposta originalmente pela deputada Eunice Lobão (PSD-MA)? Tudo indica que sim, ainda que isso seja uma clara violação da autonomia universitária. Pior: já começam a pipocar na imprensa reportagens e cruzamentos aloprados de dados que buscam justificar a medida.

Reportagem do Estadão deste domingo mergulhou fundo no absurdo — o mesmo Estadão que publicou um excelente editorial contra a proposta. Alguém poderá dizer que isso prova a independência da Redação. Nesse caso, a turma foi independente para comparar alhos com bugalhos — escolhendo, por óbvio, o bugalho. Estampou o jornal na página A23: “Aluno branco de escola privada tem nota 21% maior que negro da rede pública”. A reportagem mereceu chamada na primeira página. A íntegra do texto está aqui.

Qualquer pessoa de bom senso nota o despropósito logo de cara: compara-se o “aluno branco da escola privada” com o “aluno negro da escola pública”. Com a devida vênia, já há um crime técnico sendo cometido de saída. Não que a reportagem tente esconder os fatos dos leitores, não! Só que decidiu ficar com o joio e desprezar o trigo:
“Recorte inédito de dados de desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2010 nas capitais do País, além de confirmar a distância entre as notas médias dos estudantes de colégios particulares e os de escolas públicas, revela o abismo que separa estudantes brancos e negros das duas redes. Os números mostram que as notas tiradas pelos alunos brancos de escolas particulares no exame são, em média, 21% superiores às dos negros da rede pública – acima da diferença de 17% entre as notas gerais, independentemente da cor da pele, dos estudantes da rede privada e os da rede pública.”

Volto
Os números que a própria reportagem vai exibir demonstram, isto sim, um abismo entre alunos da escola pública e alunos da escola privada. E só! O texto é tão escandalosamente parcial que, embora redigido com o claro propósito de endossar a lei aprovada, fornece elementos que evidenciam seu absurdo. Informam Carlos Lordelo, Davi Lara, Ocimara Balmant e Paulo Saldanha, os autores — com o endosso do editor, é óbvio:
“(…) a nota média de negros que estudam em escola privada é 15% superior às dos negros da rede pública — próxima dos 17% entre todos os estudantes da rede particular e da rede pública.

Ora, se a diferença na nota média entre alunos da escola pública e privada é de 17% e se a de estudantes negros dos dois grupos é de 15%, qual é o elemento que faz a grande diferença? Não é a cor da pele, mas a qualidade da escola. Certo?

Também se lê na reportagem:
“Embora em menor dimensão, a variação de desempenho entre negros e brancos dentro da escola pública também é desvantajosa para o primeiro grupo. Na média, os brancos têm médias 3% maiores que os negros.”

Os coleguinhas me perdoem, mas o cruzamento que fizeram é tão escandalosamente parcial e editorializado que não se ocuparam nem mesmo de prestar atenção a seus próprios achados. Se a diferença entre negros da rede privada e da rede pública (15%) é muito próxima daquela existente entre o conjunto de estudantes de cada categoria (17%) e se a existente entre brancos e negros da escola pública (3%) é ínfima, parece que se está diante da evidência de que o problema não está na cor da pele, mas na qualidade de um ensino e de outro. Mais: é claro que fatores regionais têm peso definidor nessa diferença. Eles próprios informam:
“O negro de Belo Horizonte que estuda em escola pública, por exemplo, tem nota 12% superior à do negro da mesma rede em Manaus. As duas cidades têm os extremos de notas desse grupo: 521,03 e 463,85, respectivamente.”

Ora, os estados do Norte e do Nordeste, que, na média, concentram as piores escolas do país — o que não quer dizer que inexistam bolsões de excelência —, também são as regiões com o maior número de negros. A reportagem presta o grande desfavor de conferir um enfoque racialista a diferenças que são de outra ordem: mesmo medíocre (com exceções), a escola particular é muito melhor do que a pública, como fica evidente; a escola pública, por sua vez, é, em si, desigual. O que isso tudo tem a ver com a cor da pele? Diferença de 3% no desempenho entre brancos pobres e negros pobres — DITADAS, TUDO INDICA, POR DIFERENÇAS REGIONAIS E PELO PESO QUE OS NEGROS TÊM NA COMPOSIÇÃO DA POPULAÇÃO DOS ESTADOS QUE CONCENTRAM AS PIORES ESCOLAS — são agora justificativa para implementação de políticas de cotas?

Para os autores da reportagem, pelo visto, sim! A comparação, dadas as informações que se leem na própria reportagem, é um despropósito como há tempos eu não via. Reportagens, como sempre, ouvem “especialistas”. Esta também! Não há um só crítico da política de cotas. Apenas uma estudante negra se manifesta contra a medida, mas não descarta recorrer ao benefício.

Quem é negro?
A reportagem comete ainda outro pecado. Não diz de que negro está falando. Tudo indica que se está adotando o critério dos movimentos militantes. CONTRA O IBGE, O ESTADÃO INFORMA A SEUS LEITORES QUE 51% DA POPULAÇÃO DO PAÍS É NEGRA. ESTÁ LÁ, COM DESTAQUE. BEM, NÃO É VERDADE. EIS AQUI A COMPOSIÇÃO DO PAÍS SEGUNDO A COR DA PELE.

 

Como se vê, segundo o IBGE, o Brasil tem 7,61% de negros (E NÃO 51%), 43,13% de pardos (na maioria das vezes, filhos de brancos e negros), 47,73% de brancos, 1,09% de amarelos e 0,43% de indígenas. Essa especificação é importante porque a lei aprovada manda distribuir 50% das vagas das universidades e institutos federais seguindo a composição racial (como se cor de pele fosse raça) do estado em que está instalada a instituição. Para que se considere que o Brasil tem 51% de negros, é preciso chamar mestiço de negro. Como o critério do IBGE é a autodeclaração, pergunto aos companheiros jornalistas se eles se sentem autorizados a classificar de negros, por conta própria, quem se considera “pardo”. Ou, ainda, se o fato de entidades militantes dizerem que “pardo” é “negro” faz de um pardo um negro. Os últimos que reivindicaram o direito de decidir que cor tinha o outro foram os defensores do apartheid, na África do Sul — antes deles, os nazistas.

Caminhando para o encerramento
Dilma vai fazer a burrada de sancionar a lei da Dona Lobão? Tudo indica que sim! Como se nota, a militância em favor da proposta já chegou à imprensa. Publico de novo os dados sobre escola e alfabetização, divulgados pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM) e pela ONG Ação Educativa. Volto em seguida.

Vejam ali: em dez anos, dobrou o percentual de estudantes universitários que têm uma alfabetização apenas rudimentar. Esses 4% significam, em números, 254.800 pessoas. Saltou de 21% para 34% os que não são plenamente alfabetizados (2.420.600 estudantes). Observem o que se passa no ensino médio: só 35% são plenamente alfabetizados.

Os números desmentem a falácia de que a universidade consegue corrigir os problemas que o estudante carrega dos ensinos fundamental e médio. Na reportagem do Estadão, lá estão uma Poliana ou outra a afirmar que as diferenças são vencidas e coisa e tal. Não falta nem mesmo a acusação de uma estudante militante: as críticas ao sistema de cotas seria “racismo”. Essa gente não hesita em chamar a matemática de racista se isso lhes parecer conveniente.

Dada a escola pública miserável que temos nos ensinos fundamental e médio e dada a tragédia que já está em curso no ensino universitário, que conta com apenas 62% de alunos plenamente alfabetizados, é claro que outras deveriam ser as preocupações de Dilma e de seu ministro da Educação, Aloizio Mercadante. Mas não resistirão à demagogia. Faz sentido. O ministro é aquele que maquiava o próprio currículo se dizendo doutor. Flagrado no pulo, apresentou a sua tese na Unicamp, redigida no joelho: seu trabalho acadêmico consistiu em exaltar as glórias do governo Lula, com Delfim Netto fazendo chacota. Mas Mercadante fez de conta que não entendeu.

A Unicamp inaugurava a cota-doutorado para petista.

Por Reinaldo Azevedo

 

O Brasil em marcha a ré 2 – A obrigatoriedade do diploma de jornalista na Constituição contra a Constituição! Se passar, caberá ao STF, se provocado, declarar a sua inconstitucionalidade

O senado aprovou na semana passada, em segunda votação — e, mais uma vez, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) foi o único a se opor, a exemplo do que aconteceu com a lei aloprada das cotas —, a obrigatoriedade do diploma de jornalista, uma excrescência que foi derrubada pelo Supremo há dois anos. A proposta é do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), que atuou, ele que me perdoe a expressão, no papel de laranja de entidades sindicais, como a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), um aparelho do PT. Esses valentes jamais reagiram às várias investidas do partido para censurar a imprensa. Ao contrário: ofereceram-se para ser os executores do famigerado Conselho Federal de Jornalismo — que mal disfarçava a intenção de ser uma espécie de polícia ideológica da profissão. Quando o governo tentou impor mecanismos de censura no tal Plano Nacional (Socialista) de Direitos Humanos, os fenajentos se calaram de novo. Mais do que isso: eles apoiaram a proposta!

O texto segue agora para a Câmara e se tentam lá alguns truques para que tenha curta tramitação e seja aprovado sem nem o concurso dos deputados, numa daquelas conspiratas de cúpula. Antes que algum tonto rosne, informo: eu tenho diploma — de uma inutilidade estonteante. As aulas que tive de latim sempre me foram mais úteis. Aprendi mais lendo as Catilinárias, de Cícero, do que ouvindo um barbudinho rancoroso, incapaz de fazer um lead, explicando como funciona a “imprensa burguesa” sem nunca ter colocado os pés (para não dizer as mãos!) na… imprensa burguesa! Há cursos bons? Desconheço, mas sempre é possível! Que continuem! Nunca ninguém falou em proibi-los, o que seria absurdo.

Valadares apresentou uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional). Imaginem o ridículo: o jornalismo seria a única profissão com regulamentação garantida na Carta Magna do país! É um escárnio. Pior: em 2006, o Supremo havia concedido uma liminar contra a obrigatoriedade. No dia 17 de junho de 2009, o pleno votou o mérito da questão: por 8 votos a 1 — Marco Aurélio Mello, que tem origem na Justiça do Trabalho, foi o único divergente —, decidiu que a exigência do diploma fere o exercício amplo da liberdade de expressão. Ou por outra: fere o Artigo 5º da Constituição, uma cláusula pétrea. O relator foi o então presidente da Casa, Gilmar Mendes.

Notem bem: os outros sete ministros que votaram com Mendes acataram a sua argumentação: a obrigatoriedade do diploma fere um direito constitucional que não pode ser revogado nem por uma PEC. O Congresso é livre para querer o que bem entender, desde que não fira a Constituição. Se aprovada a emenda também na Câmara, restará recorrer ao Supremo com uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade). Infelizmente, indivíduos não podem fazê-lo, segundo estabelece o Artigo 103 da Constituição (que segue abaixo). Pudesse, eu teria imenso prazer em encaminhar o pleito:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV – a Mesa de Assembleia Legislativa;
V – o Governador de Estado;
IV – a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI – o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Encerro
Por que a Fenaj e o sindicalismo petista fazem tanta questão da obrigatoriedade do diploma? Porque acreditam que, assim, pode manter, vamos dizer, o controle ideológico dos profissionais de imprensa, já que a petezada domina as universidades e transforma os cursos de comunicação em verdadeiras madraçais do partido.

Caso essa maluquice prospere, vamos ver se a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), a ANJ (Associação Nacional de Jornais) e a ANER (Associação Nacional de Editores de Revistas) terão coragem de peitar os dinossauros. Do jeito que anda a covardia em Banânia, cumpre ficar especialmente atento.

Por Reinaldo Azevedo

 

Mensalão – Tio Rei leu a lei e dá fé: “Não! Decisão do Supremo não pode ser reexaminada, não! Não cabe “embargo infringente”. Ou me digam onde isso está escrito! Vamos debater!

Ai, ai, lá vou eu me meter na seara espinhosa dos advogados, a essa hora da madrugada, e sem aquele meu amigo criminalista — que discorda de mim às vezes — do outro lado da linha. Está dormindo, como toda gente normal, hehe…  É pena! Vou sozinho! Então Tio Rei vai ousar, sabe cumé?, por uma simples razão: as palavras fazem sentido! E, se fazem, então peço vênia aos doutores. Quando menos, a gente faz um bom debate. Fiquem de olho! Estão imaginando chicanas e fazendo mexericos de todos os tipos para livrar a cara dos mensaleiros. Como a imprensa tem a terra roxa, fértil mesmo!, nasce de tudo: coisa boa e também ervas daninhas — e os plantadores estão por aí. A manobra da hora agora atende pelo nome de “embargos infringentes”, nessa língua estranha do juridiquês. Está, com efeito, no Artigo 333 do Regimento Interno do STF. O que se lê lá?

“Art. 333. Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma:
(…)
Parágrafo único. O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta.”

Mas que diabo é esse “embargo infringente”? Havendo, então, segundo o Regimento Interno, ao menos quatro votos divergentes — quatro, por exemplo, inocentando um mensaleiro —, a defesa poderia pedir aos ministros um reexame do caso.

Qual é o ponto?
A esta altura, o petralha está nervoso. O petralha dirceuzista ainda mais. “Vamos ver como esse Reinaldo aí vai tentar jogar no lixo o “Regimento Interno”… Não vou, não! O Regimento continue lá, mas, lamento, o seu Artigo 333 já era!!! A menos que alguém vá defender que um Regimento Interno possa se sobrepor a uma lei. Que lei?

Lei 8.038. A íntegra está aí, gente boa! Ela disciplina justamente os julgamentos nos tribunais superiores — também no STF. E não trata de “embargos infringentes” — vale dizer: da possibilidade de haver um reexame da decisão da maioria. Essa lei é de 1990. Na prática, lamento pelos mensaleiros (parece que eles têm certeza de ao menos quatro votos!), ela revogou o Artigo 333. Os advogados de defesa até podem vir com essa história. Suponho que os ministros do Supremo, responsáveis que são, dirão o óbvio: um artigo de um regimento interno, mesmo do Supremo, não pode mais do que a lei.

Ainda bem, não é? Imaginem vocês: o Congresso Brasileiro representa o povo brasileiro. Pode dar na veneta, e já aconteceu, de aprovar leis — ou mesmo Emenda Constitucional — que colidam com a Constituição (a obrigatoriedade do diploma de jornalista, por exemplo ). Certo! Por meros seis votos, o tribunal dá um sinal vermelho: “Não pode!”. Para condenar um mensaleiro, então, seriam necessários ao menos oito? Por quê?

Ainda bem que a Lei 8.038, entende este modesto leitor da língua portuguesa (que não encontrou lá o dispositivo; o texto trata do assunto, mas referindo-se a uma nova redação do Código de Processo Civil; é outro assunto), revogou, na prática, o Artigo 333. É claro que se tem uma chicana no horizonte, não é? Digamos que Cezar Peluso consiga votar e condene este ou aquele. Em seguida, deixará o tribunal, depois de acompanhar por anos o processo. Como ficaria, nesse caso, o reexame? Mas notem: não estou querendo um casuísmo, não! Estou justamente dizendo que a revisão que se pretende é que seria casuística e ilegal.

O tribunal só pode julgar segundo o que estabelece a lei. E a Lei 8.038 simplesmente não prevê esse expediente. Como o Regimento Interno não pode mais do que ela, causa finita est.

Sei que virá um monte gente tentando me esculhambar, perguntando, com fazem alguns, onde estudei direito. Aqui em casa, ué! Mas sei ler já faz um bom tempo. Das outras chicanas possíveis, trato mais tarde. Ao debate!

Por Reinaldo Azevedo

 

Especialista em direito escreve longo artigo em site sobre direito e conclui: “Não cabem embargos infringentes no Supremo”. Não é que este leigo até que mandou bem???

Taí! Até que eu mando bem, hehe. O Consultor Jurídico publica hoje um artigo de Lenio Luiz Streck demonstrando que não cabem embargos infringentes no Supremo — logo, nem no caso do mensalão. E qual é o ponto? O mesmo que observei aqui nesta manhã: a Lei 8.038. Eu não sou da área, mas Streck é procurador de Justiça do Rio Grande do Sul, com pós-doutorado em direito.

A argumentação dele, obviamente, é bem mais técnica e detalhada do que a minha. Embora fale para gente da área, num site voltado para questões de direito, seu texto é claro. E traz argumentos adicionais.
a) Ele cita vários pronunciamentos de ministros do Supremo deixando claro o óbvio: se a lei colide com o regimento interno, vale a lei;
b) Streck lembra que o Supremo já considerou revogado um artigo do seu regimento, o 331, justamente em razão de uma lei.

Segue o artigo de Streck. Saibam os leigos, como sou, que minha objeção, como se vê, faz sentido. Os especialistas, contrários ou favoráveis à tese, têm aí argumentos mais técnicos. De todo modo, insisto: as palavras fazem sentido.

“Não cabem embargos infringentes no Supremo”

Perguntas e respostas
Não há respostas antes das perguntas. Trata-se de uma máxima da hermenêutica. Por isso, a resposta antecipada acerca do cabimento dos embargos infringentes em ação penal originária no âmbito do Supremo Tribunal Federal parecia esgotar a matéria. Assim, quando a Folha de S.Paulo trouxe a afirmação de que, em caso de condenação dos acusados na AP 470 (mensalão), estes ingressarão com o Recurso denominado “embargos infringentes”, com base no Regimento Interno do STF, por pouco não sucumbi à tese.

Desse modo, segui outra máxima da hermenêutica, que é a de desconfiar de qualquer certeza. Não há jogo jogado. Se, como acredito, há sempre uma resposta adequada a Constituição — o que implica dizer que há respostas mais corretas que outras ou, até mesmo, uma correta e outra incorreta – a obrigação é a de revolver o chão linguístico que sustenta uma determinada tradição e, a partir dali, reconstruir a história institucional do instituto. É esse o trabalho a ser feito. Ao mesmo tempo, advirto que estou levantando a questão por amor ao debate e a Constituição, no mesmo espírito que moveu o estimado e ilustre Luiz Flávio Gomes a trazer à colação a possibilidade de nulidade do julgamento em face de precedente da Corte Interamericana (leia aqui). Não vou discutir, agora, a tese de Luiz Flávio. Pretendo, neste momento, (re)discutir os embargos infringentes.

Com efeito, escrevi, recentemente, no artigo O STF e o Pomo de Ouro (ler aqui), que é necessário que sejamos um tanto quanto ortodoxos em matéria constitucional. E é exatamente por isso que trago à baila o debate acerca do cabimento (ou não) dos embargos infringentes no caso de julgamento definitivo do STF como instância originária.

O RISTF
Corro para explicar. O RISTF, anterior a Constituição de 1988, estabelece, no artigo 333, o cabimento de embargos infringentes nos casos de procedência de ação penal, desde que haja quatro votos favoráveis à tese vencida. Em síntese, é o que diz o RISTF. Simples. Fácil de entender.

Mas, então, qual é o problema? Há algo de intrigante nisso? Aparentemente, a questão estaria resolvida pela posição que o STF assumiu no julgamento do (AI 727.503-AgR-ED-EDv-AgR-ED,assim ementado:

“Não se mostram suscetíveis de conhecimento os embargos de divergência nos casos em que aquele que deles se utiliza descumpre a determinação contida no art. 331 do RISTF. A utilização dos embargos de divergência impõe que o embargante demonstre, cabalmente, a existência de dissídio interpretativo, expondo, de modo fundamentado, as circunstâncias que identificam ou que tornam assemelhados os casos em confronto, para fins de verificação da relação de pertinência que deve necessariamente existir entre o tema versado no acórdão embargado e a controvérsia veiculada nos paradigmas de confronto. (…) O STF, sob a égide da Carta Política de 1969 (art. 119, § 3º, c), dispunha de competência normativa primária para, em sede meramente regimental, formular normas de direito processual concernentes ao processo e ao julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal. Com a superveniência da Constituição de 1988, operou-se a recepção de tais preceitos regimentais, que passaram a ostentar força e eficácia de norma legal (RTJ 147/1010 – RTJ 151/278), revestindo-se, por isso mesmo, de plena legitimidade constitucional a exigência de pertinente confronto analítico entre os acórdãos postos em cotejo (RISTF, art. 331).” (AI 727.503-AgR-ED-EDv-AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-11-2011, Plenário,DJE de 6-12-2011.)

No caso objeto do referido AI 727.503 – AgR-ED-EDv-AgR-ED, disse o STF que as normas regimentais de direito processual, produzidas sob a égide da Constituição anterior (1967-1969), foram recepcionadas pela atual Constituição (Art. 96. Compete privativamente: I – aos tribunais: a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos). Pronto. Isso encerraria a discussão. Afinal, o art. 333 do RISTF que estabelece o “recurso” dos embargos infringentes, quando existirem quatro votos favoráveis ao réu, valeria como norma processual.

Tão simples, assim?
Penso, no entanto, que a questão não é tão singela. A decisão do STF se referiu a um caso determinado. Não tratava de embargos infringentes (art. 333 do RISTF). E a assertiva da recepção tem limites, porque deve ser lida no sentido de que “essa recepção não se sustenta quando o legislador pós-Constituição de 1988 estabelece legislação que trata a matéria de forma diferente daquela tratada no Regimento Interno”. Caso contrário, o Regimento Interno estaria blindado a qualquer alteração legislativa ou ainda se correria o risco de conferir ao STF o mesmo poder legiferante que possui a União, uma vez que ele estaria autorizado a legislar sobre matéria processual contrariando, assim, o que dispõe o inc. I do art. 22 da CF.

Aliás, esse Acórdão do STF deve ser lido em conjunto com outros do mesmo Supremo. Por exemplo, “O espaço normativo dos regimentos internos dos tribunais é expressão da garantia constitucional de sua autonomia orgânico-administrativa (art. 96, I, a, CF/1988), compreensiva da ‘independência na estruturação e funcionamento de seus órgãos’.” (MS 28.447, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 25-8-2011, Plenário, DJE de 23-11-2011.) Vide: ADI 1.152-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-11-1994, Plenário, DJ de 3-2-1995.

Ainda:

“Com o advento da CF de 1988, delimitou-se, de forma mais criteriosa, o campo de regulamentação das leis e o dos regimentos internos dos tribunais, cabendo a estes últimos o respeito à reserva de lei federal para a edição de regras de natureza processual (CF, art. 22, I), bem como às garantias processuais das partes, ‘dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos’ (CF, art. 96, I, a). São normas de direito processual as relativas às garantias do contraditório, do devido processo legal, dos poderes, direitos e ônus que constituem a relação processual, como também as normas que regulem os atos destinados a realizar a causa finalis da jurisdição. (…) (ADI 2.970, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 20-4-2006, Plenário, DJde 12-5-2006.)

Ou, talvez

“Em matéria processual prevalece a lei, no que tange ao funcionamento dos tribunais o regimento interno prepondera. Constituição, art. 5º, LIV e LV, e 96, I, a. Relevância jurídica da questão: precedente do STF e resolução do Senado Federal. Razoabilidade da suspensão cautelar de norma que alterou a ordem dos julgamentos, que é deferida até o julgamento da ação direta.” (ADI 1.105-MC, Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento em 3-8-1994, Plenário, DJ de 27-4-2001.)

Ou

“Portanto, em face da atual Carta Magna, os tribunais têm amplo poder de dispor, em seus regimentos internos, sobre a competência de seus órgãos jurisdicionais, desde que respeitadas as regras de processo e os direitos processuais das partes.” (HC 74.190, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 15-10-1996, Primeira Turma, DJ de 7-3-1997.)

Veja-se: desde que respeitadas as regras de processo…!

Não se interpreta por partes. Em termos hermenêuticos, vai-se do todo para a parte e da parte para o todo, formando-se, assim, o hermeneutische Zirkel (círculo hermenêutico). Texto é contexto. O RISTF só existe no contexto do campo significativo que emana da Constituição. Nesse sentido, parece que a pá de cal na discussão pode estar na quase desconhecida ADI 1289, pela qual o STF entendeu o cabimento de embargos infringentes em ação direta de inconstitucionalidade.

RISTF v. Leis
Qual era o case nessa ADI 1289? Tratava-se de uma ADI ajuizada antes da entrada em vigor da Lei 9.868/99. Mas qual é a importância disso? Ai é que está. O STF (ADI 1591) admitia a interposição de embargos infringentes em ADI até o advento da Lei 9.868. Como essa lei não previu a hipótese de embargos infringentes, o STF passou a não mais os admitir. Só admitiu embargos infringentes – como é o caso da ADI 1289 – nas hipóteses que diziam respeito ao espaço temporal anterior à Lei 9.868.

Assim, é possível dizer que, nesse contexto, se o STF considerou não recepcionado (ou revogado) o RI (no caso, o art. 331) pelo advento de Lei que não previu esse recurso (a Lei 9.868), parece absolutamente razoável e adequado hermeneuticamente concluir que o advento da Lei 8.038, na especificidade, revogou o art. 333 do RISTF, que trata de embargos infringentes em ação penal originária (na verdade, o art. 333 não trata de ação penal originária; trata a matéria de embargos infringentes de forma genérica, mais uma razão, portanto, para a primazia da Lei 8.038, que é lei específica). É o que se pode denominar de força pervasiva do comando constitucional previsto no art. 96, I, a, na sua combinação com o art. 22 da CF. Veja-se: um limita o outro. Se é verdade que se pode afirmar – como fez o STF – que normas processuais previstas em regimento interno são recepcionadas pela CF/88, também é verdade que qualquer norma processual desse jaez não resiste a um comando normativo infraconstitucional originário da Constituição de 1988. Isto porque, a partir da CF/88, um regimento interno não pode contemplar matéria estritamente processual. Ora, a Lei 8.038 foi elaborada exatamente para regular o processo das ações penais originárias. Logo, não há como sustentar, hermeneuticamente, a sobrevivência de um dispositivo do RISTF que trata da matéria de modo diferente.

Easy ou Hard Case?
Percebe-se, desse modo, que não estamos em face de um easy case, embora, na esteira de Dworkin e Castanheira Neves, não acredite na dicotomia easy-hard cases. Na verdade, o que determina a complexidade do caso é a relação circular que se estabelece entre a situação hermenêutica do intérprete e as circunstâncias que determinam o caso. Trata-se de uma questão de fusão de horizontes (Gadamer). Um dado caso pode parecer fácil porque o intérprete incauto se deixa levar logo pelos primeiros projetos de sentido que se instalam no processo interpretativo. Não há suspensão de prejuízos tampouco um ajuste hermenêutico com a coisa mesma (die Sache selbst). Assim, as diversas nuances e cores que conformam o caso escapam à compreensão d interprete e seu projeto interpretativo, inevitavelmente, fracassa. Por outro lado, por razões similares, um determinado caso pode se mostrar difícil em face da precariedade da situação hermenêutica do intérprete.

Sigo. Nenhum dos acórdãos do STF até hoje enfrentou questão envolvendo diretamente a superveniência da Lei nº 8.038/1990, que, efetivamente – e isso parece incontestável -, estabeleceu a processualística aplicável às ações penais originárias. E, acreditem, nem de longe estabeleceu o “recurso” dos embargos infringentes. Isto é, não há julgamento tratando da antinomia RISTF-Lei 8.038. No máximo, o que existe é menção, em obiter dictum, de que, em determinado caso, não seria caso de embargos infringentes (v.g., SS 79.788-ED, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 1.2.2002).

Portanto, não estaríamos, neste caso, em face de um impasse hermenêutico? Indago: embora o STF diga – em um determinado caso que não é similar ao que estamos tratando – que as normas processuais estão recepcionadas, essa posição se manterá quando se colocar a pergunta: pode o RISTF sobreviver a uma Lei Ordinária, que, na sua especialidade (leia-se essa palavra no sentido técnico), veio para regulamentar a Constituição de 1988?

O papel do RISTF
Qual é o papel do RI do STF? Pode ele dizer mais do que a lei que regulamenta a Constituição? Pode um dispositivo do RI instituir um “recurso processual” que a lei ignorou/desconheceu? Sabe-se que o RI é “lei material”. Entretanto, não pode o RI tratar especificamente de “processo”.[1] Caso contrário, não precisaríamos sequer de uma reforma do CPC ou do CPP: o STF poderia tratar de tudo isso em seu Regimento Interno… Em outros termos, tornaríamos sem eficácia o inciso I do art. 22 da CF.

Mais: é possível admitir a sobrevivência (recepção?) de um dispositivo do Regimento Interno que vem do ancién régime, destinado, exatamente, a proporcionar, em “casos de então”, um reexame da matéria pelos mesmos Ministros, quando, por exemplo, era possível a convocação de membros do Tribunal Federal de Recursos? Hoje qualquer convocação de membros de outras Cortes é vedada. Logo, em face de tais alterações, já não estaríamos em face de um “recurso de embargos infringentes”, mas, sim, apenas em face de um “pedido de reconsideração”, incabível na espécie.

Como se vê, existem vários elementos complicadores à tese do cabimento de embargos infringentes em ação penal originária junto ao STF. Esses embargos infringentes previstos apenas no RISTF e que foram ignorados pela Lei 8.038, parecem esvaziados da característica de recurso. Tudo está a indicar que, o que possui efetivamente tal característica, é a figura dos embargos infringentes previstos no segundo grau de jurisdição, que são julgados, além dos membros do órgão fracionário, por mais um conjunto de julgadores que são, no mínimo, o dobro da composição originária.

Outro ponto intrigante e que reforça o hard case diz respeito ao seguinte ponto: pelo RISTF, a previsão dos embargos infringentes cabíveis da própria decisão do Órgão Pleno do STF necessita de quatro votos. E por que não cinco? E por que não apenas três? Quem sabe, dois? Ou apenas um voto discrepante? Por outro lado, seria (ou é) coerente (no sentido dworkiniano da palavra) que, em uma democracia, uma Suprema Corte – que, no caso, funciona como Tribunal Constitucional – desconfie de seus próprios votos? Não seria uma capitis diminutio pensar que o mesmo Ministro – vitalício, independente – que proferiu voto em julgamento em que podia, a todo o momento, fazer apartes, dar-se conta de que, ao fim e ao cabo, equivocou-se? Ou seja: um Ministro condena um cidadão que tinha direito a foro especial (privilegiado) e, depois, sem novas provas, dá-se conta de que “se equivocou”…

O risco do paradoxo
Mas, o conjunto de indagações não para por aqui. Pensemos na seguinte questão: para uma declaração de inconstitucionalidade – questão fulcral e maior em um regime democrático – são necessários seis votos para o desiderato de nulificação (de um ato normativo). Pois é. Mas, em matéria criminal, sete votos não seriam suficientes para uma condenação… (considerando que quatro Ministros votem pela absolvição). Indo mais longe: também seis votos (maioria absoluta), pelo RISTF, não são suficientes para colocar fim à discussão penal… Com isso, chega-se ao seguinte paradoxo: no Brasil, é possível anular uma lei do parlamento e até emenda constitucional com seis votos da Suprema Corte. Entretanto, não é possível tornar definitiva uma decisão que dá procedência a uma ação penal originária. Isto porque, segundo o RISTF, havendo no mínimo quatro votos discrepantes, cabe “recurso por embargos infringentes”.

Ora, no caso do processo civil, além de toda a teoria exposta, a resolução torna-se ainda mais simples, uma vez que há dispositivo legal que explicita a questão (não parece que seria realmente necessário), especificamente o artigo 1.214, que fala que “Adaptar-se-ão às disposições deste Código as resoluções sobre organização judiciária e os regimentos internos dos tribunais”.

Assim, parece interessante que examinemos essa problemática. Desde o caso Marbury v. Madison,tem-se a tese da rigidez Constitucional. Isso quer dizer que não é qualquer legislação que pode alterar a Constituição. E tampouco leis ordinárias podem ser alteradas por Regimentos Internos. Por isso, já que a questão das “lendas urbanas” está se proliferando – e digo isso com todo o carinho, até porque essas discussões fazem com que todos possam crescer -, lanço minhas dúvidas sobre esse hard case (cabem mesmo embargos infringentes nos processos criminais de competência originária, na medida em que a Lei que regulamentou a processualística – 8.038 – não tratou da espécie?).

Minhas reflexões são de índole constitucional-principiológica. Sempre escrevi que os julgamentos devem ser por princípio e não por políticas. Ou seja, julgamentos judiciais não podem estar baseados na subjetividade plenipotenciária do intérprete, tampouco no interesse de grupos ou ideologias. Julgamentos devem se fundamentar em princípio e sempre devem traduzir uma interpretação que apresente o melhor sentido para as práticas jurídicas da comunidade política. E, portanto, não devem ser ad-hoc. Isso quer dizer que o STF deverá, em preliminar, examinar a antinomia infraconstitucional e constitucional da equação “RISTF-Lei 8.038-CF/88”. Para o processo do “mensalão” e para os casos futuros. O STF terá que dizer se o seu RI vale mais do que a Lei nº 8.038/1990. Se sim, muito bem, legitima-se qualquer “recurso de embargos infringentes”; se não, parece que o veredicto do plenário será definitivo. Eis o hard case para descascar.

PS: não parece ser um bom argumento dizer que os embargos infringentes se mantêm em face do “princípio” (sic) do duplo grau de jurisdição, isto é, na medida em que um acusado detenha foro privilegiado e, portanto, seja julgado em única instância, isso faria com que o sistema teria que lhe proporcionar uma espécie de “outra instância” (sic). Com a devida vênia, esse argumento é meramente circunstancial e não tem guarida constitucional. O foro privilegiado acarreta julgamento sempre por um amplo colegiado, que é efetivamente o juiz natural da lide. Há garantia maior em uma República do que ser julgado pelo Tribunal Maior, em sua composição plena? Não é para ele, o STF, que fluem todos os recursos extremos? Um acusado “patuleu” tem duplo grau porque é julgado por juiz singular; um acusado “não-patuleu” (com foro no STF) não tem o duplo grau exatamente porque é julgado pelo colegiado mais qualificado na nação: o STF, em full bench. E não parece ser pouca coisa, pois não?

[1].Como bem dizem Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery, cabem aos Regimentos Internos “o respeito à reserva de lei federal para a edição de regras de natureza processual (CF 22,I), bem como ‘as garantias processuais das partes “dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos’. São normas de direito processual às relativas às garantias do contraditório, do devido processo legal, dos poderes, direitos e ônus que constituem a relação processual, como também as normas que regulem os atos destinados a realizar a causa finalis da jurisdição.”(Cf. Constituição Federal Comentada, SP, RT, p. 465).

Por Reinaldo Azevedo

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Blog Reinaldo Azevedo (VEJA)

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