Indústria de biodiesel do Brasil sofre com pandemia, é pressionada a mudar contratos
Por Marta Nogueira
RIO DE JANEIRO (Reuters) - Produtores de biodiesel do Brasil avaliam negociar alguma flexibilização nos próximos contratos para a venda do produto, mas pedem que o leilão para entrega no bimestre maio e junho, suspenso pela agência reguladora ANP na segunda-feira, seja realizado ainda na próxima semana, para que haja tempo hábil para a entrega de encomendas.
O adiamento do leilão ocorreu diante de pedidos de mudanças em regras em meio a incertezas relacionadas à demanda para os próximos meses, devido à pandemia do novo coronavírus, que reduziu o consumo de diesel --que passou a ter em sua composição comercial, a partir de março, um percentual obrigatório de 12% de biodiesel, combustível feito majoritariamente a partir de óleo de soja no país.
Em março, por exemplo, as retiradas das distribuidoras foram de 90,2% do previsto no leilão para o bimestre março/abril e algumas distribuidoras estão alegando "força maior" para não pagarem as multas pelo não cumprimento da retirada mínima de 95%, conforme consta do contrato.
"O leilão foi adiado para que se procure um meio termo de modo que os riscos possam ser divididos e não comprometam só uma das partes", afirmou a Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), em nota.
Segundo a associação, as distribuidoras solicitaram que o certame fosse adiado por três semanas, para 27 de abril, o que não seria possível, já que as entregas referentes à concorrência precisam ter início em 1º de maio, "gerando possibilidade desabastecimento", segundo produtores de biodiesel.
A alegação dos distribuidores, de acordo com a Aprobio, é que não há como prever, nesse momento, o consumo para maio e junho.
Erasmo Battistella, presidente da Aprobio, no entanto, discorda da afirmação.
"Todos estamos sofrendo, mas o mercado que menos perdeu foi o de diesel em função da participação dos caminhões na movimentação das atividades essenciais. Acreditamos que também será o primeiro a se recuperar quando, a partir de maio, as atividades serão progressivamente reativadas", afirmou.
"Por isso esperamos que o desempenho do próximo leilão seja equivalente ao do anterior, considerando uma possibilidade de flexibilização da retirada mínima contratada em abril, mas mantendo todas as cláusulas do sistema e do cronograma do RenovaBio", concluiu.
Nesse cenário, a Aprobio sugeriu ao governo que a cláusula de retirada mínima, atualmente de 95% do volume contratado, fosse reduzida para 90% no próximo leilão, o que daria mais conforto para as distribuidoras e previsibilidade para os produtores.
"Essa cláusula nós, setor produtivo, podemos dar uma flexibilidade um pouco maior para a distribuidora e assim a gente caminha junto. Um elo da cadeia cede um pouco, outro elo cede outro pouco, e a gente avança para superar esse grande desafio", afirmou Battistella.
A proposta de flexibilização da Aprobio, no entanto, é muito mais conservadora do que a proposta pelas distribuidoras. Em nota, a associação apontou que as clientes solicitaram que a cláusula de retirada mínima não fosse válida.
Tal medida, observou a associação, "transfere os riscos para os produtores de biodiesel, que são obrigados a disponibilizar os volumes adquiridos, mas, caso não haja as retiradas por parte dos distribuidores, devem arcar com o acordado com seus fornecedores sem nenhuma compensação".
Em nota, a União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio) também ressaltou que condições excepcionais sejam consideradas apenas para esse leilão, afastando "radicalmente" a possibilidade de um leilão complementar, o que a associação acredita que desestabilizaria todo o processo.
"É imprescindível que o L72 (próximo leilão) prossiga na próxima semana, já considerando as circunstâncias atuais", afirmou.
"Também consideramos importante o entendimento de que todos os agentes que participarão do certame --tanto produtores como distribuidoras-- estão conscientes das influências que as ações para conter a pandemia tiveram e terão sobre o mercado no próximo bimestre."
Uma pesquisa de associação de transportadores divulgada nesta terça-feira apontou que houve uma queda de cerca de 40% na demanda por transporte rodoviário de cargas, feito majoritariamente por caminhões, que usam diesel.
Contudo, há indicações de que o consumo de diesel efetivamente caiu menos do que outros combustíveis, conforme citou o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, em entrevista recente.
Não foi possível obter imediatamente uma resposta das principais distribuidoras e da associação que as representa. O setor de etanol, assim como o de biodiesel, relatou na semana passada ter sofrido com declarações de força maior para a não retirada do produto nos níveis contratados pelas principais distribuidoras.
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