Lula em visita ao Mercosul: Agro monitora se terá mais parceiros ou concorrentes intensificados
As viagens de Lula à Argentina e ao Uruguai nesta semana atraíram as atenções do agronegócio brasileiro. As primeiras agendas internacionais do presidente da República dão sinalizações importantes sobre o papel que o o Brasil deverá ter nesta retomada como financiador de um projeto de da grande pátria na América do Sul.
Na Argentina, pompa e circunstância ao ser recebido pelo amigo Alberto Fernández. Lula chegou a elogiar a economia argentina, afirmando que o país teria encerrado 2022 "em situação privilegiada", mas o ambiente econômico do fim do ano passado era de uma inflação de 94,8%.
No Uruguai, alfinetadas pertinentes e cobranças relevantes de Lacalle Pou, um atual - e importante - ponto fora da curva no cenário latino-americano que se configura agora. "Não é preciso ser de esquerda para defender a democracia", disse o líder uruguaio, representante da centro-direita do país.
Quais serão os impactos destas visitas e dos desdobramentos delas para o agronegócio brasileiro? Efetivamente, levará mais tempo para que tudo seja completamente entendido, principalmente porque, frente a um Mercosul carente de modernização, o Uruguai já vinha costurando há dois anos um acordo de livre comércio com a China, além de um outro com a Nova Zelândia e outro com a Parceria Transpacífica - que contabiliza doze economias da Ásia - e pode provocar abalos consideráveis.
"A Argentina tem demorado décadas para fazer novos acordos com a China, com a União Europeia e o Uruguai decidiu ir na frente. Só que o Mercosul é uma união aduaneira e, em uma união aduaneira não se pode fazer avançar sozinha, podendo descaracterizar o bloco", explica o economista especialista em economia internacional e professor do Insper, Roberto Dumas Damas.
E no atual quadro político, o professor ainda faz mais um alerta. "Achar que a China vai fechar um acordo de livre comércio com o Paraguai considerando Taiwan como um país independente, acho difícil".
Com esse movimento, Lula chegou ao país de Lacalle Pou com o objetivo de fazê-lo desistir de tais acordos e lhe prometeu um avanço das tratativas do Mercosul tanto com a nação asiática, quanto com o bloco europeu. Afinal, a pauta preocupou também o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, que afirmou que um acordo firmado entre o Uruguai e a segunda maior economia do mundo poderiam destruir o Mercosul.
Atualmente, a produção agropecuária representa 12% do PIB (Produto Interno Bruto) do Uruguai e 70% de suas exportações. Além disso, uma parte considerável das indústrias locais estão relacionadas à agroindústria, sendo o couro um dos destaques. O país sul-americano é ainda o sétimo maior exportador global de soja.
"Isso (um acordo direto do Uruguai com a China) não ajudaria em nenhum momento o Mercosul. Mas o Uruguai é um dos maiores exportadores de carne e couro, o que não ajudaria também nossas exportações. Acho muito difícil o Lula dirimir a ideia do Uruguai de fazer esse acordo de livre comércio. O Mercosul desde 1991 não se mexe, a Argentina tem um medo danado da competitividade da indústria frente aos acordos comerciais. E os acordos comerciais que o Mercosul faz por conta da Argentina são completamente pífios e isso leva o Brasil à derrocada", complementa Dumas Damas.
A China é o maior parceiro comercial do Brasil e a União Europeia também ocupa um papel importante nos negócios promovidos pelo agronegócio nacional. Assim, os próximos passos dos vizinhos sul-americanos estão - e têm de estar - no radar do setor, que vem trabalhando para ampliar e diferenciar suas relações internacionais. Nos últimos quatro anos, o Ministério da Agricultura promoveu a abertura de mais de 200 novos mercados para os produtos do Brasil. Ameaçar tais conquistas poderia, de fato, trazer prejuízos consideráveis.
A Argentina, sob o comando não só de Alberto Fernández mas também de Cristina Kirchner segue mergulhada em uma profunda crise política e econômica, com menos receita vinda, inclusive, da produção agropecuária dada uma das piores secas em 60 anos no país. Os desafios são muitos, o sentimento de desalento do produtor argentino é grave e o desestímulo do governo ao setor é visível. Todavia, como pontua o professor da ESPM, Leonardo Trevisan, especialista em relações internacionais, novas eleições presidenciais acontecem no país em setembro e há muito em jogo até lá.
"Estamos há nove meses de eleições presidenciais e ainda não sabemos quem será o candidato da situção e nem da oposição! Mas sabemos que Fernández deve se candidatar à reeleição, e a visita de Lula a Argentina lhe deu mais mídia, mais espaço e um importante apoio político que foram muito bem-vindos agora", explica Trevisan.
Entretanto, o presidente brasileiro terá de usar e abusar de sua experiência política para atender às promessas que fez a Lacalle Pou ao mesmo tempo em que dá assistência a todo apoio e amizade - como frisaram em todos os seus discursos - com Fernández, ainda como detalha o professor da ESPM.
E ele complementa sua análise dizendo que há ainda a preocupação e o alerta aceso para Lula de que grandes e importantes oportunidades de negócios e investimentos externos na medida em que os acordos do Uruguai avancem.
MOEDA ÚNICA: PODE HAVER OU NÃO?
Trevisan explica que o termo acadêmico para o que estaria sendo discutido entre os chefes de estado do Brasil e da Argentina para a criação da chamada "sur" é moeda de veículo. E trata-se de uma ideia antiga, tendo surgido junto do Mercosul, quando foi criado em 1991. Mas reforça, mais uma vez, que o ambiente político para isto é completamente desfavorável, além da América do Sul carregar disparidades econômicas gigantes para dar andamento a algo assim.
Caso caminhe, levaria anos para ser bem costurado, sem tantas brechas e fragilidades, a exemplo do euro para a União Europeia. No centro das discussões está o que dá origem aos problemas que é o déficit fiscal e a fragilidade de algumas economias na região - como a Argentina, em especial - que agrava o prognóstico.
Essa 'moeda de veículo' é como uma moeda digital, que facilita as transações comerciais e financeiras entre duas nações, sem estar atrelada às oscilações do dólar. O modelo já está em curso na China em suas operações com economias menores ao seu redor como Camboja, Vietnã e Laos, usando o renminbi.
Em um cenário como este, "quando exportadores brasileiros venderem mercadorias para a Argentina, podem ter uma referência de uma moeda padrão que não seja o dólar. Isto vai aparecer porque está sendo pensado junto a um fundo garantidor, exatamente para promover exportações. Mas isso não é um processo que não é inovador e que tem vários exemplos no mundo", complementa o professor.
"Lula precisa se lembrar que o mundo não é mais o mesmo de quando se formou o Mercosul em 1991", afirma ainda Leonardo Trevisan.
EMBATES POLÍTICOS
Em entrevista ao Conversa de Cerca Podcast, do Notícias Agrícolas, na última quarta-feira (25), Paulo Moura, cientista político do Canal Dextra, detalhou os sinais que as primeiras agendas internacionais de Lula trazem sobre seu novo governo e como elas impactam nos países vizinhos, a exceção de dois: Paraguai e Uruguai.
"O projeto deles é um projeto político. O objetivo ali não é melhorar qualidade de vida, economia, trazer prosperidade para os povos da América do Sul. Mas, o de criar uma estrutura de poder supranacional, envolvendo os países de esquerda enquanto estão no governo, para tirar o poder e a soberania das populações locais e dos outros governos para passar a um poder continental. É uma espécie de comunidade europeia, mas sem obedecer os pré-requisitos que a comunidade europeia estabeleceu e percorreu até integrar o continente", diz. "E até agora, a Europa não conseguiu fazer uma constituição europeia e um governo europeu, que é o cume do processo".
A FORÇA DO AGRO
Moura destaca ainda a importância que os representantes do Congresso Nacional terão para barrar projetos como estes e cita a bancada do agronegócio dada sua importância e peso em ambas as casas, em especial depois das eleições de 2022.
"O que está por trás disso é que o primo rico paga para o primo pobre, como aconteceu na Europa", explica o cientista. "uma transferência do dinheiro do bolso dos brasileiros para o bolso do governo e dos políticos argentinos, porque não vai para o povo, que está precisando muito sofrendo com as dificuldades econômicas impostas pelos governos de esquerda".
O alerta de Moura é claro e taxativo. "Pode ter certeza de que esta conta vai parar no bolso do produtor rural brasileiro". Todavia, lembra ainda que "a bancada ruralista é tradicional, é antiga, mas a situação é nova".
A competitividade do agronegócio brasileiro e de outros pares, como o próprio Uruguai, será pauta importante ainda nas próximas discussões dada, por exemplo, a falta dessa mesma competitividade do agro argentino. As últimas discussões do bloco sobre a TEC (Tarifa Externa Comum) foram intensas, justamente porque baixá-la e ampliar a competitividade dos países do bloco não "fazia sentido" para o país de Fernández, pautado na tributação do agro para garantir uma fatia grande de sua receita.
"A Argentina não concordava, a Argentina precisa taxar, precisa arrecadar", explica Paulo Moura.
Com o link abaixo, reveja a íntegra do episódio #81 do Conversa de Cerca com o cientista político do Canal Dextra:
E esse foi um dos gatilhos para que o Uruguai fosse buscar seus próprios acordos, em seus próprios termos, ameaçando premissas do Mercosul e cobrando mudanças e modernidade ao bloco.
"Não brigamos, mas simplesmente marcamos pontos de diferenças para melhorar o Mercosul", disse Lacalle Pou após encontro com Lula em Montevidéu nesta semana. Antes, já havia enviado recados importantes em seus discursos, como o de que sempre que as exportações de lácteos e carnes para outros países começa a deslanchar, "algo dá errado".
"O Uruguai é um país que não conta com a estrutura industrial que a Argentina e o Brasil têm. O país quer uma maior liberalização comercial, porque se sente prejudicado com as altas alíquotas da TEC. Os uruguaios querem exportar mais, mas também precisam aumentar e diversificar suas importações", afirmou o consultor internacional Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior, ao portal Extra.
A cartada de Lacalle Pou a Lula, a Fernández e a um Mercosul empoeirado e precisando urgente de uma repaginada, teve efeito, pelo menos psicológico neste primeiro momento. É sabido que o agronegócio brasileiro está monitorando os desdobramentos da visita do presidente aos seus vizinhos, como isso impactará um dos setores mais importantes da economia nacional e se nos serão estimulados parceiros ou concorrentes.
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