Mundo sofre com oferta restrita de alimentos, fibras e energia ao caminhar para terceiro ano de La Niña
Muito se fala sobre a nova safra de soja que está começando neste momento na América do Sul, porém, com a possibilidade de um novo La Niña, pelo terceiro ano consecutivo, se estabelecer traz novas preocupações para a produção agrícola no mundo todo para dezenas de culturas. Um levantamento feito pela agência internacional de notícas Bloomberg, mostra que o fenômeno climático se repetindo pelo terceiro ano consecutivo já leva o planeta a acumular danos de quase US$ 1 trilhão.
"As inundações, secas, tempestades e incêndios destruirão mais casas, arruinarão mais colheitas, interromperão ainda mais o transporte marítimo, prejudicarão o fornecimento de energia e, em última análise, acabarão com vidas", reporta a Bloomberg.
A probabilidade de ocorrência, novamente, de um La Niña - reflexo de um resfriamento do Pacífico equatorial - e que continue até outubro aumentaram para 97%, de acordo com uma nova previsão do Centro de Previsão Climática dos EUA. A chance de que ele permaneça até janeiro subiu para 80%.
Nesta semana, o Instituto de Meteorologia da Austrália também reconfirmou a ocorrência mais uma vez do fenômeno.
@BOM_au confirms a La Nina is underway in the tropical Pacific. pic.twitter.com/KcKQruO3oT
— Peter Hannam (@p_hannam) September 13, 2022
E é diante destas probabilidades crescentes que os cálculos das perdas são feitos. Afinal, como também afirmou a Bloomberg, "o preço de tudo, desde uma xícara de café até o carvão usado na siderurgia, é afetado pelo clima. Quando esses custos aumentam, isso alimenta a inflação". E um novo La Niña chega após anos de pandemia, em meio a uma guerra entre Rússia e Ucrânia - impactando diretamente nas commodities agrícolas e energéticas -, com a recessão batendo à porta de economias importantes, a logística global completamente desorganizada e depois de perdas agressivas registradas nas últimas safras no mundo todo.
Mais do que isso, novas quebras, inclusive, já estão sendo registradas nas novas temporadas em função de adversidades climáticas que vão de secas extremas e sem precendentes à cheias que castigam áreas inteiras de plantio. O exemplo mais recente são as enchentes no Paquistão. Importantes regiões de arroz e algodão se perderam drasticamente por conta do excesso de chuvas.
"O Paquistão é o quinto maior produtor e quinto maior importador de algodão do globo. O volume de importações estimado pelo USDA para a safra 2022/23 é de cinco milhões de fados, ficando historicamente atrás, apenas, da safra 2020/21, quando foram 5,3 milhões de fardos. A produção prevista é de 5,5 milhões de fardos, sendo a menor desde 20/21 nos últimos 35 anos", explica a equipe da Agrinvest Commodities.
O país já decretou estado de calamidade pública, já que as chuvas muito acima do normal que chegaram nos últimos dias alcançaram cerca de um terço do território paquistanês e afetaram 810 mil hectares (2 milhões de acres) destinados à produção agropecuária. "O período de monções é conhecido por um alto nível de pluviosidade, entretanto, neste ano o mês de agosto atingiu recorde de precipitações", completa a consultoria. São 243% acima da média nacional desde 1961.
Além de perdas nas lavouras, o Paquistão também perdeu volumes grandes de produtos que estavam estocados, além de inúmeras estruturas, e mais de mil pessoas perderam a vida nas enchentes. Além de arroz e algodão, campos de vegetais também se perderam, com tomate e cebola. Mais grave ainda, o plantio da nova safra de trigo ficou completamente comprometido, em um momento que o mundo já sofre com ofertas muito ajustadas do grão. O milho também sofreu e várias lavouras ficaram alagadas.
"O setor agrícola está em um turbilhão. As safras de algodão e vegetais foram completamente exterminadas em muitas áreas importantes. O clima severo simplesmente não nos deu uma pausa. Primeiro, a onda de calor, agora as inundações" , disse o vice-presidente do Fórum de Negócios do Paquistão, Ahmad Jawad, que cultiva trigo, milho, frutas cítricas e cana-de-açúcar à Bloomberg.
Somente entre perdas com a produção agrícola em suas principais culturas, as perdas no Paquistão foram estimadas em mais de US$ 2 bilhões.
Ainda sobre o algodão, a safra do Texas - maior estado produtor da pluma nos Estados Unidos - foi dizimada por uma das piores secas das últimas décadas. Os EUA registraram o maior abandono de áreas de algodão da história, com mais de 40% de área não colhida, como explicou a analista de mercado Bruna Stewart, da Agrinvest Commodities.
"Na Austrália, chuvas fortes levaram perda de qualidade na safra de grãos da temporada passada, e as chuvas deste ano já atrasaram o plantio de trigo e cevada", informa a Bloomberg. Na América do Sul, além das perdas históricas sofridas pela soja - sendo a maior da história, de quase 40 milhões de toneladas na safra 2021/22 - e pelas duas safras de milho, sofreram ainda café, cana-de-açúcar e laranja no Brasil.
Na Argentina, perdas foram sentidas de forma ainda mais agressiva nos campos de milho e, nesta quinta-feira (15), a Bolsa do Comércio de Rosário informou que uma das mais duras estiagem em quase 30 anos nas principais áreas de produção do país deverão postergar o início do plantio da nova safra do cereal.
"Esta é uma das situações mais complexas que vimos nas últimas décadas. Temos que dizer que é o pior cenário de plantio de milho nos últimos 27 anos", disse à Reuters Cristian Russo, agrônomo-chefe da Bolsa de Rosário (BCR).
Sobre a China, há menos de um mês, o Notícias Agrícolas publicou um levantamento das extensas áreas de arroz e milho sendo castigadas pela onda de calor.
As seis áreas mais afetadas pela seca – Sichuan, Chongqing, Hubei, Henan, Jiangxi e Anhui – responderam por quase metade da produção de arroz da China em 2021, segundo informoum uma nota do banco internacional Goldman Sachs nesta semana. E assim, o Ministério da Agricultura da China disse, no fim de semana, que o atual quadro climático vem impondo um "um grave desafio" para a queda na produção de grãos e pediu, novamente, às autoridades locais que fortaleçam o investimento de capital e recursos para combater a seca. Na província de Henan mais de 1 milhão de hectares foram afetados, de acordo com um relatório da CCTV, ainda de acordo com a Bloomberg.
Reveja:
Na Europa, como destaca o analista de mercado Marcos Araújo, da Agrinvest Commodities, um dos destaques é a perda na safra de milho. "A produção de milho da França deve ser a menor desde 1990. Estimativas de que a safra de milho da União Europeia possa ter uma quebra de 17 milhões de toneladas". E com essas perdas, Araújo faz o paralelo com produtos substitutos, como é o caso do arroz.
"A Índia, que é o segundo maior produtor mundial e maior exportador mundial de arroz - com 37% das exportações globais, cerca de 20 milhões de toneladas por ano - viu o governo, para controlar a alta de preços, tarifar as exportações do grão em 20% (...) Assim, se houver uma redução de cinco milhões de toneladas no programa de exportação indiano isso causa uma grande ruptura no supply chain porque vários outros países exportadores não têm esse excedente para atender estas exportações. Em quarto lugar vem o Paquistão, que tem sofrido com estas enchentes terríveis. Então, o arroz deve ser a próxima commodity a ser líder de mercado", detalha o analista.
Todas as culturas sentindo no campo ao mesmo tempo, faz com que os preços de todas elas também sintam. Os mercados já se apresentam muito voláteis desde o início da pandemia de Covid-19, acumulando outros cenários e culminando em momentos preocupantes em torno da oferta global de alimentos.
"Quando negociamos commodities temos que entender os produtos substitutos", complementa Araújo, lembrando que toda estas perdas entre cereais importantes na alimentação de humanos e animais - como arroz e trigo - podem estimular uma maior área de milho na próxima safra americana, exigindo que o preço da soja reaja para garantir que possa "comprar área de plantio" e não fique pra trás.
Assim, o analista reforça a necessidade do monitoramento do mercado desta perspectiva mais ampla, com a questão da segurança alimentar ainda no centro de discussão de todos os governos.
"A crise alimentar e a segurança alimentar não estão resolvidas para 2023, há uma produção de (fertilizantes) nitrogenados hoje inviabilizada na União Europeia pelos altos preços do gás natural, e o mundo está, mais ou menos, 'forçando' uma crise econômica para conter a demanda e segurar os preços", afirma Araújo.
O recado, assim, é claro. Os desafios para produzir serão muito grandes, mas também é grande a parcela da população que precisa de mais comida.
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