Crise de abastecimento estrangula oferta de insumos e não acompanha retomada forte da demanda
"Crise de energia na China afeta tudo de iPhones a leite". Este é o título de uma reportagem da agência internacional de notícias Bloomberg desta sexta-feira, 8 de outubro de 2021, sobre os alertas de desabastecimento que o mercado global vem recebendo há alguns meses e que ganhou ainda mais espaço nas manchetes desde que o chamado "energy crunch" se agravou na nação asiática. A China, porém, não é a única que passa pela crise, já que a mesma pode ser identificada em países da Europa e outros da Ásia, como a Índia. Neste último, a restrita oferta de carvão, como na China, é um dos vetores do problema.
Os preços do carvão, desde agosto, apresentam expressivas, como mostra o gráfico abaixo, refletindo a demanda voltando a acontecer de forma mais intensa sem que a produção acompanhasse o momento.
Nos últimos meses, o Notícias Agrícolas tem trazido informações e análises que cobrem desde a paralisação de plantas processadoras de soja até o fechamento de fábricas de fertilizantes e a luz que era amarela parece ter se tornado vermelha piscante frente aos riscos que diversos setores deverão sofrer de forma ainda mais agressiva pela frente, além dos obstáculos que já têm enfrentado.
Relembre:
Diante deste quadro, inclusive, o presidente Jair Bolsonaro informou em sua tradicional live semanal, nesta quinta-feira (7), que um plano de ampliação da produção de fertilizantes no Brasil será anunciado e o principal objetivo é, mesmo que aos poucos, reduzir a dependência das importações de insumos. A frente do projeto estão a ministra da Agricultura Tereza Cristina e o secretário de Assuntos Estratégicos, Flávio Rocha.
No entanto, embora os fertilizantes preocupem muito - uma vez que a maior parte dos volumes utilizados no Brasil são importados e, somente, nesta semana, a ureia registrou altas superiores a R$ 400,00 por tonelada em diversos estados produtores do país, segundo o analista de fertilizantes da Agrinvest Commodities, Jeferson Souza - há problemas sendo sentidos ainda nos defensivos, nas sementes, em peças de máquinas e implementos agrícolas, passando por muitos outros.
Soma-se a isso uma expressiva e contínua alta nos preços do petróleo e do gás natural, matérias-primas para fertilizantes de quase todos os grupos.
E tudo isso acontece ainda, paralelamente, a um colapso na logística global.
"O impacto da crise energética se espalha pelo mundo todo, prejudicando da Toyota Motor Corp. aos produtores australianos de ovelha, passando pelos fabricantes de caixas de papelão no mundo todo. A falta de energia na China causada pela disparada nos preços do carvão tem prejudicado, inclusive, seu próprio crescimento econômico", diz um trecho da reportagem da Bloomberg.
Como explica o professor do Insper Roberto Dumas Damas, especialista em economia internacional, os atuais problemas ameaçam, também de forma generalizada, as perspectivas econômicas de crescimento em todo mundo e, consequetemente, do movimento de recuperação econômica mundial. A inflação se agrava mês a mês, em quase todos os pontos do globo, e agora ganha cada vez mais corpo o fantasma da estagflação.
"Imagine um avião 747 com quatro motores: consumo, investimentos, gastos do governo e exportação líquida. Como a população vai consumir se renda dela está comprometida pela inflação e com as taxas de juros mais altas? Investimentos sofrem com as incertezas (inclusive políticas) e por iss não devem bombar", diz.
O diretor da consultoria macroeconômica LucrodoAgro, Eduardo Lima Porto, reuniu diversos fatores que levaram o mundo a passar pelo atual momento, relembrando variáveis que foram sinalizadas e muito discutidas desde que a pandemia se instalou. E mostra que tais sinais apareceram, inclusive, antes da Covid-19 e foram "apenas" intensificadas pela doença que assola o mundo há dois anos.
"A espiral inflacionária iniciada há alguns anos é derivada das medidas de afrouxamento monetário, conhecidas por “Quantitative Easing”, as quais possibilitaram o crescimento do endividamento a taxas próximas de zero e estimularam a demanda por ativos reais e commodities ao redor do mundo.
As consequências desse processo foram agravadas pelo advento da COVID-19 e serviram para desorganizar vários elos da cadeia logística global", afirma o especialista.
A principal consequência disso tudo, portanto, são os preços mais altos. E em todos os elos das cadeias produtiva, de abastecimento, distribuição e logística.
“Se a escassez de eletricidade e os cortes de produção continuarem, eles podem se tornar mais um fator que causa problemas do lado da oferta global, especialmente se começarem a afetar a produção de produtos de exportação”, disse Louis Kuijs, economista sênior para Ásia da Oxford Economics à Bloomberg.
Dessa forma, os questionamentos agora se dão sobre quais elos destas cadeias conseguirão absorver estes elos e repassá-los para os demais. Um dos casos mais recentes é o algodão. As últimas duas semanas têm sido de rally para os preços da fibra, as quais estão nas máximas em dez anos na Bolsa de Nova York. Todavia, justamente em função da corrosão do poder aquisitivo dos consumidores finais, a indústria têxtil, no Brasil por exemplo, já sente um arrefecimento da demanda.
"Neste momento, há muita dificuldade de continuar qualquer tipo de repasse. Como a renda das famílias está corroída pelos preços da comida, da energia, de itens relevantes para o orçamento, isso drena recurso do consumo de outros bens. E a área de serviços vai começar também a puxar renda", explica o presidente da ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), Fernando Pimentel, ao Notícias Agrícolas.
Além do setor do algodão, o setor de lã também passa por problemas e preocupações. "Fora da China, os criadores de ovelhas australianos estão se preparando para uma demanda mais fraca, enquanto procuram vender sua lã em leilões. A indústria viu as usinas chinesas reduzirem a produção em até 40% devido aos cortes de energia na semana passada, informou a Australian Broadcasting Corp.", informa a agência internacional de notícias.
ALIMENTOS MAIS CAROS
E se demais bens passam por essa demanda que pode vir a ser menor diante do atual quadro, entre os alimentos, o consumo parece sentir menos, mas com peso ainda maior sobre o processo inflacionário. E processo este que se dá no mundo todo. A comida mais cara é reflexo não só de um problema,mas de um acúmulo deles, iniciados há algumas safras, que resultaram em estoques apertados de uma série de itens, entre eles soja, milho, café, açúcar, suco de laranja, trigo e, consequentemente, derivados, e produtos acabados que os utilizam como matéria-prima.
Em setembro, o Índice de Preços de Alimentos da FAO (FFPI) registrou uma média de 130,0 pontos, sendo 1,2% maior do que em agosto e 32,8% em relação ao mesmo mês de 2020.
"O aumento mais recente do FFPI foi, em grande parte, impulsionado pelos preços mais altos da maioria dos cereais e óleos vegetais. Os preços dos lácteos e do açúcar também ficaram mais firmes, enquanto o subíndice de preços das carnes permaneceu estável", informou o braço da ONU (Organização das Nações Unidas) para agricultura e alimentação.
O índice dos óleos vegetais chegou a 168,6 pontos, um aumento de cerca de 60% na comparação anual puxado, especialmente, pelos óleos de palma e canola, uma vez que ambas as culturas sofreram com severas adversidades climáticas nos principais países produtores. Entre os grãos e cereais, o principal destaque se deu sobre os preços do trigo. Mas apresentaram altas também o arroz e a cevada. No milho, apesar da estabilidade em setembro último, os preços atuais são 38% mais altos do que no mesmo período do ano passado.
A demanda por alimentos segue presente, em crescimento, enquanto o clima em importantes regiões produtoras em todo o planeta exerceram e ainda exercem severa pressão sobre muitas culturas.
Na própria China, há problemas sentidos no milho, na soja e no amendoim. Na Índia, chuvas muito fortes destruíram milhares de hectares de soja e mais oleaginosas. No Canadá, somente a safra de canola perdeu mais de 50%, além do que se perdeu no trigo. Sobre o grão, as perdas foram ainda mais severas na Rússia e em partes da Europa, com destaque para a Alemanha.
No Brasil, somente a segunda safra de milho - hoje a maior do país - terminou com uma quebra de 20%. A produção total, depois da seca agressiva, além de doenças e pragas - fechou o ciclo 60,7% menor do que o inicialmente esperado. A safra de café, depois da falta de chuvas, geadas e granizo, perdeu 25,7%, de acordo com números da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Do mesmo modo, a produção brasileira de laranja perdeu 26 milhões de caixas, segundo o Fundecitrus (Fundo de Defesa da Citricultura). Assim, os estoques brasileiros de passagem podem, de acordo com estimativa da CitrusBR, cair 46%.
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E mesmo que todo este quadro promova um aumento dos preços dos produtos agrícolas de uma forma geral, também ajudam a catalisar a alta nos preços dos insumos - em especial fertilizantes e defensivos - o que encarece duramente os custos de produção e colocam muitos agricultores em uma situação ainda mais difícil.
Para ambos os insumos, a disparada nos preços do petróleo e do gás natural, além da nítida tendência de alta para ambos, intensifica mais ainda o encarecimento de fosfatados, nitrogenados e a ureia. Para o cloreto de potássio, há ainda os conflitos geopolíticos entre Bielorrússia - de onde vem 20% da oferta total deste produto - e a União Europeia, além de problemas que se dão em outras origens.
Nesta semana, além do fechamento ou paralisação gradual/temporária de plantas na China, chegou ainda a notícia do fechamento de uma planta da Yara Fertilizantes em Ferrara, na Itália, a partir de 18 de outubro. A instalação tem capacidade para produzir 600 mil toneladas de ureia por ano.
"A indústria de processamento deve ser mais severamente afetada do que alimentos básicos como grãos e carne, escreveram analistas do Rabobank em um relatório esta semana. No setor de laticínios, cortes de energia podem interromper a operação das máquinas de ordenha, enquanto os fornecedores de carne suína enfrentarão pressão de oferta mais restrita de armazenamento refrigerado", traz mais um trecho da reportagem da Bloomberg.
PLANTIO DA SAFRA 2021/22 NO BRASIL
Somente nestes últimos dias, lideranças de São Paulo, Goiás, Maranhão, Bahia e Tocantins relataram ao projeto Realidades da Safra, do Notícias Agrícolas, que os produtores rurais enfrentam problemas para dar andamento ao novo plantio da safra de verão devido à dificuldade com a chegada dos insumos à suas propriedades.
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E é preciso tentar driblar todos os problemas, principalmente depois das perdas no milho safrinha do ano passado e frente à uma demanda intensa pela produção brasileira. Neste movimento, os números das importações brasileiras de fertilizantes mostram recorde no período de janeiro a setembro, ainda como explica Jeferson Souza. Maiores agora deverão ser os desafios para a temporada 2022/23.
TECNOLOGIA, VEÍCULOS, MÁQUINAS E IMPLEMENTOS AGRÍCOLAS
Os setores de tecnologia e automotores também sofrem.
"Se a crise de energia piorar, ele pode atingir a produção antes da crucial temporada de compras de fim de ano. Gigantes da indústria, incluindo Dell Technologies Inc. e Sony Group Corp., não podem pagar outro choque de oferta depois que a turbulência induzida pela pandemia fomentou uma escassez global de chips que se estenderá até 2022 e além", informa a Bloomberg.
Para a indústria de veículos, quaisquer novas deteriorações no mercado de semicondutores poderiam trazer ainda mais problemas, depois de terem sofrido com essa falta dos chips. E isso tudo além da crise energética. Para o setor de máquinas e implementos agrícolas não é diferente.
"Estamos sentindo a falta de materiais desde o ano passado. Faltou pneu, faltou principalmente aço, e esse ano, o que mais falta são os materiais eletrônicos. Temos sentido muito essa falta. Na prática, o que está havendo é atraso nas entregas, mas mesmo assim estamos entregando mais", explica o presidente da CSMIA (Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas), Pedro Estevão.
Segundo ele, apesar de toda essa falta de material, as entregas cresceram 40% neste ano. "Para a indústria, este é um número excepcional. Desde o começo da pandemia, contratamos 25% a mais de mão de obra. Saímos de 40 mil para 60 mil funcionários diretos. Temos problemas sim, mas temos conseguido atravessar esse momento",
O QUE ACONTECE AGORA?
A crise das matrizes energéticas é generalizada. Os atuais estoques de petróleo, gás natural e carvão são bastante ajustados, a demanda já é forte e deve ser ainda maior com a chegada do inverno no hemisfério norte. E neste ambiente, algumas informações chamaram a atenção nos últimos dias.
A OPEP+ (Organização dos Países Produtores de Petróleo) realizou uma reunião e decidiu que não irá aumentar sua produção; o presidente da Rússia, Vladimir Putin, afirmou que o país está pronto para ajudar a estabilizar a crise energética, podendo aumentar a oferta de gás natural para a Europa; e na China, autoridades ordenaram que suas regiões produtoras de de carvão aumentem imediatamente sua capacidade de produção para mais de 160 milhões de toneladas por ano.
Os principais produtores e fornecedores globais de energia estudam o atual momento buscando entender como a demanda forte e pujante de agora, que se recuperou mais rápido do que o esperado depois dos picos mais duros da pandemia poderá ser atendida frente a uma oferta que, neste momento, ainda se mostra bastante restrita e estrangulada. E esse desequilíbrio pode ser uma das ameaças à retomada econômica global, ou pelo menos do ritmo em que ela pode acontecer.
"Se há uma recuperação econômica e começamos ter problemas de oferta, isso obviamente vai afetar todas as commodities. Fala-se em transição energética, sustentabilidade ambiental, mas as pessoas se esquecem que a energia é o sangue da civilização. A energia é o que permite que se tenha uma civilização moderna, é ela que permite que tenhamos fábricas que operam 24 horas por dia, conforto dentro das casas, e, portanto, a transição energética será algo mais gradual do que aquilo que as pessoas pensam", explica Flávio Gualter Inácio Inocêncio, professor de Direito de Petróleo e Gás da Universidade Nova de Lisboa.
O professor complementa ainda que essa transição não pode dar sem que haja um plano de segurança energética - o que pode ser visto que, neste momento, falta ao mundo - além de todas as questões custo x benefício estarem completamente alinhadas.
"O acesso a energia como está acontecendo hoje (na China, na Europa, na Índia, entre outros países) tem um efeito muito negativo na recuperação econômica e nos próprios consumidores", diz. "Eu acredito sim que teremos uma transição, mas que será algo mais gradual do que aquilo que muitos políticos pensam, principalmente no mundo ocidental", conclui.
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