Concentração de poder de mercado pode prejudicar o agronegócio, aponta estudo da Fapesp
A concentração generalizada de poder de mercado no agronegócio paulista pode prejudicar o setor. As duas principais atividades agrícolas paulistas já têm sentido de forma desproporcional os efeitos desse fenômeno.
A constatação é de um estudo sobre a dimensão do agronegócio no Estado de São Paulo integrante do projeto “Contribuição da FAPESP ao desenvolvimento da agricultura no Estado de São Paulo", apoiado pela Fundação e coordenado por Paulo Cidade de Araújo.
“O agronegócio, assim com os demais setores da economia no Brasil e no mundo, vem passando nas últimas décadas por um processo de concentração do poder de mercado, à medida que se sucedem operações de fusão e aquisição, em razão das vantagens das operações em grande escala”, disse Geraldo Sant’Ana de Camargo Barros, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) e coordenador do estudo, à Agência FAPESP.
De acordo com o pesquisador, tem se observado em diferentes segmentos do agronegócio no Estado de São Paulo a consolidação de oligopsônios – uma forma de mercado com poucos compradores e inúmeros fornecedores – e oligopólios (em que poucas empresas detêm o controle da maior parcela da oferta do mercado).
Essas novas configurações de mercado têm submetido os produtores rurais a práticas comerciais não muito claras, como a formação do preço, que é estabelecido pelas indústrias de insumos e de processamento e pelo segmento de serviços.
“Esse processo tem estimulado o abandono dessas e outras atividades agropecuárias, especialmente pelos produtores rurais de menor porte que, além das desvantagens tecnológicas em relação aos grandes e médios produtores, tendem a pagar mais pelos insumos que adquirem e a receber menos pelos produtos que vendem”, afirmou Barros.
Segundo ele, uma das consequências desse processo tem sido a significativa concentração agropecuária do estado, com a proliferação de grandes estabelecimentos que empregam tecnologia mais moderna e negociam insumos, produtos e créditos por canais preferenciais, em detrimento dos médios e pequenos produtores.
Um outro estudo, também integrante do projeto, corrobora a constatação do pesquisador.
De acordo com o estudo, o número de estabelecimentos rurais no Estado de São Paulo diminuiu cerca de 30% entre o Censo Agropecuário de 1970 e o de 2006, passando de 327 mil para 228 mil unidades.
Nesse período a área média dos estabelecimentos rurais em São Paulo subiu de 62,5 para 74,5 hectares, indicando uma tendência de concentração da propriedade da terra.
Tal transformação foi acompanhada pela redução do pessoal ocupado na agricultura paulista.
A população rural paulista, que era de 4,8 milhões em 1960, caiu para cerca de 1,7 milhão em 2010 – correspondente a 4,1% da população total do Estado de São Paulo e a 5,6% da população rural brasileira.
“Os pequenos produtores rurais têm procurado historicamente mitigar os efeitos deletérios da falta de concorrência se organizando para, em conjunto, melhorar os termos dos negócios”, disse Barros.
“As formas tradicionais de organização dos pequenos produtores, como as cooperativas, que visam juntar forças para tratar com a indústria, têm evoluído mais recentemente para parcerias entre segmentos da produção rural e da indústria”, afirmou.
Um exemplo dessa evolução da parceria entre os produtores rurais e a indústria, segundo o pesquisador, é o Conselho do Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Etanol do Estado de São Paulo (Consecana).
A entidade congrega associações de produtores e da indústria de processamento da cana para, em igualdade de condições, estabelecer os termos dos negócios entre as partes, levando em conta parâmetros técnicos relevantes para precificação da matéria-prima a partir dos preços do açúcar e do etanol coletados por uma instituição escolhida em comum acordo – nesse caso, o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Esalq-USP.
“Um iniciativa semelhante a essa tem sido buscada na cadeia de citros, com o objetivo de buscar o equilíbrio nas relações, privilegiando a remuneração adequada e mantendo o permanente incentivo à qualidade do produto e à satisfação do consumidor”, afirmou Barros.
Revisão na política
De acordo com dados dos pesquisadores, São Paulo é o principal produtor nacional de cana-de-açúcar e laranja, contribuindo, respectivamente, com 58% e 76,2% da produção brasileira dessas duas commodities agrícolas.
A produção de cana-de-açúcar no estado, contudo, vem oscilando muito nos últimos anos e tem sido destinada mais à produção de açúcar do que etanol, apontou Barros.
Entre 2008 e 2013, por exemplo, a proporção de açúcar produzido a partir da cana cultivada no estado em comparação com o etanol aumentou 40%. A relação de preços do açúcar com o etanol também aumentou em 40% em 2011 e 20% em 2013.
E enquanto o preço do açúcar é determinado fundamentalmente no mercado externo, o do etanol é controlado indiretamente por meio da política de preços de combustíveis em vigor no país, ponderou o pesquisador.
“Uma revisão na política do preço de combustíveis no país poderá mudar a destinação da cana no futuro”, estimou Barros.
Segundo o pesquisador, enquanto a cana tem formação de preço bastante transparente, estabelecida pelo sistema Consecana, no caso da laranja ainda há muito a ser feito no sentido de aumentar a eficiência e o equilíbrio na formação de preços, ponderou.
A laranja é negociada em um mercado pouco transparente, que envolve produtores sob contrato e independentes, com formações de preços diferenciadas.
E, como os preços internacionais do suco de laranja sofrem as oscilações típicas das commodities, as condições de rentabilidade agrícola e industrial podem variar bastante ao longo do tempo, indicou o pesquisador.
“Um conselho reunindo produtores e indústria, como no caso da cana, poderia ajudar muito a superar esse problema”, avaliou.
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