O fim da agricultura, por ZANDER NAVARRO (O ESTADO DE S. PAULO)
O título não é sensacionalista nem propõe um exercício especulativo de futurologia. De fato, são dois os principais desenvolvimentos, concretos e de grande envergadura, que apontam o desenlace indicado – uma inédita transformação da agricultura. Um deles é mais geral e o outro diz respeito, especificamente, ao caso brasileiro. Não ocorrem apenas na esfera econômica e financeira, pois também se modifica a estrutura produtiva e tecnológica, gerando consequências sociais, às vezes problemáticas. Uma vez aprofundados e irreversíveis nas duas décadas adiante, sem nenhuma dúvida, são desenvolvimentos que mudarão abissalmente a atividade humana que conhecemos como “agricultura” há pelo menos 10 mil anos. E o Brasil, na iminência de se alçar a maior potência mundial ofertante de alimentos, igualmente observará inevitáveis e sísmicas mudanças em seu mundo rural.
Ainda mais decisiva, se examinada por uma lente cultural, será atividade operada com escassa presença de pessoas, gradualmente diluindo a imaginação da sociedade sobre a vida rural e até mesmo esmaecendo o papel da natureza na produção dos alimentos. Ao contrário de algumas sonhadoras previsões, a distância que vincula a origem rural à mercadoria “alimento” deverá ampliar-se notavelmente na percepção dos indivíduos, também em razão das impressionantes inovações no processamento agroindustrial, capaz de ofertar novos produtos em velocidade crescente. No lastro cultural mais entranhado da sociedade, entre os grandes temas de discussão, esse fato gradualmente fará desaparecer a concretude das regiões rurais, a vida social no campo e até o papel da natureza. Na visão dos cidadãos, o bucolismo dos ambientes “naturais” e suas supostas virtudes serão, assim, separados dos espaços da produção.
O primeiro desses “grandes eventos” já está em curso nos sistemas agroalimentares dos países de capitalismo avançado onde o setor ostenta significativo peso econômico, particularmente nos Estados Unidos. Há uma silenciosa, mas espetacular combinação entre a transformação organizacional e a intensificação tecnológica em andamento na operação econômica que intitulamos “agropecuária”. São inúmeros os vetores que conduzem à mudança, dispensando os agricultores, mas exigindo agora agroadministradores que possam decifrar e coordenar a complexidade que se vai estruturando. Na história do capitalismo, como em outros momentos que condensaram múltiplas inovações, são processos que elevam a produtividade geral, ampliam fortemente a produção e eliminam muitas incertezas (enquanto introduzem novos riscos). Como resultado geral, vem se alterando a própria essência da atividade, fazendo-a totalmente distinta de sua imagem milenar.
Muitos são os campos de inovação que promovem esta revolução. São ações que mobilizam a biociência agrícola, especialmente os avanços na genética molecular, os novos produtos em automação e robótica e, sobretudo, o nascimento de uma “agricultura digital”, reconfigurada a partir de bases de dados e altíssima conectividade. São novas técnicas que tornam exponencial a capacidade dos administradores de otimizar os resultados, maximizando o uso dos recursos disponíveis. Se as manchas dos solos diferem entre si, por exemplo, multiplicando o uso de sensores, qual a combinação de água, fertilizantes e controle de pragas e doenças, além de plantas reconfiguradas por edição genômica, que permitirá obter a máxima produção com a mais alta produtividade final – e, portanto, a melhor rentabilidade possível? As respostas concretas já existem, na produção de alguns países.
Sem detalhes adicionais, inclusive sobre as inovações existentes nas demais partes do sistema agroalimentar, mudam assim a estrutura decisória e o “modelo de negócio” da agropecuária. Imagine-se, como curta ilustração, a pecuária de leite, que caminha para o confinamento de alta intensidade, com um único objetivo: obter a máxima lactação diária, descolando-a totalmente da alimentação obtida no campo. Levada ao extremo, a graciosa imagem dos animais comendo preguiçosamente em pastos verdejantes logo se tornará uma fotografia de tempos sem retorno.
Enfim, afirmado cruamente, trata-se de substituir a velha agricultura das decisões intuitivas do passado por um empreendimento econômico de exigências analíticas imensas e desafiadoras, conduzido obrigatoriamente pela ciência de vários campos disciplinares. São dois mundos opostos, e a velha agricultura começa a fazer parte das memórias passadas. É uma parte da economia que vai sendo convertida em mero “serviço” componente do sistema agroalimentar, como todos os demais que constituem as cadeias produtivas. E até a especificidade de serem os processos vivos os que caracterizam a agricultura é essencialidade que gradualmente se tornará irrelevante, pois a ciência está quase “domando a natureza” no processo produtivo.
O segundo grande desenvolvimento, aqui referido apenas de raspão, nos remete ao que é típico do caso brasileiro, diante desse novo contexto. São quase cataclísmicas as projeções antevistas, pois um terço dos nossos agricultores nem sequer sabe ler e em todas as regiões a maioria dos jovens está preferindo deixar o campo. É majoritária, mas muito pobre a população que vive no Nordeste rural, hoje uma região de fraquíssima expansão da moderna agropecuária. O próximo Censo, adicionalmente, mostrará uma concentração ainda maior da riqueza rural, apontando os vencedores das mudanças.
Por essas e outras razões, incluída a inoperância da ação governamental em face dessas gigantescas transformações, o mundo rural do Brasil também vai sendo radicalmente transformado. Em 2040, quem o comparar com os dias de atuais não acreditará que vive no mesmo país em que nós vivemos.
Entenda como a Embrapa Inteligência vê o futuro da agricultura brasileira, por Zander Soares Navarro
O pesquisador Zander Soares Navarro, da Secretaria de Inteligência e Macroestratégia da Embrapa, fez um estudo e uma apresentação sobre a atuação situação e o futuro próximo da agricultura e das regiões rurais do Brasil.
A pesquisa lista uma análise profunda do mundo rural brasileiro, bem como seu potencial e desafios que ainda estão por vir. As fases do desenvolvimento agrícola brasileiro são apresentadas ao lado de comparações com demais países produtores e quais as tendências que apresentam.
Clique AQUI para conferir o estudo na íntegra.
* Zander Soares de Navarro é Engenheiro Agrônomo (UFV, 1972); Especialização em Economia Rural (UFRGS, 1975); Mestre em Sociologia Rural (UFRGS, 1976); Doutorado em Sociologia (Universidade de Sussex, Inglaterra, 1981); pós-doutoramento em Ciência Política (MIT, Estados Unidos, 1991/92). Foi professor visitante nas universidades de Amsterdam (1986) e Toronto (1990). Foi professor e pesquisador no "Institute of Development Studies" (Brighton, Inglaterra, 2003-2010). Professor associado (aposentado) da UFRGS (Porto Alegre) entre os anos de 1976 e 2011. Atualmente é pesquisador concursado (A) da Embrapa Estudos e Capacitação (Brasília) e professor colaborador do Programa de Pós-graduação em Extensão Rural da UFV (Viçosa). Campos de atuação (acadêmico e profissional): Sociologia dos processos sociais rurais; estudos sobre o desenvolvimento (agrário e rural); movimentos sociais e organizações rurais; processos de democratização em regiões rurais; teoria sociológica; história agrária do Brasil; teorias democráticas; participação social e processos de democratização.
3 comentários
Prosa Agro Itaú BBA | Agro Semanal | Safra de café arábica 2025/26 comprometida
CNA aborda cenários para o setor agropecuário em 2025 no MS Agro
Entre as empresas que se destacam nesse cenário, a Macfor promove neste mês o evento “Melhores Cases de Marketing Agro 2024"
Macfor reúne líderes e referências do setor para revelar melhores cases de marketing no agronegócio em 2024
Macfor reúne líderes e referências do setor para revelar melhores cases de marketing no agronegócio em 2024
"Produzir alimento é um ofício sagrado. Saiba que na solidão do seu ofício, você faz o bem a muitas pessoas", diz Pe. Fábio de Melo durante a SIC
João Biermann Tapera - RS
Pequenos, médios e grandes produtores (os chamados 'gigantes' são os vencedores), são chamados de burros e ignorantes (dentro dos termos do politicamente correto), e são tratados como descartáveis e empecilhos ao avanços vindouros. Lendo nas entrelinhas da pra ver claramente o esquerdismo impregnado nesse texto, a 'ciência está domando a natureza'. Isso já foi bradado por vezes, e sempre deu em mer**.
O pesquizado é dotô em sociologia, democracia, ciensia pulitica, mas parece que esqueceu como se planta batata, fica a dica doutor, vai planta batata.Retórica! Nada, absolutamente nada vai substituir o processo de preparo, plantio, tratos culturais, monitoramento, colheita e comercialização. A humanidade sempre vai precisar do velho agricultor, do homem do campo! Com palavreado, ninguém come!
Paulo Roberto Rensi Bandeirantes - PR
Com certeza os títulos apresentados do "PÓS-DOUTOR", nos deixa (psicologicamente) numa situação desconfortável em discordar do seu artigo.
Todas as espécies de seres do reino vegetal e animal têm sua especialidade. Só um exemplo: O pássaro conhecido como beija-flor, existe várias espécies e, os tamanhos dos seus bicos são específicos para retirar o mel daquelas plantas que vegetam naquelas áreas, a espécie evoluiu se adaptando aquelas condições. O único animal vertebrado que não possui "especialidade" é o ser humano, pois sua espécie é cosmopolita. O "bicho-homem" não satisfeito com sua condição e, na faina de vencer tudo a qualquer preço, está a algum tempo "especializando" pessoas nos vários ramos da ciência. Existe uma diferença em especialista em prestação de serviço e especialista no campo da ciência. Esse não é o fórum "especifico" para tal discussão, mas deixo uma questão no ar: Vivemos essa realidade de discursos com palavras politicamente corretas, mas não devemos nos esquecer de que os maiores intelectuais das academias, na época, foram os primeiros a apoiar a instalação dos sistemas autoritários do comunismo e o nazismo. Quanto ao assunto especifico "Agricultura", estamos sempre progredindo, mas a 2ª commodity em produção mundial, o trigo, está após algumas décadas 15 ou 20% mais pobre em sua concentração de zinco (Zn). Ocorre que esse mineral, chamado no meio de micronutriente, é primordial nas reações biológicas dos seres vivos. Como os seres vivos que têm a base de sua alimentação nessa commodity vão achar uma alternativa para suprir essa deficiência. Será que vão ser nas filas do SUS ???domingos de souza medeiros Dourados - MS
Se por um lado a teoria de Malthus (que previa que a producao de alimentos nao acompanharia a explosao populacional) está sendo desmentida, agora os defensores das tecnologias digitais dizem que poderao dar conta do recado???!!!
Sr. Domingos, conheço bem esses loucos, esse último título devia se chamar, "Entenda como a Embrapa inteligência planeja o futuro da agricultura brasileira". Li essa porcaria somente devido ao seu comentário, esse sujeito não diz nada, só conjectura. O que há de certo no texto é o que já existe na agricultura brasileira. Em que a agricultura moderna depende da natureza hoje em dia? De chuvas é certo, e qual tecnologia vai substituir as chuvas na produção de grãos? Muito boa sua comparação com Malthus.
Chuvas? Irrigação ! (O texto do dr embrapa é lixo puro)
Não sabia da reputação do Sr Navarro! Ouvi a palestra e S.Jose dos pinhais e fiquei impressionado.