EDITORIAL DA FOLHA DESTE DOMINGO: "Fora do tom" (sobre a independência do Banco Central)

Publicado em 14/09/2014 11:31

Fora do tom

Debate sobre independência do Banco Central adquire destaque desproporcional; modelo brasileiro funciona bem, mas pode melhorar

Não fosse a constante interferência do Planalto nas decisões do Banco Central durante o mandato de Dilma Rousseff (PT), com impactos nefastos para a credibilidade da instituição, dificilmente discussões sobre sua independência teriam adquirido tamanho destaque na campanha presidencial.

Importa ressaltar, de início, que a propaganda do PT comete dois pecados na abordagem do tema. Primeiro, mente ao afirmar que um BC autônomo estaria entregue à sanha dos banqueiros. Depois, e mais grave do ponto de vista do país, reforça a impressão de que o órgão, sob Dilma, submete-se aos caprichos da presidente.

Configurou-se, assim, uma armadilha que os publicitários petistas não conseguiram antever. Insistindo nessa tecla para alvejar Marina Silva (PSB), a própria Dilma amplifica as simpatias por aquilo que sua adversária propõe.

É preciso, contudo, qualificar o debate. O conceito de independência do Banco Central não é exato e admite diversas gradações.

A experiência internacional mostra que são dois os campos em que se semeia a autonomia. Um deles diz respeito à definição do objetivo a ser perseguido (como a meta de inflação), enquanto o outro se refere à escolha dos meios para atingir aquele fim.

No Brasil, a meta de inflação é fixada pelo Conselho Monetário Nacional, composto por dois ministros (Fazenda e Planejamento) e pelo presidente do BC. Sendo todos indicados pelo chefe do Estado, este influi na definição do objetivo. Não há controvérsia de que se trata de bom arranjo para o país.

Por outro lado, o BC precisa ter liberdade para gerir a política monetária, determinando a taxa de juros e as condições de crédito. Pressões políticas, nessa seara, prejudicam a tomada de decisões técnicas --mas estas não podem, por sua vez, isentar de responsabilidade o presidente eleito pelo povo.

Eis onde está o debate. Com o BC encabrestado por Dilma, reaparece a sugestão de regras mais estritas para, por exemplo, demissões na cúpula do órgão. Nada impede que se avance nessa linha, mas o mandato fixo, em si, não garante que haverá autonomia na prática --e pode até criar um problema, a depender de quem estiver no cargo.

Melhor do que discutir a independência da instituição com os clichês dos publicitários é considerar normas capazes de minimizar o espaço para mandos e desmandos. O Brasil, quanto a isso, não faz má figura. Basta lembrar que a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe o BC de financiar o Tesouro.

Sem dúvida é possível evoluir. Incrementar mecanismos de prestação de contas e adotar medidas como a publicação dos votos de cada diretor na reunião que define os juros trariam ganhos para o país --o tom da campanha, quanto a isso, só traz prejuízos.

ELIANE CANTANHÊDE:

A força de São Paulo

BRASÍLIA - O foco da eleição está todo em São Paulo, onde se amontoam quase 32 milhões de eleitores, 22,4% do país. Marina tem 40% no Estado, onde compensa a vantagem de Dilma no Sul e a franca dianteira da petista no Norte e no Nordeste. Aliás, Marina já atingiu 31% nos Estados nordestinos, feudos de Dilma e Lula.

Dilma só tem 26% em São Paulo, o que puxa para baixo seu desempenho no fundamental Sudeste, onde ela perde por 28% a 36% de Marina.

Aécio patina em 16% em São Paulo, o que apavora mais o PSDB do que a própria candidatura dele. O futuro do partido, incerto, depende muito dos votos paulistas.

Todas as campanhas, portanto, quebram a cabeça e gastam sola de sapato para conquistar os paulistas, não só da capital, mas principalmente do rico e conservador interior.

A coisa é complicada. O PT mantém o favoritismo na disputa presidencial, mas seu candidato ao governo de São Paulo nunca chegou a dois dígitos nas pesquisas. Com o PSDB ocorre o contrário: em terceiro na presidencial, tem tudo para reeleger Alckmin já no primeiro turno.

Quanto a Marina: não tem a estrutura partidária nem os palanques de PT e PSDB --aliás, não só em São Paulo--, mas disparou entre os paulistas. Eles têm forte rejeição ao PT e, apesar de renovarem o crédito de Alckmin, não parecem se animar com o mineiro Aécio.

O tucano está ensanduichado não apenas entre as vantagens objetivas de Dilma e a novidade Marina, mas também entre as premências em São Paulo e Minas. Se o PSDB não pode ser um fiasco em São Paulo, Aécio não pode perder feio em Minas. E ele está sete pontos atrás de Dilma no Estado que governou. Nos dois casos, do PSDB e de Aécio, é questão de sobrevivência.

Em tempo: a diferença pró-Marina em São Paulo é de 14 pontos no primeiro turno e de 25 no segundo, e ela tem a seu favor os erros de Dilma na economia. Não é trucidando Neca Setubal que o PT vai reverter isso.

VINICIUS TORRES FREIRE:

O que é que Marina tem?

Imagem pessoal da candidata agregou eleitorado de oposição, antes desanimado e disperso

É BEM SABIDO que Marina Silva (PSB) agregou oposicionistas em geral e mudancistas em particular, antes dispersos entre Aécio Neves (PSDB), Eduardo Campos e o "protesto" do voto nulo, em branco ou indeciso, "protesto" que era a opção de mais de um quarto dos eleitores (e, agora, de apenas 13%). O que é que Marina tem?

Antes de Marina, o peso do eleitorado de oposição a Dilma Rousseff (PT) ficava evidente na votação de segundo turno, mas não nos votos de primeiro turno dos candidatos de oposição.

A votação de Aécio dobrava de 20% para 40% de um turno para outro; a de Campos, quase quintuplicava, de 8% para 38%. Os eleitores de oposição não estavam muito convencidos de suas opções, aglutinando-se na reta final para derrotar a presidente, mas sem entusiasmo por seu candidato.

Não é simples pensar os motivos da conversão ao marinismo. Marina tem uma quantidade de votos mais ou menos assemelhada à dos candidatos do PSDB em 2002, 2006 e 2010. Por que tomou o lugar dos tucanos? Por que Campos não havia conseguido ocupar tal posição?

O mudancismo genérico dos manifestantes de junho de 2013, sua rejeição aos "políticos tradicionais" e mesmo aos partidos, deve ter influenciado o sucesso de uma candidata tida como um tanto "outsider". Lembre-se do apelo que teve o balão de ensaio da candidatura novidadeira de Joaquim Barbosa.

Nem é preciso dizer que parte do eleitorado está obviamente satisfeita com a década de melhorias sociais, representada pela candidatura Dilma. Ensanduichado pelo situacionismo de base popular e pelo mudancismo, Aécio minguou até em Minas.

No entanto, por que Eduardo Campos não conseguiu assumir o papel de novidade ou alternativa, ele que era quase desconhecido do público? Porque era homem, branco e não destoava do formato do político tradicional? Ou porque era desconhecido até demais, enquanto Marina pode se aproveitar da memória de 2010 (uma curiosa novidade que se vale do "recall")?

Note-se, ainda, de passagem que a opção mudancista do eleitorado é mais relevante na disputa presidencial. Velhos conhecidos do eleitor estão na ponta em São Paulo, Minas e Rio, por exemplo. No Distrito Federal, há o caso teratológico de um condenado da velhaquíssima política liderar as pesquisas de voto.

Os programas econômicos de Marina e Aécio são, no essencial, os mesmos e mais racionais que os do PT, embora política econômica seja um assunto que não faz o menor sentido para a maioria da população; as vagas propostas de "manter as conquistas sociais" também se parecem nos dois programas e discurseiras dos candidatos.

Ao sair do PT, porém, Marina conseguiu se desvincular dos escândalos que envelheceram e apodreceram o partido, problema que de certo modo também abalou o PSDB, que de resto se tornou um partido com imagem antipopular, por suas ações e omissões.

A diferença de Marina então se resumiria então à pregação contra a "velha política", que talvez soe mais autêntica em seu caso por ela parecer (e ser!) filha do povo e da floresta, ambientalista, que jamais se meteu em roubanças. Parece espantosamente pouco para tanto abalo.

CARLOS HEITOR CONY:

Petrobras x Paulo Francis

RIO DE JANEIRO - Durante o escândalo do mensalão, a opinião pública acreditou que, em matéria de corrupção, o poder havia atingido um limite insuperável, para não dizer inédito, na política nacional. Ledo e ivo engano. Em poucos meses, com as sequelas que continuam e que ainda não terminaram, explode uma bomba bem maior e letal para o governo que há mais de dez anos vem sendo manipulado pelo PT.

Desde o início de que, mesmo não sendo a Dinamarca, havia alguma coisa de podre no reino da Petrobras, meu primeiro pensamento foi o calvário de um jornalista, meu amigo Paulo Francis. No programa que então fazia, e gravado em Nova York, ele acusou os sobas que mandavam na maior estatal do Brasil.

Não chegou a citar nomes, falou que o estado maior da Petrobras, engenheiros, diretores e seus respectivos patronos formavam uma quadrilha de bandidos que roubavam descaradamente a empresa, justamente em sua cúpula administrativa e técnica.

Evidente que a "suspeita" do Francis foi desmoralizada pela própria Petrobras, que usando e abusando do dinheiro da fraude, processou o jornalista por calúnia, no foro de um país que tem a fama de ser o mais severo na matéria. A multa chegaria a US$ 100 milhões, mais custas e honorários.

Seus amigos e admiradores, como Fernando Henrique Cardoso, José Serra e outros do mesmo nível procuraram o presidente da empresa para explicar o absurdo do processo e da multa. A Petrobras, com o dinheiro dos outros, venceu a questão.

Paulo Francis entrou em depressão, tal e tanta, que meses depois morreu subitamente. Agora tomamos conhecimento gradativo que um jornalista culto e bem informado tenha feito as acusações que hoje são objeto de uma CPI e de um clamor que atinge não somente a honra da nação, mas a vergonha de todos nós.

HENRIQUE MEIRELLES

Sob a névoa eleitoral

O debate eleitoral está centrado na economia e seus desdobramentos sociais e políticos. Mas o acirramento da campanha e sua passionalidade fazem com que ele não contribua para o melhor entendimento dos problemas e das soluções.

É importante neste momento não perder de vista os desafios de curto e longo prazo que o próximo governo, qualquer que seja, enfrentará.

No curto prazo, três questões devem ser equacionadas para reduzir incertezas e elevar investimentos: 1) aumentar o superavit fiscal, o que inverteria a trajetória de aumento da dívida e poderia evitar a redução da nota de classificação de risco do país; 2) assegurar a convergência da inflação ao centro da meta; 3) reduzir o deficit nas transações com o exterior, o que contribuiria para elevar confiança e investimentos.

Para atingir estes objetivos, serão necessárias: 1) redução de despesas, desonerações e desembolsos do governo e eventuais correções arrecadatórias; 2) correção dos preços administrados no início do governo conjugada a política monetária eficiente, que facilita a queda de expectativas de inflação e, em consequência, da própria inflação; 3) maior liberdade de flutuação do câmbio, que ajuda a reduzir desajustes externos de curto prazo.

Resultado de políticas críveis, o aumento da confiança e da credibilidade elevará o investimento doméstico e externo, reduzindo fragilidades.

Há ainda os desafios de longo prazo. Sumarizando, temos: 1) educação. Elevamos o número de alunos e os anos de escolaridade, mas agora é fundamental focar na qualidade; 2) custo fiscal elevado e complexo; 3) custo de energia acima da média mundial; 4) logística inadequada, com desempenho abaixo da média.

As soluções virão com investimentos na qualidade da educação, reforma tributária que reduza o custo fiscal e eleve sua eficiência, reforma da área de energia para aumentar a oferta e mais investimentos em infraestrutura.

O Brasil tem vantagens e forças importantes para reagir e competir globalmente. O mercado de consumo de grande porte, o oitavo do mundo, dá escala de produção. A estabilidade política, apesar das críticas a sua qualidade e aspectos éticos, está acima da média, com democracia estável desde os anos 1980.

Se o Brasil não resolver os problemas de curto e longo prazo, deveremos manter crescimento baixo nos próximos anos. Resolvidas as questões de curto prazo, sem endereçar as de longo prazo, o crescimento pode ficar entre 2% e 3%. Mas, se enfrentarmos os desafios estruturais de curto e longo prazo, teremos condições de voltar a crescer ao redor de 4% como na década passada e aumentar o bem estar da população.

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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2 comentários

  • João Alves da Fonseca Paracatu - MG

    COLEGAS PRODUTORES,penso que está na hora de cada um parar um pouco para uma pequena reflexão antes de seguir na lida,primeiro vamos às oportunidades:

    _O mundo precisa comer e se locomover e o Brasil tem ótimas vantagens para prover isto;

    -As produtividades ,a mecanização e o aproveitamento do solo evoluiu imensamente nos últimos 20 anos;

    -A integração global praticada hoje,era inimaginável;

    Agora vamos aos desafios:

    -Como manter a competitividade,levando em conta o tal custo Brasil,impostos e taxas que chegam aos absurdos 37% do PIB?

    -Como pagar pelo menos o dobro, em dólar, por máquinas ,implementos e insumos agrícolas que pagam nossos pares americanos, para disputar o mesmo mercado?

    -Como driblar nossa logística defasada,inoperante e cara?

    -Como conviver com leis trabalhistas e ambientais, feitas por gente que nem sequer tem noção das peculiaridades do meio rural?

    -O que fazer para se ter segurança jurídica e social?

    Não querendo entrar na seara das preferências eleitorais de cada agricultor,até mesmo por aqui se tratar de uma opinião pessoal,penso que fazer um programa de governo e divulgá-lo é a coisa mais simples do mundo,a própria CNA o fez antes de sabatinar os principais candidatos,mas fazer compromissos com gente séria do nosso setor, seria antes de mais nada,o programa de governo,discursos vazios, empolgados,visitas à feiras ,exposições e congressos, não significam nada.

    Dentro da previsibilidade possível, o futuro próximo se apresenta como tempo de arrocho,baixa remuneração,aumento do endividamento(Já é alto),desvalorização do patrimônio e quem sabe até a volta daqueles terríveis anos do endividamento, onde deixamos tantos colegas pelo caminho.

    Para não fazer como diz naquela música do cantor mineiro José Geraldo(“tudo isto acontecendo e eu aqui na praça,dando milho aos pombos”),precisamos pegar nossa meiga senhorita(ou senhora) ,sentar,discutir com nossas famílias,colaboradores,parceiros,entes públicos e tentar errar o mínimo possível,para que, em pouco tempo não transformemos ótimas oportunidades em tragédias duradouras e de soluções traumáticas.

    Se tivesse de dar como resposta qual seria a solução mais adequada para a situação que se desenha, eu diria, como agricultor, que o mais sensato seria não aumentar a área,adequar tecnologias, usar a poupança de adubação em áreas consolidadas,não plantar em áreas, regiões e cultivos poucos competitivos,pressionar os fornecedores para que diminuam margens,negociar,negociar e negociar...Por fim pensaria muito no futuro de meu País analisando o passado,as propostas ,os pensamentos,palavras,atos e omissões de cada um dos candidatos, e, diante da conclusão, tentaria convencer o máximo de pessoas que quero bem.

    Saudações mineiras,uai!

    João Alves da Fonseca

    Agricultor-Paracatu-mg

    14 de setembro de 2014

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  • Paulo Roberto Rensi Bandeirantes - PR

    Sr. João Olivi, a singularidade da política brasileira é tema de simpósios internacionais, na busca da irracionalidade de uma “democracia de coalizão”. O presidencialismo atuante no modelo político adotado, já conhecemos seu “modus operandi”, falta à descrição dos sociólogos, antropólogos, filósofos e, outros “logos e sofos” das ciências sociais do resultado desta prática.

    Nesta campanha de 2014 o TSE está veiculando um vídeo onde mostra ao eleitor que não se deve “vender” o voto.

    QUAIS SÃO AS PRÁTICAS DO PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO?

    O QUÊ FOI O “MENSALÃO”?

    AS PERGUNTAS SÃO INFINITAS E, A QUE SINTETIZA:

    COMO SE EXPLICA O 1º LUGAR DA CANDIDATA PETISTA NA INTENÇÃO DE VOTO?

    ....”E VAMOS EM FRENTE” ! ! !....

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