Saldo comercial de 2010 será o pior da era Lula

Publicado em 25/12/2010 01:07
Negócios externos sentem o impacto da crise e a desvalorização do dólar -- Até novembro, saldo das exportações menos importações era de US$ 14,9 bi; vendas externas podem bater recorde
A combinação de crise internacional e o forte crescimento econômico interno trouxe consequências negativas para o comércio exterior do país. O saldo comercial de 2010 será o pior da era Lula.
Até novembro, o resultado das exportações menos importações era de US$ 14,9 bilhões. O valor supera em quase US$ 2 bilhões o melhor desempenho do governo FHC, alcançado em 2002.
Ao contrário de FHC, que enfrentou quatro fortes crises internacionais seguidas, o presidente Lula chegou perto de fechar oito anos de mandato navegando em céu de brigadeiro no cenário econômico internacional.
Com os ventos favoráveis, a era Lula teve recordes de exportações (em 2008) e do saldo comercial (em 2006). Mas os impactos da crise financeira do segundo semestre de 2008 e a consequente desvalorização mundial do dólar mudaram o clima para os negócios externos.
No Brasil, os juros altos ajudaram a valorizar ainda mais o real. Aliado ao pujante consumo interno, as importações dispararam. De janeiro até a terceira semana deste mês, as compras somam US$ 176 bilhões.
A sete dias do fim do ano, a equipe econômica ainda tem esperanças de um recorde nas exportações. O maior valor já atingido foram os US$ 198 bilhões de 2008. A expectativa era chegar a US$ 195 bilhões neste ano.
Mas o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, lembra que um único embarque de uma grande empresa nos últimos dias deste mês pode gerar o recorde.

ENTRAVES
Em um balanço dos últimos oito anos, Barral admite que alguns entraves para a exportação não foram resolvidos pelo governo.
Ele destaca que os investimentos em logística foram menores que o crescimento das exportações. Por isso, os empresários ainda enfrentam custos elevados de frete, o que reduz a competitividade externa do Brasil.
O segundo problema é interno: o embate com a Receita Federal. O Ministério do Desenvolvimento defende a liberação mais rápida de créditos tributários. Mesmo se o melhor resultado das exportações for alcançado, o resultado ainda não agrada aos empresários da indústria.
Cresceram neste ano as vendas externas de commodities, ajudadas pela escalada dos preços desses itens. E houve queda nas vendas de produtos manufaturados.
Por isso, especialistas em comércio exterior alertam que a qualidade da pauta de exportações piorou.

CONTEÚDO RUIM
"A balança comercial pode ser boa no agregado, mas é péssima no conteúdo. As vendas de manufaturados perderam competitividade, e a China ainda invade o nosso mercado interno com produtos industrializados", critica Roberto Giannetti da Fonseca, diretor de Comércio Exterior da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
O representante dos empresários acredita em deficit da balança comercial no ano que vem caso as condições econômicas nacional e internacional se mantenham constantes.
Márcio Sette Fortes, professor do Ibmec-RJ, também aposta que as importações podem superar as exportações em 2011.
Mas ele culpa o governo norte-americano -e não o brasileiro- por esse cenário por causa da injeção de US$ 600 bilhões na economia dos Estados Unidos. Isso deve manter o dólar desvalorizado nos próximos anos.
Outro representante dos empresários, José Augusto de Castro, presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), acredita em superavit comercial e aumento das exportações, apostando na tendência de alta das commodities.

ANÁLISE

Deterioração da conta externa mostra que o Brasil vive além da sua capacidade

SÉRGIO VALE
ESPECIAL PARA A FOLHA 

Em seu leito de morte, o eternamente perdulário Oscar Wilde (1854-1900) pediu champanhe alegando que gostaria de morrer como sempre viveu, ou seja, acima de seus meios. 
Essa história, falsa ou não, calha bem ao momento recente da economia brasileira. Em vários aspectos, parecemos fadados novamente a tentar viver acima de nossas capacidades. Seja no fiscal, que não se aguenta dentro da própria receita, seja nos projetos megalomaníacos, como o Trem de Alta Velocidade. 
Mas uma dessas tendências negativas vem aparecendo sorrateiramente, e é justamente a deterioração das contas do setor externo. E o terrível é ter de dizer que, de novo, corremos risco em algo que já devíamos ser doutores em evitar. Aqui não resisto a outra lembrança, também condizente com épocas de inflação alta. Dizia Mário Henrique Simonsen (1935-1997) que a inflação esfola, mas a crise do balanço de pagamentos mata. 
Longe de mim dizer que corremos risco de alguma crise no balanço de pagamentos. Não é isso. Mas corremos novamente o risco de uma deterioração da conta-corrente que poderá ser difícil de administrar. 
A balança comercial deste ano já mostrou sinais de fraqueza, com o inexorável crescimento mais veloz das importações. Como estamos crescendo em ritmo médio maior do que o resto do mundo, nada mais natural que as importações se expandam também em ritmo mais forte. 
De fato, para exportações que crescerão quase 30%, teremos importações aumentando cerca de 42%. Essa diferença deve se manter em 2011, quando projetamos crescimento das exportações de pouco mais de 20%; para importações, cerca de 30%. 
No caso das exportações, mesmo com nossa expectativa de que os preços das commodities subam ainda na margem, difícil imaginar alta tão acelerada como a que tivemos neste ano, quando a exportação de produtos básicos subiu mais de 40%. Trabalhamos com produtos básicos vendendo cerca de 25% a mais em 2011. 
As importações acompanham o compasso de crescimento da economia doméstica. Não esperamos grande desaceleração para 2011. Um PIB de 4,5% está harmônico com nossa expectativa de expansão das compras externas. Com isso, teremos o saldo da balança comercial caindo para US$ 2,7 bilhões no próximo ano. 
Além da continuidade da deterioração nos outros itens da conta-corrente (envio de lucros e dividendos, transportes, viagens etc.), teremos um deficit em conta-corrente de quase US$ 70 bilhões. 
Como o governo aparentemente tentará manter um padrão forte de crescimento para os próximos anos, o risco será aumentar ainda mais esse deficit, fazendo com que ele chegue a 5% do PIB, um número simbólico das dificuldades que poderemos ter para financiar tal deficit. 
Há solução? A única passa por fazer um ajuste fiscal severo, que ajude a aumentar a poupança pública e desacelere a economia a ponto de desaquecer o crescimento das importações. Sem esquecer que isso também é essencial para controlar a inflação. 
Mas, em tempos de temperos novos na política econômica, como um "piso para o câmbio", parece que o ajuste fiscal continuará esquecido no fundo do armário. 


SÉRGIO VALE é economista-chefe da MB Associados.
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Fonte:
Folha de S. Paulo

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